SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 issue1Exportação: uma questão inovadoraPor uma inovação mais efetiva author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Article

Indicators

  • Have no cited articlesCited by SciELO

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Bookmark

Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.2 no.1 Campinas Jan./Mar. 2006

 

 

Organizações e empresas unem-se para erradicar trabalho escravo

 

 

por MICHELA DE PAULO

 

 

SISTEMA DE BUSCA NA INTERNET, DENOMINADO "LISTA SUJA", DIVULGA NOMES DE EMPREGADORES QUE AINDA PRATICAM SISTEMA DE ESCRAVIDÃO NO PAÍS

Em pleno século XXI, o trabalho escravo ainda pode ser encontrado em algumas regiões e atividades no Brasil. O uso de mão-de-obra não especializada, nessa condição, ocorre em empresas e fazendas que, com isso, tentam diminuir custos de produção e aumentar os lucros. Para fiscalizar e impedir casos desse tipo, em setembro de 2005 foi criado um sistema de busca na internet (www.reporterbrasil.com.br/busca_escravo.php#) chamado "lista suja" , com base no cadastro criado pelo governo federal, com nomes de empregadores que utilizam trabalho escravo. A divulgação da lista é uma iniciativa da ONG Repórter Brasil, Instituto Ethos e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o objetivo é alertar e informar instituições de pesquisa, órgãos governamentais e empresas signatárias do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que podem checar e deixar de comercializar com empresas cujos nomes estão presentes na "lista suja".

Desde o início de 2005, o grupo Pão de Açúcar, por exemplo, inclui uma cláusula adicional aos contratos comerciais, que implica que os cerca de seis mil fornecedores devem ser zelosos em sua cadeia produtiva. Se a rede varejista identificar irregularidades, os contratos de fornecimento são quebrados. "Enviamos ainda uma carta para todos os fornecedores, explicando nossa postura de combate ao trabalho forçado e o quanto a questão é importante para o grupo", explica Sueli Renberg, ombudsman dos fornecedores do Pão de Açúcar.

A resposta das empresas fornecedoras tem sido positiva, na avaliação de Sueli, e já se expande para outros elos da cadeia. "Nossos principais fornecedores de carne já estão informando as empresas ligadas à cadeia sobre a questão. Não pode ser um movimento de uma empresa só", diz. Outras redes varejistas, como Wal-Mart e Carrefour, estão implantando os mesmos princípios.

A previsão é de que, com o apoio maciço do empresariado, em cerca de um ano de atuação será possível eliminar o trabalho escravo como sistema de produção em todo o país. A seguir, a batalha será assegurar que os trabalhadores tenham condições mais dignas para exercer suas funções. De acordo com o site da Ethos, "existem empresas da 'lista suja' que até investem em projetos sociais", porém, para ter responsabilidade social, é necessário que a empresa faça primeiro sua parte.

Desde o início desse trabalho, já foram feitas quatro atualizações da lista, divulgadas em novembro de 2003, junho de 2004, dezembro de 2004 e julho de 2005. Foram contabilizados 188 empregadores, principalmente nos estados do Pará, Mato Grosso, Maranhão, Minas Gerais, Tocantins, Rondônia, Piauí, Bahia e Rio de Janeiro.

Para o padre e doutor em antropologia cultural, Ricardo Rezende Figueira, falta ainda aprovar um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) de desapropriação sem indenização das unidades de produção envolvidas em crime da escravidão. A demora na aprovação da PEC se explica pelos interesses da bancada ruralista com os interesses dos escravocratas. "Muitos dos denunciados na 'lista suja', nos últimos anos, são parlamentares estaduais ou federais", ressalta Figueira, que é um dos militantes mais ativos da questão agrária no Brasil.

A escravidão contemporânea é caracterizada pelo cerceamento da liberdade juntamente com a situação degradante de trabalho. "A retenção de salários, a violência física e moral, a fraude, o aliciamento, o sistema de acumulação de dívidas (principal instrumento de aprisionamento do trabalhador), as jornadas de trabalho longas, o não-fornecimento de equipamentos de proteção, a inexistência de atendimento médico, a situação de adoecimento, o fornecimento de água e alimentação inadequadas para consumo humano, entre outros, são elementos associados ao trabalho escravo contemporâneo" exemplifica Ronaldo Marcos de Lima Araújo, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Para libertar pessoas dessa situação, o governo criou um grupo especial de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, integrados por auditores fiscais, procuradores e agentes da Polícia Federal. No dia 20 de setembro de 2005, 170 pessoas, incluindo 15 crianças, foram libertadas de uma fazenda localizada em Goiás. Segundo dados da ONG Repórter Brasil, no período de 1995 a 2004, foram libertadas 13.563 pessoas em ações desse tipo. Nesse período, 1.282 propriedades passaram por 312 operações de vistoria. As ações fiscais demonstram que quem escraviza, no Brasil, não são proprietários desinformados, escondidos em fazendas atrasadas e arcaicas. Pelo contrário, são latifundiários, muitos produzindo com alta tecnologia seja para o mercado interno ou para o internacional. Não raro, nas fazendas são identificados campos de pouso de aviões. O gado recebe tratamento de primeira: rações balanceadas, vacinação com controle computadorizado, controle de natalidade com inseminação artificial, enquanto os trabalhadores vivem em condições piores do que as dos animais.

 

PARÁ, O CAMPEÃO NACIONAL

O Pará é o estado com o maior número de libertados, sendo que a maior parte deles estavam em propriedades ligadas à pecuária, derrubando florestas para aumentar a área ou limpando pasto. A rede de comercialização na qual estão inseridas essas fazendas escoa a produção de carne para todos os continentes, tendo como importantes compradores a União Européia e a Ásia. Ao longo do tempo, houve uma evolução no número de operações de libertação, que saltaram de 11, em 1995, para 71, em 2004. Da mesma forma, a quantidade de libertados foi de 84, em 1995, a 4.879, em 2003, e 2.849 em 2004. O total de libertações de trabalhadores em 2003 foi equivalente à soma das ações entre 1995, quando o grupo móvel foi criado, até 2002. Não há registros de direitos ressarcidos nos primeiros cinco anos de operações, (1995-1999), enquanto que R$14,2 milhões foram pagos nos cinco anos seguintes.

 

 

REINCIDÊNCIA

Por outro lado, alguns especialistas alegam que apenas fiscalizar e libertar os trabalhadores na condição de escravidão não é suficiente, pois muitos deles costumam voltar ao mesmo tipo de trabalho. "Essa reincidência talvez seja a maior prova da insuficiência das ações implementadas até agora pelo Estado brasileiro" afirma Araújo. Para alcançar a essência do problema, seria necessária uma reforma agrária verdadeira que possibilitasse a digna fixação dos trabalhadores em suas cidades de origem, completa.

A erradicação do trabalho escravo passa por um conjunto de ações efetivas: repressivas, educativas, sociais e legais. Muitas das pessoas que passam por esse tipo de situação, não possuem carteira de identidade, CPF ou registro de nascimento. "Eles nunca tiveram acesso aos serviços públicos de educação e saúde, e não têm nome e sobrenome", conclui Araújo.

Para Figueira, é necessário continuar as ações de fiscalização dos imóveis denunciados pela prática do crime, acompanhados por punições rigorosas contra os criminosos através de ações conjuntas dos ministérios do Trabalho e Emprego, e da Justiça, além das instâncias da Justiça Federal e do Trabalho, através de autos de infração, punições por danos morais coletivos e individuais e condenações penais.