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Inovação Uniemp
versão impressa ISSN 1808-2394
Inovação Uniemp v.2 n.2 Campinas abr./jun. 2006
Luis Fernando Ceribelli Madi
Futuro das instituições públicas de pesquisa é incerto
por SIMONE PALLONE e WANDA JORGE
SEM METAS GOVERNAMENTAIS E NOVO MODELO DE GESTÃO, OS INSTITUTOS PERDEM ESPAÇO PARA OUTROS PARTICIPANTES DO SISTEMA DE C,T&I DO PAÍS
Criados a partir do início do século XX, em sua maioria voltados para cuidar de questões de saúde pública, como o controle de epidemias, os institutos de pesquisa públicos se encontram, hoje, em busca de uma melhor inserção nos cenários da pesquisa, desenvolvimento e inovação. É sobre o futuro dessas instituições as IPPs que trata Luis Fernando Ceribelli Madi, coordenador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) e presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisas Tecnológicas (Abipti). Em sua opinião, são fundamentais ações integradas nas instituições, sob orientação dos governos federal e estaduais, que devem encará-las como estratégicas. Madi atua há 33 anos na área e foi um dos criadores do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), em Campinas (SP).
Que papel desempenham os institutos e centros de pesquisa na atualidade?
Luis Madi No Brasil, pela primeira vez tanto governo como iniciativa privada concordam que investimento em pesquisa é necessário para se ter novos produtos competitivos no mercado e uma sociedade melhor. Ciência e tecnologia passam a ser consideradas estratégicas para o país. As instituições brasileiras de pesquisa foram criadas em várias épocas: desde o Instituto Agronômico, com 118 anos, um dos mais antigos, como o IPT, que tem mais de 100 anos, ou o Ital, criado há 43 anos. Essas instituições nasceram para atender demandas específicas mas, em nenhum momento, trabalhou-se de forma organizada. Elas foram buscando seu mercado de atuação, sem uma definição estratégica de integração. A meu ver não existe um projeto em relação às instituições de pesquisa. Até porque não há muita clareza, por parte do governo federal e também dos governos estaduais, quanto à situação e atuação das instituições e que, por essa razão, não interagem. Falta um projeto para o futuro.
Qual a conseqüência dessa falta de projeto de integração entre os institutos?
Madi A conseqüência é que as universidades e outras instituições ( Senai e entidades privadas, por exemplo) acabam assumindo atividades que deveriam ser dos institutos, como atividades de pesquisa, desenvolvimento, inovação, assistência tecnológica e capacitação. Elas acabam entrando em assessorias técnicas, típicas dos IPPs. Existem, ainda, as instituições de pesquisa privada entrando fortemente no sistema, laboratórios e grupos privados orientados para determinados segmentos. Embora isso seja positivo, é importante o governo se proteger porque, quando houver uma demanda pública como, por exemplo o problema da febre aftosa ou gripe aviária que tenha desdobramentos estratégicos, serão fundamentais instituições públicas que também disponham de estrutura moderna, para atender ao sistema que é extremamente dinâmico, além das necessidades claras das áreas de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Quais os principais problemas enfrentados pelos institutos públicos de pesquisa (IPPs)?
Madi É difícil ter uma instituição homogeneamente dinâmica e moderna. Mesmo aquelas que são apontadas como modelo de eficiência em sua área. No caso da Embrapa é bem mais fácil ser dinâmico, com um orçamento de R$ 1,2 bilhão por ano. Na Apta, que congrega sete instituições e 950 pesquisadores, temos um orçamento anual de R$130 milhões, e aí fica mais difícil. Mas o ponto básico não são os recursos financeiros. O modelo jurídico e administrativo que na maioria das instituições, e principalmente nas estaduais, é ultrapassado, é outro fator crítico. Algumas instituições estaduais estão ligadas diretamente à administração do estado, outras viraram fundações, empresas públicas e autarquias. No final, todas ficaram engessadas. Uma opção, que considero moderna e inovadora é a organização social, que é gerenciada por uma entidade autorizada pelo governo, com um contrato de gestão. Para mim, esse contrato de gestão é a chave do sucesso. Nesse modelo o governo orienta a instituição para suas necessidades, fornece os recursos necessários e cobra o resultado.
O que é necessário para aumentar a dinâmica desses institutos?
Madi É preciso promover uma mudança estrutural e filosófica nas instituições públicas, com interferência dos governos federal e estadual. Há também defasagem de infra-estrutura e no sistema de contratação e complementação de pessoal. Deve-se repensar o modelo dos concursos públicos para contratação e a capacitação das pessoas. Hoje, esse processo é muito lento e o mercado exige maior dinamismo. Se não atendermos o mercado, alguém vai atender. Temos que priorizar também a área de gestão e qualidade. A curto prazo todas essas instituições terão que ser certificadas.
O senhor concorda que as instituições de pesquisa, assim como as universidades, têm dificuldades na interação com as empresas?
Madi Não tenho dúvida de que existe uma interação melhor do setor privado com os IPPs, se comparada com as universidades. Claro que há exceções como a Unicamp ou a UFRJ, por meio da Coppe, no Rio mas de uma forma geral, os institutos têm uma compreensão maior das necessidades do setor privado.
Existe a oportunidade de fortalecer interações que podem ser positivas para os dois lados. A universidade tem a grande vantagem de contar com os alunos, que sempre trazem novas idéias e os institutos conhecem as demandas do mercado e podem orientar os trabalhos da universidade de forma mais prática. E o governo tem que motivar essas parcerias, e financiar os projetos.
Em relação aos recursos, os fundos setoriais representaram alguma mudança para os IPPs?
Madi Os fundos setoriais foram o começo de uma mudança estratégica do governo federal mas, infelizmente, ele próprio errou ao contingenciar parte de seus recursos. Falta ainda ao governo a visão de que o país precisa de uma política federal integrada com os estados, e de uma quantidade adequada de recursos. A Finep, por exemplo, criou o Modernit, um programa orientado aos institutos, mas continua tendo dificuldades para conseguir quantidade suficiente de recursos. Em alguns casos, institutos de pesquisa competem com a universidade em editais e isso é muito ruim. Os institutos não podem ser substituídos pela universidade em ações que fazem parte de sua missão básica e o governo sabe disso. É preciso acertar a questão jurídica, a infra-estrutura, pessoal e a propriedade intelectual, que é muito difícil de ser negociada dentro das regras engessadas do Estado.
Sobre a propriedade intelectual, o senhor vê a necessidade de se criar novos núcleos e escritórios especializados no assunto?
Madi Essa é uma prioridade. A patente é um dos indicadores de inovação usado, a meu ver, até exageradamente. Na atuação das instituições de pesquisas tecnológicas existe uma série de atividades que são melhorias, desenvolvimentos, que não são passíveis de patente, mas que dão competitividade aos produtos brasileiros. Essas atividades devem ser privilegiadas e para a maioria das empresas elas são até mais importantes do que uma patente. A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, por exemplo, poderia montar estruturas, que poderiam ser do próprio MCT, ou da Finep, que auxiliassem as instituições, ou fazer isso de forma integrada com as universidades maiores. É praticamente impossível ter uma estrutura em cada um dos institutos; seria mais adequado contar com estruturas já existentes.
Como o senhor localizaria os institutos no sistema nacional de C&T?
Madi O sistema de C,T&I no Brasil é muito grande e os institutos representam uma peça dentro desse sistema. Tivemos, no ano passado, a 3ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e a Abipti foi parceira do MCT na organização, inclusive nas reuniões regionais. Queríamos ter um foco maior de discussões sobre os institutos, e o tema foi tratado em apenas uma das sessões. Por isso resolvemos focar o Congresso anual da Abipti, que será realizado de 3 a 5 de maio, nos institutos, mais especificamente no futuro dos institutos. A abertura do evento terá a participação do ministro Sergio Rezende que deverá falar sobre a situação da C,T&I no Brasil e sobre o papel dos institutos nesse sistema nacional. Teremos duas mesas redondas estratégicas. A primeira será "A pesquisa, o desenvolvimento e a inovação na iniciativa privada e nas instituições de ciência e tecnologia no Brasil e no exterior", com a participação de diferentes entidades. A Abipti fará uma apresentação falando sobre a necessidade de definirmos um programa de atuação integrado de governo federal e governos estaduais. A falta de integração não se dá apenas em nível federal e estadual, mas também em relação aos ministérios. É uma falha governamental difícil de ser resolvida porque cada um dos ministérios pensa individualmente e, no caso brasileiro, há até mesmo linhas contraditórias, criando problemas para a diplomacia do país. Outro ponto que pretendemos tratar é o papel do governo como gerador de demanda e indutor de C&T, e o poder da compra ligado a esses ministérios.
Como estão os quadros dos institutos?
Madi De um modo geral o quadro é adequado. O que falta é um total envolvimento deste quadro nas atividades da instituição; um sistema de gestão e avaliação que consiga obter melhores resultados, uma maior definição das demandas e prioridades por parte do governo, um sistema de remuneração eficiente. Não é o número de pesquisadores o maior problema das instituições.
A pós-graduação ou cursos de especialização tem sido um caminho para recompor os quadros. Diferente da universidade que, de uma forma geral, oferece uma formação básica maior, a nossa pós é orientada a uma especialização. O IAC já tem uma pós, o Instituto de Pesca também, e o Ital, no Centro de Tecnologia de Carnes, criou uma especialização com quase 500 horas/aula, e no qual se tem uma média de 25 alunos da iniciativa privada por curso. É como um MBA, só que mais focado. A vantagem é manter uma atividade de acompanhamento da tecnologia, da ciência.
Como o senhor avalia a regionalização das IPPs? Como foi a experiência do estado de São Paulo?
Madi A regionalização é um ponto importantíssimo. A experiência da Apta é interessante: com seus 15 pólos regionais, buscou-se essa integração para o desenvolvimento de pesquisas em áreas específicas. O resultado é melhor do que ficar em Campinas ou São Paulo, interagindo com as áreas de P&D de Colina, Mirassol, ou outras regiões mais distantes do eixo tecnológico. É fundamental ter o pesquisador trabalhando nessas áreas, interagindo com a comunidade regional, descobrindo suas demandas, seus problemas e orientando o seu trabalho. A idéia da reorientação das universidades segue a mesma linha, principalmente a Unesp, focada em áreas e atividades regionais, como em Registro, São José do Rio Preto, Botucatu e outras. Isso leva para as regiões um crescimento maior, porque a universidade ou instituição promove um maior desenvolvimento socioeconômico. Tanto o modelo de pós-graduação como o de regionalização são exemplos que deram certo e que poderão ser utilizados em outros estados.
O senhor identifica, no país, regiões que mereçam mais atenção, novas instituições ou mais recursos para o fortalecimento de instituições já existentes?
Madi Temos a Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi), em Manaus, a Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) em Belo Horizonte e o Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (Lactec) em Curitiba. Há várias instituições que começam a se fortalecer em localidades diferentes, com dinamismo e flexibilidade muito maiores e, isso é bom. No futuro teremos um complexo institucional, forte e estruturado, e é aí que entra a Abipti, para mapear e ser porta-voz das necessidades dessas instituições, olhando para elas de forma integrada, coisa que o governo dificilmente faz. Na Abipti criamos cinco vice-presidências (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste) e o papel de cada uma é analisar quais são as instituições de cada região, que áreas devem trabalhar e em que áreas faltam instituições, para que sejam completadas e atendidas conforme o mercado exige.
Um problema grave no Brasil é a descontinuidade de políticas e de programas, a cada mudança de governo. Qual o impacto nos IPPs?
Madi A descontinuidade é muito ruim. A nossa experiência é que os IPPs devem ser encarados como ferramentas tecnológicas para o desenvolvimento socioeconômico do país, ligados a programas de governo e não a partidos políticos. As universidades estaduais de São Paulo deram um passo fantástico nessa linha quando desvincularam o mandato de seus reitores do mandato do governador. As instituições devem ter modelos com mandato definido, isso é um instrumento que o governo tem que priorizar, mas que em hipótese alguma deve ser usado como plataforma política ou como manipulação política.