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Inovação Uniemp
versão impressa ISSN 1808-2394
Inovação Uniemp v.1 n.3 Campinas nov./dez. 2005
Inovação tecnológica na siderurgia brasileira
GERMANO MENDES DE PAULA
A análise da inovação tecnológica na siderurgia brasileira definitivamente não é um tema novo. Ademais, a indústria siderúrgica mundial caracteriza-se por ser uma atividade relativamente pouco intensiva em pesquisa & desenvolvimento (P&D), sendo marcada por poucas inovações tecnológicas radicais. Diante disso, a indagação relevante é se o tema mereceria ser revisitado. Penso que sim, principalmente em função de dois motivos: a) o desenvolvimento recente de uma nova abordagem, mais centrada nas competências tecnológicas; b) a necessidade de incorporação de novos temas, como a gestão ambiental.
Uma primeira visão sobre a inovação tecnológica na siderurgia brasileira é baseada, principalmente, nos indicadores tradicionais de esforço e desempenho tecnológico. Quanto aos índices de esforço, destacam-se: a) os investimentos em P&D em relação às vendas; b) o número de empregados em P&D em comparação com o número total de empregados; c) a distribuição dos investimentos em P&D (i.e., pesquisa de produtos versus pesquisa de projetos). Deve-se ressaltar que, muito em função do trabalho desempenhado pela Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais (Anpei), passou-se a incorporar uma noção mais ampliada de pesquisa & desenvolvimento & engenharia (P&D&E), mas a lógica da análise continua sendo praticamente a mesma. No que tange aos indicadores de desempenho, em geral são considerados: a) o número de patentes, no Brasil e no exterior; b) o superávit (ou déficit) no balanço tecnológico.
Algumas análises baseadas nos mencionados indicadores tradicionais, realizadas há cerca de cinco anos, chegaram à conclusão de que a intensidade da pesquisa tecnológica na siderurgia brasileira era relativamente baixa em comparação com as empresas líderes da indústria mundial. Verificou-se que os gastos de P&D em relação ao faturamento mantiveram-se, mesmo após a privatização, no patamar de 0,4% (e com elevada heterogeneidade intra-setorial). Observou-se a redução do número de funcionários alocados a P&D comparativamente ao número total de funcionários, ao mesmo tempo em que a qualificação formal daqueles profissionais registrou uma melhoria significativa.1
Desconhecem-se trabalhos mais recentes que tenham atualizado os indicadores de intensidade tecnológica na siderurgia brasileira. Por outro lado, para a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), uma das mais importantes da indústria e que usualmente se aproximava da intensidade média setorial, foi possível levantar os gastos em P&D no período 1998-2004. Estes, após regredirem em 1999 e 2000, voltaram a crescer e se mantiveram no patamar de US$ 8 milhões anuais no quadriênio 2001-2004 (Tabela 1). Em termos relativos, como não se verifica uma tendência nítida de aumento, pode-se concluir que essa empresa (e provavelmente a indústria siderúrgica brasileira de forma agregada) continua sendo marcada pela baixa intensidade da pesquisa tecnológica.
Num passado mais recente, começou a se desenvolver uma segunda abordagem sobre a inovação tecnológica na siderurgia brasileira. Ao invés de se basear nos índices de esforço e desempenho tecnológico, essa nova visão focaliza a acumulação de competências tecnológicas inovadoras. A competência tecnológica, por sua vez, é entendida como a capacidade de introduzir mudanças técnicas incrementais em processos de fabricação, desenvolvimento de produtos e melhoria de equipamentos. A acumulação de competências pode variar de níveis de rotina (básico ou renovado) até níveis de atividades inovadoras (extra-básico, pré-intermediário, intermediário, intermediário superior e avançado).
O Gráfico 1 reproduz a trajetória de acumulação de competências tecnológicas na aciaria da CSN, para as dimensões processo, produto e equipamentos, no período 1997-2001. A velocidade de acumulação de novas competências para cada dimensão variou durante o período estudado. Enquanto a dimensão produto alcançou o nível intermediário em 2001, as dimensões processo e equipamentos atingiram o nível pré-intermediário. Além disso, a dimensão equipamentos levou mais tempo do que as demais para mudar de nível. 2
De acordo com Castro (2003), a acumulação de competências tecnológicas de rotina desempenhou um papel fundamental para a acumulação e a sustentação das competências inovadoras. Mais ainda, "(...) as evidências de melhoria da performance da aciaria da CSN sugerem que os esforços de acumulação de competências tecnológicas geraram benefícios para empresa. Ou seja, os esforços para a criação e aprimoramento dos vários processos de aprendizagem compensaram".
O interessante em comparar essas duas visões é que, ao destacar facetas distintas da inovação tecnológica, tendo uma mesma empresa como objeto de análise, elas chegaram a resultados aparentemente antagônicos. Pela abordagem convencional, ressaltou-se o padrão de baixos gastos relativos com P&D. Pela ótica da aprendizagem tecnológica, destacou-se a melhoria das dimensões processo, produtos e equipamentos ao longo do tempo. Na verdade, essas duas visões não necessariamente se opõem, pois obviamente uma empresa pode aumentar a eficácia de suas operações, ou seja, fazer mais com o mesmo volume de recursos. Pode-se argumentar, nessa mesma direção, que a acumulação de competência poderia reduzir a premência do incremento dos gastos em P&D.
Na verdade, eu acredito que as duas visões são corretas, mas pecam por retratarem apenas uma faceta. Mais ainda, o somatório dessas duas perspectivas parciais não é suficiente para esgotar a questão da inovação tecnológica no Brasil. Pelo menos dois temas merecem um melhor aprofundamento. Primeiro, a pouca freqüência de alianças tecnológicas entre as siderúrgicas brasileiras deveria ser melhor estudada, de tal forma a tentar influenciar a sua reversão. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) poderia induzir iniciativas de cooperação tecnológica intra-setorial. Segundo, faz-se necessário interligar as discussões de gestão da inovação tecnológica com as de gestão ambiental. Elas ainda tem sido tratadas de forma separada pelas empresas e acadêmicos. Esse recorte predominante deixa de considerar talvez a maior pressão institucional, na atualidade, para que as empresas melhorem o desempenho produtivo-operacional. No caso de utilização de recursos hídricos, por exemplo, a taxa de recirculação da siderurgia brasileira passou de aproximadamente 81% em 2000 para 89% em 2003. É um avanço considerável e certamente requereu investimentos em novos equipamentos, a aquisição de conhecimentos externo e interno, o aperfeiçoamento de procedimentos operacionais etc.
Em suma, a compreensão da inovação tecnológica na siderurgia brasileira ainda é muito compartimentalizada e, por isso, insuficiente. Como incorporar a dimensão da gestão ambiental é quase inescapável, deve-se prestar mais atenção às melhorias incrementais, quase nunca observáveis quando a análise se restringe aos indicadores tradicionais de esforço e desempenho tecnológico. Isso tenderia a possibilitar uma visão mais acurada e otimista do real estágio da inovação tecnológica da siderurgia brasileira.
Germano Mendes de Paula é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: germano@ufu.br.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. De Paula, G.M. (2001). Inovação tecnológica na siderurgia brasileira: contexto internacional, tendências recentes e proposição de uma estratégia tecnológica. Documentos Técnicos Setoriais. Rio de Janeiro, Finep.
2, Castro, E.C. (2003). Aprendizagem tecnológica compensa? Implicações da acumulação de competências para o aprimoramento de performance técnica na aciaria da CSN (1997-2001). XXVII ENANPAD.