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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.2 n.1 Campinas jan./mar. 2006

 

 

Cylon Gonçalves da Silva

 

Brasil aposta na nanociência e nanotecnologia

 

 

por SIMONE PALLONE e WANDA JORGE

 

 

RECURSOS ALOCADOS EM 2005 FORAM SUFICIENTES PARA MUDAR O PATAMAR DE INVESTIMENTOS; O DESAFIO AGORA É SUSTENTAR ESTE NÍVEL

Nanotecnologia é uma área multidisciplinar, em que as dimensões estudadas se dão na escala nanométrica, sendo um nanômetro a bilionésima parte de um metro, uma medida muito pequena. Uma comparação possível é a de um grão de areia numa praia que se estenda de Salvador (BA) até Natal (RN).

Existem hoje no Brasil mais de 500 pesquisadores trabalhando com os temas da nanociência e nanotecnologia, espalhados por todo o território e envolvendo diversas áreas do conhecimento. O governo federal está atento a esse movimento e tem concretizado seu interesse na criação de linhas de fomento: financiou a constituição de redes de pesquisa e vem ampliando os recursos ano a ano. O Plano Plurianual 2004-2007 estabeleceu um patamar da ordem de R$ 77,7 milhões para o setor.

No lançamento do Programa Nacional de Desenvolvimento da Nanociência e Nanotecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia, em setembro de 2005, foram liberados R$ 71 milhões, já planejados anteriormente, para projetos de jovens pesquisadores e a implantação de grandes laboratórios, estratégicos para o trabalho das redes de pesquisa. Mas como o setor industrial tem lidado com a questão?

Para responder a esta e outras perguntas e fazer um balanço sobre a situação da N&N no Brasil, a revista ouviu o físico Cylon Gonçalves da Silva, que esteve à frente da Secretaria de Política e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCT, e foi diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Hoje, Cylon Gonçalves é o cientista-chefe do Instituto de Tecnologia Genius.

Já há algum tempo, o Brasil despertou para a área e começou a apoiar a pesquisa em nanociência e nanotecnologia, via editais do MCT. Qual foi a contribuição dessas primeiras redes? Novas redes deverão ser estruturadas?

Cylon Gonçalves da Silva As primeiras redes contribuíram para identificar competências e interesses, gerar motivação, atrair jovens talentos e dar início ao processo de criação de uma infra-estrutura compartilhada de pesquisa em nanociência e nanotecnologia no Brasil. As novas redes estão se estruturando e deverão dar continuidade, de forma mais focada, ao trabalho das redes originais (eram quatro, serão dez ou doze a partir deste ano). Nos próximos quatro anos, estão previstos investimentos de R$ 40 milhões nessas redes.

No lançamento do Programa Nacional de Desenvolvimento da Nanociência e Nanotecnologia foi anunciado que R$ 71 milhões seriam investidos na área em 2005. Como foram investidos esses recursos? São suficientes?

Cylon Os recursos mencionados estão sendo investidos em um conjunto de programas articulados, que vão desde o financiamento ao pesquisador individual (Edital de Jovens Pesquisadores) até o apoio a laboratórios nacionais (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron e Inmetro). Entre esses dois extremos, temos o apoio às novas redes, à cooperação internacional (com França e Argentina, particularmente), a incubadoras de empresas que trabalhem na área nano, a projetos cooperativos entre centros de pesquisa/universidades e empresas para o desenvolvimento de novos produtos e processos, e, ainda, a definir pelo MCT, alguns laboratórios compartilhados considerados estratégicos. Os recursos alocados são suficientes para esta primeira mudança de patamar no financiamento. O desafio é sustentar, durante alguns anos, este patamar, construir uma comunidade com projetos desafiadores e, futuramente, elevar novamente o patamar de financiamento, acompanhando o aumento da comunidade e a qualidade dos projetos.

 

 

Quanto os países mais desenvolvidos na área investiram no mesmo período?

Cylon Os países desenvolvidos investiram, em 2005, vários bilhões de dólares em P&D e inovação em nanociência e nanotecnologia. Isto não significa que não haja nichos importantes para a atuação de pesquisadores e empresas brasileiras e multinacionais. Há dois exemplos concretos já apresentados pela revista Pesquisa Fapesp e pelo jornal Inovação Unicamp. Um diz respeito a um novo processo de industrialização de grafite para lápis e lapiseiras, desenvolvido pelo grupo do professor Elson Longo (UFSCar e Unesp) com a Faber-Castell. O outro diz respeito a nanopartículas para revestimentos (tintas, por exemplo) desenvolvido pelo professor Fernando Galembeck, da Unicamp, para a Bunge.

Em que setores de produção as nanotecnologias deverão produzir maior impacto? Por quê?

Cylon A nanotecnologia é a fronteira da ciência e da engenharia dos materiais. Disto decorre o seguinte. Em primeiro lugar, materiais estão presentes em todos os setores industriais da economia moderna. Ou seja, nanotecnologia terá um impacto em todos os setores industriais contemporâneos. É difícil, neste momento, prever onde este impacto será maior ou menor, pois há que imaginar novas descobertas a serem feitas. Se nanotecnologia, por exemplo, conseguir resolver alguns problemas de materiais do setor de energia (produção, armazenamento, conversão), dado o peso econômico e social do setor energético, não tenho dúvidas que seu impacto será enorme. Na eletrônica já é possível perceber que a nanotecnologia terá um impacto significativo. Em outros setores, especialmente no setor de saúde humana, as promessas são muitas, mas as dificuldades não são desprezíveis. Em segundo lugar, por se propor a manipular diretamente átomos e moléculas — algo que ainda estamos longe de poder fazer em escala industrial! — a nanotecnologia se coloca como talvez a última fronteira de ocupação da ciência e engenharia de materiais. Dada a magnitude do desafio, isso significa que ela vai estar conosco por um bom tempo, talvez por décadas, se não por um século ou mais. Isto é, haverá sempre nichos de atuação na nanotecnologia para um país como o Brasil, ainda que, quanto mais cedo começarmos a desenvolver e treinar nossas indústrias e nossa força de trabalho na área, melhor.

Qual tem sido o papel do setor privado no investimento em P&D nessa área? Há produtos no mercado ou em vias de serem produzidos em escala industrial?

Cylon No exterior, intenso. Recentemente, tive a oportunidade de assistir a um debate sobre nanotecnologia na Comissão de C&T do Congresso dos Estados Unidos com um dos principais executivos da GE dizendo para os deputados quão importante a nanotecnologia é para o futuro daquela empresa e para a liderança tecnológica e supremacia militar americana. Este não é um exemplo isolado. No Brasil, a situação não é a mesma, mas isso, infelizmente, não é um privilégio da nanotecnologia. É um retrato do atraso e da dependência tecnológica do país. Em outros países, produtos desenvolvidos que contêm nanotecnologia e que se encontram no mercado incluem aplicações em construção civil (vidros e cerâmicas auto-limpantes), na indústria automobilística (pintura externa de automóveis de luxo), na indústria eletrônica (microprocessadores, memórias), na indústria têxtil (tecidos anti-manchas), e várias outras.

Há empresas sendo criadas para desenvolver produtos com base na nanociência? As nanotecnologias precisam ser desenvolvidas por grandes empresas ou há campo para pequenas e médias? De que depende a criação dessas empresas?

Cylon Sim. Muitas (basta fazer uma pesquisa na internet). Nos Estados Unidos, entre grandes, médias, pequenas e nascentes, a estimativa é que o número supere 1.200 empresas (cito de memória, de uma conferência — Nanotech2005 — realizada em Anaheim, EUA, em maio passado). Só em Taiwan há mais de quatrocentas empresas que declaram usar nanotecnologia. Tantas, aliás, que o governo local pretende regular o uso do termo "nanotecnologia" em seus produtos. Contudo, o número de empresas existentes é um indicador importante, mas não suficiente. Ainda não sabemos quantas dessas empresas terão sucesso no mercado. No Brasil, não temos estatísticas, mas há empresas nascentes em algumas incubadoras (Cietec em São Paulo, por exemplo). Como há, também, grandes empresas. Já mencionei a Faber-Castell e a Bunge. A Petrobras também financia e patenteia pesquisas em nanotecnologia.

 

 

É difícil criar uma nova empresa nessa área?

Cylon A criação de empresas nascentes em nanotecnologia é tão difícil (ou tão fácil...) quanto a criação de qualquer outro tipo de empresa no país. Com a visibilidade que o tema ganhou e com o aumento do financiamento pela Finep e pelas FAP's, não está difícil conseguir recursos para iniciar uma empresa dessas, desde que baseada em resultados sólidos de pesquisa. Com uma boa base de propriedade intelectual creio que será possível até obter recursos de investidores privados.

Qual o impacto de uma política de propriedade industrial nesse setor, que promete render muito dinheiro? Existe legislação internacional a respeito?

Cylon Do ponto de vista do investidor privado, o empresário ou pesquisador possuir a propriedade intelectual e ter a liberdade de negociá-la é essencial. No Brasil ainda fazemos a besteira de o Estado ou organizações governamentais (universidades, fundações de pesquisa) quererem ser proprietários de patentes. Há uma ignorância básica em relação a isto: os benefícios de uma patente financiada com recursos públicos devem retornar à sociedade por meio da atividade econômica aumentada que ela gera e não por meio de royalties pagos a uma ou outra organização pública em particular. Esta política, por melhor intencionada que seja, termina sendo contraproducente: ela inibe os investimentos privados e, portanto, a transformação do conhecimento em riqueza para a sociedade.

Os diferentes eventos sobre o tema — seminários, workshops, palestras, cursos — têm surtido o resultado desejado? Têm estimulado novas carreiras? Criação de pós-graduações, etc?

Cylon Creio que sim. Em 2002, quando recebi o título de professor emérito da Unicamp, escolhi a nanotecnologia como tema de minha aula magna. Para muitos na audiência foi a primeira vez que ouviram falar do assunto. Hoje, nanotecnologia está nos suplementos dos jornais de domingo, na televisão, nos filmes... Acho que ainda temos um bom caminho a percorrer para a criação de novos cursos específicos na área. Dado seu caráter multi e interdisciplinar a nanotecnologia envolve vários departamentos e institutos nas universidades. Entretanto, as disciplinas tradicionais tendem a reivindicar a nanotecnologia como sendo apenas uma pequena variante daquilo que já fazem. É um erro grave de percepção. É preciso repensar a estrutura curricular de forma mais profunda, o que deverá ser feito por pesquisadores e professores mais jovens, mas, talvez, mais lentamente do que o desejado.

Em 2002, a Capes lançou um programa piloto de doutorado em nanociência e nanotecnologia que exigia dois orientadores de áreas distintas. Este programa não evoluiu como se esperava, mas foi um pequeno começo. Permitir ao aluno navegar com muito mais liberdade pelo currículo oferecido pelas universidades seria bom, não apenas para a nanotecnologia, mas para o nosso sistema de ensino universitário como um todo.

 

 

O senhor mencionou que a nanociência está presente, hoje, em vários meios mas será que a população em geral sabe exatamente o que isso significa, e qual o impacto para sua vida? Como fazer para reverter esse nível de percepção pública do tema?

Cylon Esse não é um problema específico da nanotecnologia e, tampouco, do Brasil. É verdade que, entre nós, por causa do baixo nível educacional da população, o problema pode ser mais sério do que, digamos, na Finlândia. Levante a mão quem sabe como funciona o relógio de quartzo que carrega no pulso.

A educação para a sociedade (pós) industrial na qual vivemos tem de começar o mais cedo possível. Neste sentido, a iniciativa da Unicamp e do LNLS de criar o NanoAventura (www.nanoaventura.org.br), dirigido para crianças e adolescentes, é louvável. É preciso que iniciativas como esta se repitam pelo país todo. No entanto, é preciso entender que a complexidade e a vastidão da tecnologia e da ciência modernas tornam quase impossível que uma única pessoa possa entender, mesmo que superficialmente, de tudo que afeta sua vida e sua sociedade. Esse é, de fato, um problema quase insolúvel e, talvez, até fatal para nossa civilização no longo termo. A menos que a nanotecnologia... nos torne obsoletos ou oniscientes.

Alguns artigos mais críticos à área apontam problemas, seja do privilégio de investimento na área seja de riscos ambientais. Como o senhor encara essas críticas?

Cylon Em ambos os casos, é preciso preservar um certo equilíbrio e saber dosar as críticas. Alguns defensores da nanotecnologia, com certeza, exageram nas suas promessas, o que é um erro que pode ser prejudicial a seu desenvolvimento. Por outro lado, aquelas pessoas "práticas", que percebem oportunidades de gerar riqueza (sobretudo para si mesmas...) saberão, como sempre souberam, aproveitar as oportunidades reais da nanotecnologia, independentemente de nossas reflexões acadêmicas. Onde as promessas tiverem substância, elas serão concretizadas. Onde não tiverem, serão esquecidas.

Quanto aos riscos, eles precisam ser estudados e, na medida do possível, quantificados e regulados pelo Estado. Seria bobagem dizer que a nanotecnologia não oferece riscos, mas é preciso tratá-los sem histeria. E, para tratar dos riscos da nanotecnologia precisamos da própria nanotecnologia, isto é devemos financiar as pesquisas acadêmicas que tratam do tema.

Obviamente, é impossível detetar nanopartículas e mensurar seus efeitos sem instrumentos extremamente sofisticados, os mesmos com os quais se fazem as pesquisas de ponta na área. Igualmente, sem pesquisadores altamente treinados não seremos sequer capazes de formular as questões corretas sobre os riscos que precisamos estudar e limitar. Entretanto, convém não esquecer que nossa civilização industrial é toda ela construída sobre riscos. No Brasil, por ano, graças a tecnologia do motor a combustão interna, morrem mais pessoas do que, provavelmente, jamais morrerão por causa da nanotecnologia. Vamos banir motocicletas, automóveis, caminhões e ônibus?

Prefiro ver a nanotecnologia como uma potencial revolução radical na nossa maneira de ver o mundo, mas que será bastante lenta. Isto é, a nanotecnologia me parece ser muito mais uma profunda revolução conceitual e cultural do que meramente tecnológica. A noção de átomo é muito recente na nossa cultura e ainda não a "digerimos" em todas suas implicações e conseqüências culturais. Se (e enfatizo o "se") ou quando o fizermos, quem sabe a humanidade aprenda a ter um pouco mais de respeito pela natureza. Inclusive, quem sabe, incorpore em seus padrões comportamentais a idéia de que o mundo se constrói dentro de nossos cérebros, a partir de impulsos elétricos e químicos que se reportam, em última análise, a moléculas e átomos. Neste caso, não faz sentido torturar e matar quem não cultua da mesma forma que nós ou não acredita nos mesmos seres invisíveis que supostamente governam nossa vida.