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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.2 no.1 Campinas Jan./Mar. 2006

 

 

Ferrovias: retomada dos negócios anima fabricantes do setor

 

 

por SABINE RIGHETTI

 

 

 

A PRIVATIZAÇÃO DAS LINHAS, NA DÉCADA DE 1990, E O AUMENTO DE TRANSPORTE DE CARGA POR VIA FÉRREA SÃO OS FATORES QUE ALAVANCAM O AQUECIMENTO DO SETOR

A primeira estrada de ferro do Brasil tem pouco mais de 150 anos. Idealizada pelo Barão de Mauá, a pequena ferrovia de 18km saiu do Rio de Janeiro, em 1854, rumo a Petrópolis e colocou o Brasil no bloco de países que possuíam o maior símbolo de tecnologia da época. Outras linhas férreas foram construídas — a grande maioria com capital externo e estatal — ligando os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, para atender a região agro-exportadora de café no período. A partir da década de 1960, porém, o setor começou a se ressentir com a política de incentivo ao transporte rodoviário e com a estatização de grande parte das linhas na antiga Rede Ferroviária Nacional (RFFSA). Esse período de desmonte da malha ferroviária, no entanto, dá sinais de reversão, segundo avaliam especialistas da área. Junto ao transporte ferroviário, também a indústria de peças e equipamentos para o setor começa a renascer.

 

 

A privatização das linhas, que aconteceu na segunda metade da década de 1990, e o aumento do comércio de produtos que dependem de ferrovias, como os minérios, estimulou a reativação do setor. "Com o crescimento da demanda chinesa por minérios e por produtos agrícolas, as ferrovias tiveram que ser retomadas", explica o presidente da Associação Nacional de Transportes Ferroviários (ANTF), Elias Nigri.

Os dados retratam essa retomada: desde 1997, os investimentos das 11 concessionárias (ver tabela) que comandam o transporte ferroviário do país já chegam a R$ 8 bilhões. "O crescimento é de 5% ao ano, maior do que o PIB nacional", ressalta Nigri, que é também presidente da Brasil Ferrovias, empresa criada em 2002 para reunir as operações das concessionárias Ferronorte, Ferroban e Novoeste. De acordo com Nigri, desde 1985 o governo deixou de investir no setor e, posteriormente, optou pela privatização. "A capitalização das empresas permite que atendam a demanda", explica. Atualmente, 24% do transporte de mercadorias no Brasil é feito por via ferroviária; o ideal, contudo, seria o mínimo de 50%, segundo especialistas da área.

 

 

O crescimento da demanda por estradas de ferro acarreta o aumento da necessidade de peças e equipamentos voltados para o setor. Dados da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) mostram um salto significativo na área, de 1997 para 1998: na produção de vagões, por exemplo, o número pulou de 119 para 869. Em 2004, a produção de vagões atingiu 4.600 peças, o maior número da história da indústria ferroviária do país. A perspectiva de produção de vagões em 2005, de acordo com dados da Amsted-Maxion, maior fabricante no Brasil, é de 7.500 peças, das quais 6.500 feitos pela empresa. O aumento da demanda interna, porém, absorveu o número de peças para exportação. Antes da privatização, em 1995, foram exportados 245 vagões; em 2004, apenas 2. De acordo com Vicente Abate, vice-presidente da Abifer e diretor de vendas e marketing da Amsted-Maxion, as concessionárias de carga iniciaram seus investimentos mais voltadas para a recuperação da via permanente (trilhos, dormentes, sinalização, etc) e do material rodante (vagões e locomotivas).

O incremento na exploração de minérios como bauxita, manganês e cobre a partir de 2003, impulsionou ainda mais o crescimento do setor. Segundo Abate, as concessionárias ampliaram seus serviços, transportando a chamada "carga geral", de maior valor agregado, através de vagões especiais e de conteineres. A intensificação do uso de fertilizantes na agricultura, devido ao incremento na exportação de grãos, farelo e óleo, e o aumento da produção siderúrgica nacional, foram os principais propulsores da retomada das ferrovias. No caso da soja, porém, ainda há muito a se fazer. "É um absurdo a soja vir da região centro-oeste de caminhão", diz Elias Nigri. O frete representa hoje de 8% a 10% do preço da soja; por via férrea, o valor diminuiria um terço.

A indústria de material ferroviário se diz pronta para atender às necessidades do setor dentro dos padrões de qualidade, dos prazos requeridos e quantidades desejadas. Atualmente, toda a demanda nacional de vagões é suprida pela produção nacional. "Ocasionalmen te a indústria não consegue satisfazer o mercado, quando a demanda é muito grande", diz o presidente da ANTF.

Além das empresas fornecedoras de peças para a indústria ferroviária, como a Amsted-Maxion, outras também foram beneficiadas pelo novo cenário. É o caso da Aubert Engrenagens, por exemplo, que tem 10% de sua produção voltada para o setor: "a retomada pode ser observada pela carteira de pedidos, que vão desde os fornecedores de matéria-prima (forjados), até o de componentes (rodas, eixos, engrenagens, vagões, motores etc)", afirma Luiz Aubert Neto, presidente da empresa. "Sei de empresas que estão com toda a sua capacidade tomada", complementa.

 

APOIO GOVERNAMENTAL

Se o governo de 1960 incentivou, declaradamente, o transporte rodoviário, a posição oficial do atual é a necessidade de que os transportes rodoviário e ferroviário trabalhem em conjunto. Uma dessas manifestações foi o Plano de Revitalização das Ferrovias, decretado em 2003. Entre suas ações prioritárias estão: a reestruturação operacional das malhas, o fortalecimento empresarial das concessões, criação de mecanismo eficaz para fiscalização e controle do desempenho das concessionárias, estímulo ao transporte de passageiros e estabelecimento de marco regulatório. Atualmente, o Brasil possui 28 mil km de linhas em operação, 10 mil a menos do que na década de 1980 (ou um terço do total de linhas do Canadá, e bem menos do que a Argentina, que tem 34 mil km).

 

 

Segundo a assessoria do Ministério dos Transportes, cabe ao governo cuidar da manutenção das linhas — por exemplo por meio da construção de variantes (trecho ferroviário que substitui parte do trecho original, com objetivo de diminuir o traçado ou facilitar o transporte) e da fiscalização das atividades das concessionárias.

 

SONHO DO TRANSPORTE DE PASSAGEIRO

Apesar do transporte de passageiros integrar o plano de revitalização, quem sonha em viajar de trem ainda terá que esperar. De acordo com Nigri, a retomada é exclusiva do transporte de cargas. "Grande parte das concessionárias nem tem autorização para fazer transporte de passageiros", explica. Atualmente, só a Estrada de Ferro Vitória-Minas e a Carajás transportam pessoas. No site da ANTT, o transporte de passageiros por trens nem chega a ser citado.

Nigri ressalta que muitos problemas ainda são observados nas estradas de ferro nacionais, dentre eles o cruzamento da ferrovia e rodovia em mesmo nível (o que causa muitos acidentes e implica em constantes reduções de velocidade para o trem) e a invasão na área de domínio da linha férrea, nas laterais da linha, principalmente nos espaços urbanos. "A invasão também implica em redução de velocidade, já que sempre existem pessoas e animais nas proximidades da linha", explica Nigri. Já em relação ao tão falado problema de diferenças de bitolas, Nigri tranqüiliza: "no sentido porto, que é o sentido da exportação, as bitolas estão homogeneizadas. O problema ainda existe no sentido norte-sul do país, em que há dois 2 tipos de bitolas — a métrica e a de 1,60m".

Apesar das dificuldades existentes, a perspectiva é que o crescimento se mantenha ou aumente nos próximos dez anos, diz Aubert. "A maioria das empresas que atuavam no setor há uns 20 anos não existem mais, mas as novas empresas estão investindo pesadamente na reconstrução e toda infra-estrutura que está sendo implantada hoje deve consolidar o setor", acrescenta Nigri. "Pela gestão das concessionárias e pelas vantagens oferecidas pelo transporte ferroviário, entendemos que este setor não terá retorno à situação pré-desestatização", completa Abate, da Amsted-Maxion.