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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.2 no.1 Campinas Jan./Mar. 2006

 

 

Motor bicombustível ganha cada vez mais consumidores

 

 

por GABRIELA DI GIULIO

 

 

Flexibilidade na hora de escolher o combustível, bom valor de revenda e garantia de boa performance. Esses são os motivos que têm levado um número cada vez maior de consumidores a optar pelos carros com a tecnologia flex-fuel — um tipo de motor que permite o uso de álcool, gasolina ou a mistura de ambos em quaisquer proporções.

Com o crescimento da preferência por esse tipo de motor, as estimativas das montadoras e dos fornecedores dessa tecnologia são otimistas. A Bosch, uma das três principais empresas que oferecem o sistema bicombustível, acredita que, em 2006, 80% dos veículos novos que saírem das fábricas terão esse tipo de motor. A expectativa é que esse número aumente para 90% nos próximos dois anos. Segundo o engenheiro Fernando Damasceno, gerente de programas de desenvolvimento da Magneti Marelli — outro fornecedor da tecnologia —, hoje mais de dois terços dos veículos novos já são híbridos. A previsão é que, num futuro próximo, as linhas exclusivas de carro a álcool e carro a gasolina deixem de existir, uma vez que a aceitação dos veículos com motor bicombustível e a tendência de aumento das vendas são irreversíveis.

Mas, apesar de toda a euforia em torno dessa tecnologia e do crédito que o Brasil recebeu pelo desenvolvimento do flex-fuel , presente nos veículos brasileiros desde o início de 2003, vale lembrar que a idéia não é tão nova como se imagina. Nos Estados Unidos, a tecnologia já é empregada há alguns anos, em função de uma legislação que obriga os frotistas que possuam mais de dez veículos operando, e que não atendam a padrões de qualidade de ar aceitáveis, a terem veículos com combustível alternativo, principalmente nas regiões metropolitanas.

 

 

Os primeiros carros flex-fuel foram desenvolvidos nos EUA pela Ford, em 1984, para fins experimentais e entraram no mercado no início da década de 1990. Porém, como aponta Fábio Ferreira, gerente de desenvolvimento de produtos da Bosch, o "flex" norte-americano é bem diferente do desenvolvido no Brasil. No caso norte-americano, os veículos do tipo híbridos funcionam com uma mistura de combustível padrão, vendida já pronta nos postos de abastecimento. Essa mistura contém, no máximo, 85% de etanol anidro. No Brasil, o álcool disponível nas bombas dos postos de abastecimento é o etílico hidratado carburante — um tipo de álcool diferente daquele utilizado para esse fim nos EUA. Por isso, coube aos brasileiros a tarefa de readaptar a tecnologia. "O fato de haver água no álcool disponível nos postos exigiu uma tecnologia específica para o Brasil", explica Ferreira. Foi preciso desenvolver um sistema que, além de aceitar o álcool hidratado — como é mais conhecido —fosse capaz de se auto-adaptar a qualquer mistura de álcool e gasolina que estiver no tanque. "O flex-fuel pode não ser totalmente novo, mas o Brasil teve seu mérito ao adaptá-lo a nossa realidade", explica Sílvio Figueiredo, chefe do agrupamento de motores da Divisão de Mecânica e Eletricidade do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

A Bosch, uma das pioneiras no desenvolvimento dessa tecnologia no Brasil, iniciou as pesquisas para o desenvolvimento do flex-fuel em 1991, com um estudo sobre a capacidade de mistura dos dois combustíveis em diferentes temperaturas. Após provar ser possível a mistura sem a formação de fases (como óleo e água) dentro do tanque, a equipe de engenharia brasileira começou a trabalhar na definição do conceito de motor híbrido e no seu desenvolvimento. "Em 1994, apresentamos o primeiro carro flex do país durante o Congresso SAE (da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade), considerado o mais importante congresso e exposição de tecnologia automotiva do Cone Sul. Apresentamos também um artigo científico com os resultados dessa pesquisa", explica Fábio Ferreira. A idéia de pesquisar a tecnologia surgiu a partir da crise de abastecimento de álcool, enfrentada no final da década de 1980. Na época, muitos proprietários de carros a álcool não puderam utilizar seus veículos pela falta desse combustível nos postos, e alguns chegaram até mesmo a fazer adaptações no motor para poder utilizar gasolina. "Diante desse cenário, o objetivo foi desenvolver uma tecnologia que desse aos motoristas a independência na hora de abastecer o seu carro e que este não se desvalorizasse de acordo com o humor do mercado de combustíveis, seja álcool ou gasolina, já que ambos sofrem períodos de alta de preço de acordo com a conjuntura internacional", afirma o engenheiro da Bosch.

 

 

E foi justamente a incerteza do mercado, aliada à necessidade de investimentos de grande monta, que fizeram com que as três empresas que desenvolveram a tecnologia — Bosch, Magneti Marelli e Delphi — enfrentassem a resistência das montadoras. A discussão sobre um motor que funcionasse com os dois tipos de combustível sempre vinha à tona quando o preço do álcool ficava atraente comparado ao da gasolina. Mas, somente depois de um posicionamento do governo quanto ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e à legislação de emissões de poluentes, é que as montadoras resolveram investir nesse filão.

Hoje, os modelos flex-fuel com motores acima de 1.0 têm IPI de 13%, inferior aos 15% das versões a gasolina. Mas, a vantagem não vale para os modelos populares que tenham motor 1.0, que recolhem IPI de 9%.

 

SUCESSO DE VENDAS

A Ford, uma das montadoras a disponibilizar nos seus veículos o sistema flex-fuel, comemora o sucesso das vendas. Desde 2004, quando foram lançados os modelos Fiesta Hatch Flex e Fiesta Sedan Flex, a reação do mercado tem sido positiva, segundo o engenheiro Diógenes de Oliveira, chefe de motores e transmissões da Ford da América do Sul. Foram vendidas, de setembro de 2004 a setembro de 2005, 9.126 unidades do primeiro modelo e 20.002 unidades do segundo. Em junho de 2005, a montadora lançou o modelo EcoSport Flex, que vendeu 5.585 unidades até outubro passado. "A tendência são vendas crescentes tanto dos veículos mais populares como dos mais sofisticados", explica. A razão para isso, de acordo com ele, está nas vantagens que o flex-fuel oferece ao consumidor, e o bom desempenho do motor é uma delas.

No caso da Ford, a performance do carro flex é melhor que o modelo anterior. Segundo informações da própria montadora, o motor exclusivo a gasolina tinha 98 cavalos de potência. Com o flex-fuel, o motor passou a ter potência de 105 cavalos com gasolina e de 111 cavalos com álcool. "Percebemos que o usuário, no Brasil, optaria na maior parte do tempo pelo álcool. Por isso mesmo, precisávamos de um motor eficiente e de grande durabilidade. Tivemos mais gastos com desenvolvimento de tecnologia de materiais, mas nosso motor flex-fuel é totalmente novo e altamente eficiente com qualquer um dos dois combustíveis", explica Oliveira.

 

EQUILÍBRIO ENERGÉTICO

Outra vantagem do flex-fuel relaciona-se à questão energética, como aponta Gábor Déak, presidente da Delphi - América do Sul. Essa tecnologia significa uma alternativa frente aos combustíveis fósseis, especialmente em relação ao petróleo que está com custo elevado, e o uso do álcool reduz o lançamento de carbono na atmosfera, atendendo as expectativas do Protocolo de Quioto, ressalta.

 

 

Com o crescimento nas vendas de veículos flex-fuel, o consumo de álcool hidratado voltou a aumentar, principalmente porque o preço desse combustível está bem abaixo do cobrado pela gasolina. Esse aumento de consumo, associado ao fato que o Brasil tem produzido carros como nunca, pode trazer conseqüências para o setor sulcroalcooleiro. O pesquisador Luis Augusto Cortez, da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, acredita, porém, que não deve haver maior demanda do que oferta de álcool e não crê em um impacto muito grande na produção de açúcar. "A indústria brasileira desse setor cresce rápido. Novas usinas são construídas e, hoje, o país conta com seis milhões de hectares de área com cultivo de cana-de-açúcar. Essa cultura tem se expandido, apesar de representar apenas um quarto da área plantada de soja", explica o pesquisador.

Segundo o diretor do Departamento de Açúcar e Álcool do Ministério da Agricultura, Ângelo Bressan, ainda não houve um aumento significativo no preço do álcool em função dos veículos flex-fuel porque a frota ainda é modesta se comparada com a frota total. Hoje circulam 850 mil veículos flex, enquanto a frota nacional de gasolina e álcool está próxima de 19 milhões de veículos. O diretor afirma ainda que o setor vem se preparando para acompanhar o aumento da demanda, que deve crescer aproximadamente 10 bilhões de litros nos próximos oito anos.

A demanda por mais álcool não deve crescer apenas internamente, já que há interesse de outros países nessa tecnologia. Segundo informações dos fornecedores, vários países têm adotado a mistura de álcool e gasolina, e o Brasil tem sido procurado como fonte de referência na tecnologia de componentes para álcool. Alemanha, Japão, Estados Unidos, China, Tailândia e países nórdicos são alguns dos interessados. Segundo Bressan, a exportação de álcool é interessante porque, além dos dólares que vai gerar, deve popularizar o uso desse produto como combustível para veículos automotores. Para responder a essa procura, o Brasil tem áreas disponíveis, conhecimento, tecnologia e grupos empresariais capazes de fazer a produção acompanhar a demanda. Terá, no entanto, de ter fontes de recursos para novos investimentos e um mínimo de organização para permitir que as decisões de ampliar os canaviais e as destilarias ocorram no ritmo adequado.

Para os consumidores que estão de olho num modelo flex-fuel, principalmente devido ao menor preço do álcool em relação à gasolina, o temor de ficar sem o combustível mais em conta está longe de virar uma realidade. Isso porque o mercado se auto-regula de acordo com a oferta de álcool. Na prática, isso significa que se houver álcool em abundância e com preços adequados ele terá clientela garantida. Se não houver, a gasolina terá a preferência do consumidor. O ponto de equilíbrio, segundo os especialistas, é a aplicação de uma fórmula: se o valor do álcool ultrapassar 70% do custo do litro da gasolina, o motorista deve optar pelo derivado de petróleo, porque a relação custo-benefício será maior.