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Inovação Uniemp
Print version ISSN 1808-2394
Inovação Uniemp vol.2 no.1 Campinas Jan./Mar. 2006
Aves e suínos: falta legislação e sobra tecnologia
por MICHELA DE PAULO
A rastreabilidade do setor de carnes no Brasil é um processo que visa, principalmente, a manutenção e a estabilidade do produto no mercado internacional. No caso da carne bovina, o governo já implementou um programa que exige o cadastramento de todo o rebanho do país, mas para aves e suínos ainda não há uma legislação específica que defina essas diretrizes. Entretanto, pesquisas desenvolvidas nessa área já sugerem meios bastante avançados para identificar, certificar e rastrear os animais. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, está sendo patenteado um software que utiliza a rastreabilidade eletrônica para armazenar todos os registros existentes em uma granja de suínos.
A patente do software foi depositada em dezembro de 2004 e seus principais benefícios referem-se à precisão dos dados, controle da produção e economia de tempo nas atividades desempenhadas pelos funcionários. A pesquisa foi desenvolvida na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) durante a tese de doutorado da engenheira agrícola Késia Oliveira da Silva. O programa ainda deve receber novos módulos relacionados ao bem-estar animal, resultado do pós-doutorado da pesquisadora. "É uma questão que se inter-relaciona com a rastreabilidade e alguns países europeus já possuem exigências referentes à forma como o animal está sendo criado", explica Késia.
Além do software a pesquisa também resultou numa metodologia aplicada à rastreabilidade. Késia observou a forma de controle usualmente aplicado nas propriedades, onde as anotações eram feitas manualmente e só depois transferidas para o computador. O método poderia incorrer em algum erro, caso a anotação não fosse compreendida por causa da grafia, por exemplo, por quem transfere os dados. "Primeiro eu precisei compreender como a granja pesquisada fazia o seu controle para, então, montar uma base onde tudo fosse realizado de forma quase que totalmente eletrônica e de acordo com os conceitos de rastreabilidade", pontua Késia.
IDENTIFICAÇÃO ELETRÔNICA DOS ANIMAIS
Um ponto primordial era identificar o local mais indicado para se implantar um transponder no suíno, dando àquele animal a condição de único e possibilitando registrar todos os manejos realizados durante sua vida produtiva. A experimentação apontou a base da orelha como o melhor ponto. O brinco, segundo a pesquisadora, também é uma alternativa, porém gera o custo adicional de sua aquisição. Ao fazer a aplicação na base da orelha, há necessidade apenas do transponder, cujo interior contém um microchip encapsulado.
Identificado o local, surgiu a necessidade de se resolver um outro problema: como registrar todos os manejos e dados como peso e conversão alimentar eletronicamente? O transponder tem apenas um número que pode ser "lido", e não havia como descrever qual manejo estava sendo aplicado. Késia desenvolveu, então, uma metodologia com cartões microchipados em diferentes cores.
Cada um representa um ato como inseminação ou vacinação. Ao iniciar um processo, o funcionário faz primeiro a leitura do cartão correspondente, realiza o manejo e registra cada animal. A leitura é feita com uma antena portátil, acionada ao se aproximar do transponder introduzido no suíno. Finalizado o trabalho, o funcionário fecha a série lendo novamente o cartão. Depois, descarrega o conteúdo diretamente em um computador que possui o software correspondente. A antena também registra o horário e a data em que o manejo foi realizado. Para facilitar, o funcionário pode utilizar um avental com bolsos nas cores correspondentes às dos cartões, possibilitando maior agilidade no trabalho.
Uma antena fixa também está em testes na creche dos animais, visando obter informações para conversão alimentar. Foram instaladas balanças próximas ao comedouro e ao bebedouro, com duas antenas ao lado. Ao se alimentar, o leitão automaticamente irá se aproximar da antena, possibilitando que ela capte o transponder, registrando a hora, o quanto comeu e o seu peso naquele momento. Estes dados também permitem ao produtor identificar animais abaixo do peso ou até mesmo se a média daquele lote está fora dos padrões. Com isto, é possível encontrar a origem do problema, que pode estar relacionado com a ambiência, por exemplo. "Hoje, nós temos o básico do que acontece dentro de uma granja, mas continuamos trabalhando em cima do programa que estará sendo enriquecido com outras características importantes", revela Késia.
Ainda não há previsão sobre os custos e preço de comercialização do software, mas a pesquisadora ressalta que os pequenos produtores também poderão ser beneficiados, pois é necessário apenas inserir os dados, manualmente ou eletronicamente. "Ao utilizar uma antena manual e comprar transponders em grande quantidade, a economia é significativa" ressalta.
PRODUTO NO MERCADO
A pesquisa foi desenvolvida em Salto, interior de São Paulo, em uma granja de produção industrial de suínos. Na mesma propriedade, outro estudo sobre rastreabilidade animal está sendo desenvolvido pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). O Núcleo de Pesquisa em Ambiência (Nupea) da Esalq desenvolve um software mais amplo, que agrega gerenciamento de pessoal, do processo e do produto até que ele chegue ao varejo. Ele liga os diversos elos da cadeia produtiva tanto no caso de suínos como no de aves. O projeto intitulado Tecnologia da Informação no Desenvolvimento de Sistemas Inteligentes para Tomadas de Decisões e Gerenciamento da Rastreabilidade na Cadeia Agroindustrial de Carnes Avícola e Suinícola é uma parceria do Nupea com a empresa Zkitta Agrosoft e tem apoio institucional da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O programa está previsto para entrar no mercado no início de 2006, quando as cinco etapas do módulo rastreabilidade devem estar validadas. Ainda não há previsão de preço para a comercialização do software, mas a idéia é que seja proporcional ao tamanho da propriedade. Há seis meses, os técnicos que integram o projeto estão indo a campo para analisar os problemas e a viabilidade das ações propostas no organograma do software. A primeira etapa, que se refere à produção já foi finalizada. O trabalho segue agora nas etapas pós-porteira.
"Estamos visitando abatedouros e frigoríficos e destacando todas as informações que devem ser anotadas no sistema. A maior dificuldade agora é fazer os ajustes necessários de acordo com o perfil e tamanho dessas empresas", ressalta Iran Oliveira, coordenador do Nupea. O módulo rastreabilidade deste software, intitulado Sisui (Programa de Rastreabilidade Suinícola) e Sisave (Programa de Rastreabilidade Avícola), está sendo desenvolvido e validado em cima do modelo de rastreabilidade suinícola e avícola que, há cerca de um ano, foi estruturado por um grupo de trabalho da Esalq/USP. Os resultados desse estudo ainda permanecem inéditos. Eles não foram publicados e deverão ser lançados com o software no próximo ano. "A priori, acreditamos que o desenvolvimento deste produto poderá ser uma proposta para que o Ministério da Agricultura e as empresas exportadoras o adotem como programa de rastreabilidade", acredita o pesquisador do Nupea.
Segundo Iran, todas as regras e exigências estabelecidas por auditorias internacionais estão atendidas no módulo. Todo o trabalho envolvido em torno do projeto revela que não se trata, simplesmente, do desenvolvimento de um software, e sim do entendimento de todas as etapas do processo produtivo, que não se restringe somente ao que ocorre dentro da porteira. Ele a atravessa e chega até os processos de abate e, também, a todas as etapas que envolvem a comercialização do produto final. Dentro dessa proposta, está estabelecido o conceito de responsabilidade compartilhada, no qual cada elo da cadeia produtiva assume a sua parte no processo total. Um produtor, por exemplo, garante a compra de insumos de qualidade. Essas informações são compartilhadas entre os elos, fazendo com que se construa o histórico daquele produto.
No entanto, segundo o pesquisador, uma das grandes vantagens de se implantar o sistema de rastreabilidade no processo produtivo é a possibilidade de identificar os seus próprios gargalos. Conhecendo os pontos exatos em que estejam ocorrendo perdas durante o processo, tanto produtor como empresas podem encontrar formas de saná-las. "Não é só a questão da segurança, do histórico e da qualidade daquele produto, mas a rastreabilidade é também uma ferramenta de gerenciamento", explica Iran. "E isto é de fundamental importância para a cadeia produtiva, mas invariavelmente fica oculto quando se fala da rastreabilidade", completa o pesquisador do Nupea.
CONTROLE DE DOENÇAS
Outro ponto fundamental que a rastreabilidade pode proporcionar é a questão do controle de doenças, principalmente após episódios de gripe do frango, febre aftosa e da encefalopatia espongiforme bovina, a doença da vaca louca. Recentemente, essas doenças atingiram vários países do mundo, gerando forte impacto no mercado de alimentos. Desse modo, foi aberto um espaço para que outros mercados pudessem preencher a lacuna que passou a existir. O Brasil aproveitou a oportunidade para exportar em maior quantidade seus produtos e se consolidar no mercado estrangeiro.
Em 1996, a doença da vaca louca atingiu os rebanhos europeus, e o Canadá, por exemplo, acabou por retaliar as exportações brasileiras, pelo país não oferecer garantias quanto à doença. Na verdade, o embargo canadense era de ordem comercial, por causa da vantagem brasileira no mercado de aviões, mas os fatos levantaram grande preocupação mundial com a segurança alimentar.
Diante desses alardes fitossanitários, alguns organismos internacionais estabeleceram parâmetros para a produção dos alimentos, como é o caso das normas ISO. Elas determinam que a rastreabilidade (e a identificação) aconteça de forma planejada, sistemática e registrada, garantindo as informações referentes ao produto.