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Inovação Uniemp
versão impressa ISSN 1808-2394
Inovação Uniemp v.1 n.3 Campinas nov./dez. 2005
Café: a questão do blend
por BÁRBARA BORTOLIN
O Brasil é o maior produtor de café do mundo há pelo menos 150 anos, mas não conseguiu se impor até hoje como um grande exportador de blends de café (mistura de grãos de espécies ou qualidades diferentes). Para alguns especialistas da área agrícola e de alimentos, é possível destacar dois fatores que influenciam esse cenário: falta investimento em marketing para consolidar a marca brasileira lá fora e melhor conhecimento de hábitos e preferências de consumo da bebida no exterior.
Esses são fatores considerados por países que não são produtores do grão, como a Itália. Nos últimos tempos, a ausência de uma política mais agressiva do Brasil para conquistar esse mercado do produto processado, levou a Colômbia, no ranking mundial dos grandes produtores de café, a ocupar lugar de destaque para a sua marca no mercado internacional. Atualmente, são produzidas mundialmente 110 milhões de sacas de café por ano, sendo 40 milhões brasileiras e 12 milhões da Colômbia.
Para o professor responsável pela cultura de café do Departamento de Produção Vegetal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, José Laércio Favarin, apesar de o país produzir café de qualidade, como o arábica, a imagem internacional do blend brasileiro é ruim. Nos últimos anos, o país tem tentado reverter a situação, investindo no mercado internacional e levando blends brasileiros para feiras e degustadores internacionais. "Tem havido boa aceitação às diferentes nuances que o café brasileiro possui. Atualmente, já se reconhece o país pela qualidade, e não apenas quantidade de sua produção", diz Favarin.
GRANDE VARIEDADE
Luciane Carneiro Mendes, doutoranda em café pela Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), da Unicamp, concorda com a opinião. "Por ser um país de dimensões continentais, com variedades de solo e condições climáticas, o Brasil produz uma grande variedade de café. Essa mudança dos compostos responsáveis pelo sabor produz matéria-prima com características e sabores diferentes. O país precisa explorar mais essa diferença", analisa.
A pesquisadora explica que o Brasil não possui uma tabela de classificação regional por caracterização sensorial do café. "A Associação Brasileira das Indústrias de Café (Abic) tem um projeto para criação de uma tabela semelhante a do vinho, mas isso ainda não foi realizado", informa Luciane. A produção brasileira atual é de 75% de café do tipo arábica e 25% de café do tipo robusta, cultivados nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Espírito Santo e, em pequena quantidade, em alguns estados da região Norte.
CONHECER O PÚBLICO
Outro ponto que não pode ser esquecido é o consumidor final, assinala Luciane. "As empresas têm que conhecer o seu público, saber como ele gosta de tomar o café. A mesma coisa vale para a exportação. Se não conhecermos o mercado internacional, qual o tipo de torração é mais utilizado e como a bebida é preparada, não conseguiremos impor nossa marca".
Para a pesquisadora, uma saída é o investimento em testes sensoriais com os consumidores. "Nós temos muitas pesquisas qualitativas, mas pouquíssimas sensoriais. Precisamos conhecer nosso público alvo e depois investir em exportação", analisa.
Para Nathan Herszkowicz, presidente da Câmara Setorial do Café da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, diretor executivo da Abic, e presidente executivo do Sindicafé/SP, atualmente as empresas brasileiras têm como realizar essa pesquisa. "Há dois anos a Abic, em conjunto com a Apex Brasil, realiza um trabalho de conhecimento dos cafés concorrentes. Hoje nós podemos fazer o levantamento da qualidade de qualquer amostra de café. Isso para conhecer as características de cada lugar, traduzindo-as na elaboração de um blend que agrade ao consumidor de cada país".
Ele informa, ainda, que isso somente é possível com as novas tecnologias que existem na área de processamento, torrefação, moagem e empacotamento, entre outras. Um dos exemplos da inovação é o aparelho, chamado língua eletrônica, em desenvolvimento da Embrapa com a Abic. "Esse aparelho possui um conjunto de sensores supersensíveis que permite caracterizar os sabores e identificar a qualidade dos líquidos. Assim que estiver pronta, a tecnologia será utilizada no desenvolvimento de novos blends, o que seria mais um avanço fantástico para a indústria de café".
Para Herszkowicz, um exemplo de que o Brasil já começa a mudar a imagem externa de seu café, foi um teste realizado pela rede de televisão americana ABC. "Eles fizeram uma pesquisa com os consumidores para avaliar se os cafés mais caros realmente eram os melhores. O melhor café, mas com um preço muito alto, foi a marca norte-americana Starbuck's. Em segundo lugar, ficou o café Marquês de Paiva, produzido pela empresa brasileira Café Bom Dia. Como o preço do primeiro colocado é quase três vezes o do brasileiro, o Marquês de Paiva foi considerado o melhor café na relação custo/benefício", conta o empresário.
O presidente também acredita que não há nenhuma razão, nem sensorial e nem tecnológica, para a baixa exportação de blends. "A partir da década de 1970, o governo brasileiro parou de investir na promoção comercial do café. O espaço antes destinado aos nossos produtos foi ocupado principalmente pela Colômbia. Para reconquistarmos o mercado internacional, nosso grão passou por um processo de melhoria (entre os anos 1990 e 1991). Atualmente, há uma busca consistente para aumentar a qualidade do café", explica.
VENDAS EXTERNAS
No primeiro trimestre deste ano, as exportações de café torrado somaram US$ 3,26 milhões, aumento de 27,1% em relação ao primeiro trimestre do ano passado. Segundo Herszkowicz, o aumento da receita ocorreu porque houve um aumento na cotação produto, frente à queda na safra mundial. O preço médio do quilo de café exportado passou de US$ 2,96 para US$ 3,79, um crescimento de 43%.
Exportando grãos verdes há 278 anos, hoje 35% das xícaras de café consumidas no mundo contém matéria-prima brasileira. "O grão brasileiro está presente nos melhores blends de café do mundo. Na Finlândia, por exemplo, onde o consumo per capita é de 10 quilos de pó de café por ano, 65% dos blends possuem grãos brasileiros. O Illycaffè, mundialmente conhecido, utiliza 60% dos nossos grãos na fabricação de seus blends", explica o diretor da Abic.
INOVAÇÃO EM EMBALAGEM
A pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), Valéria Delgado de Almeida Anjos, desenvolveu em seu doutorado um novo sistema para acondicionamento de café torrado e moído. A inovação consiste na divisão do café em blocos de 50g, obtidos por prensagem e embalados em atmosfera normal ou sob vácuo, podendo ser preparado em coador ou cafeteira. O produto, que ainda não está sendo comercializado, poderá atender ao mercado nacional e internacional.
Esse sistema alternativo oferece a vantagem de maior praticidade no preparo da bebida, segurança alimentar, durabilidade, preservando as características de aroma e sabor, já que todo o conteúdo da embalagem é utilizado a cada uso. Segundo Valéria, a qualidade do café torrado, depois de aberto o pacote convencional, piora a cada dia. "Entre 15 e 20 dias, o café perde seu aroma característico e ganha aroma amargo, devido à oxidação do óleo presente no grão", explicou.
O novo sistema aumenta a durabilidade do café. "Na embalagem almofada, que é a tradicional encontrada em supermercados, a durabilidade é de, no máximo, 20 dias. Já no novo acondicionamento, a embalagem a vácuo obteve durabilidade de 6 meses e na condição ambiente de 4 meses", explicou a pesquisadora.
"Em relação ao produto tradicional, o café acondicionado em blocos tem um custo mais elevado. A empresa terá que investir na inovação tecnológica", diz. Os testes realizados no Ital mostraram que os blocos são resistentes. "Fizemos um teste em que os blocos são acondicionados em uma caixa e jogados ao chão da altura de uma prateleira. Outro teste foi simular uma viagem de 750 Km. Em nenhum dos dois exemplos os blocos se desfizeram", diz a pesquisadora.