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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.2 n.2 Campinas abr./jun. 2006

 

 

Amazonas: pesquisas analisam redes formadas na região de Manaus

 

 

por GABRIELA DI GIULIO

 

 


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O esforço para conhecer e entender a dinâmica do desenvolvimento econômico e social do estado do Amazonas e, mais especificamente de Manaus, levou quatro professores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi), a se dedicarem, durante quatro anos, ao estudo dessa região. A parceria entre a Ufam e a Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apoiada pela Superintendência da Zona Franca de Manaus, deu a esses pesquisadores a oportunidade de analisarem algumas experiências de desenvolvimento e de evidenciarem a importância da cooperação entre empresas locais e instituições de pesquisa.

 

 

Os trabalhos resultaram em quatro teses de doutorado em engenharia de produção, que analisam a cooperação entre empresas no pólo industrial de Manaus, a valorização da biodiversidade, a formação de redes de conhecimento na área de fármacos e cosméticos, e a geração e difusão do conhecimento em piscicultura no estado do Amazonas.

Além de serem apresentadas em congressos, como no XI Seminário Latino-Iberoamericano de Gestão Tecnológica, realizado em 2005, em Salvador, as pesquisas serão publicadas em um livro, a ser lançado no segundo semestre deste ano. As pesquisas levaram, ainda, à criação, dentro da Fucapi, de um Núcleo de Estudos e Pesquisa em Inovação dedicado à sistematização de estudos sobre o desenvolvimento daquela região.

Os pesquisadores chegaram a uma abordagem que focaliza o papel do conhecimento como instrumento de desenvolvimento econômico sustentável. O ponto de partida é o modelo da hélice tripla, que mostra que o processo de inovação requer interações entre instituições de pesquisa, empresas e governos. Um outro conceito importante utilizado por esses estudos é o de redes de conhecimento, pertinentes a processos de capacitação gerencial e técnica de empresas, conhecimentos estes que podem eventualmente levar a processos de inovação.

A partir desses modelos, os pesquisadores analisaram essas interações mostrando como os conhecimentos gerados possibilitaram agregar valor aos processos produtivos, nos setores de fármacos, fitoindústria e piscicultura.

A pesquisadora Anne-Marie Maculan, orientadora de dois trabalhos, acrescenta que o ambiente amazonense tem de ser analisado com cuidado, uma vez que é bastante específico. "Um conjunto de características — como isolamento geográfico, riqueza, mas também necessidade de preservação da biodiversidade, experiências anteriores de surto de desenvolvimento econômico seguido de períodos longos de abandono, como o ciclo da borracha, dimensão geopolítica de sua localização, diversidade da população — exige esforços maiores para dar impulso a um desenvolvimento sustentável e não simplesmente a um extrativismo predatório. Todos os segmentos da sociedade — empresas, instituições de pesquisa e ensino, associações de classe, comunidades indígenas, agências governamentais nacionais ou regionais — devem colaborar para essa meta. Somente dessa maneira surgirão soluções inovadoras", explica.

Como destaca o pesquisador José Manoel Carvalho de Mello, um dos orientadores desse estudo, "o desenvolvimento não ocorre espontaneamente, mas precisa de um arcabouço institucional jurídico-legal, regulatório, fiscal ou financeiro que crie um ambiente favorável ao empreendedorismo e à inovação". A Zona Franca de Manaus, hoje denominada Pólo Industrial de Manaus (PIM), é um exemplo do que ele chama de desenvolvimento industrial voluntarista. "Embora ainda bastante vulnerável e não totalmente enraizado, esse desenvolvimento possibilitou investimentos importantes, geração de empregos e renda. Por outro lado, o governo local precisa assumir um papel essencial de articulação dos diversos interesses sociais e dar o impulso e condições de consolidação a iniciativas locais vindas das empresas e das instituições de ensino e pesquisa", considera.

 

REDES DE CONHECIMENTO

Na análise da formação de redes, os estudos mostram a importância dos programas de fomento à inovação como as Plataformas Tecnológicas, os Arranjos Produtivos Locais (APL) e o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe). Esses programas foram responsáveis pelo estímulo aos processos de interação e cooperação entre as empresas e instituições de pesquisa, condições fundamentais para a produção e disseminação do conhecimento, conforme apontam as teses dos pesquisadores Guajarino de Araújo Filho, Dimas Lasmas, Niomar Lins Pimenta e Mariomar de Sales Lima. Os trabalhos analisam os programas enquanto instrumentos de intervenção numa dada realidade, bem como as redes de conhecimento estabelecidas.

Segundo a pesquisadora Mariomar, "destaca-se como ponto forte dessas políticas o fato de proporcionarem a recombinação das capacidades existentes, estimulando a articulação entre os atores interessados em promover interações para o desenvolvimento tecnológico em campos específicos. Tais ações têm sido apontadas como um elemento sustentador das políticas de desenvolvimento regional". A pesquisadora aponta ainda que, embora exista preocupação no âmbito das políticas nacional, local e das próprias instituições de pesquisa em promover um crescimento econômico por meio do desenvolvimento das habilidades regionais, falta uma maior integração entre essas instituições, além de mecanismos de vinculação que viabilizem essas interações e, principalmente, definição de políticas públicas concatenadas com as fontes de conhecimentos, que dificultam a transferência de conhecimentos para o setor produtivo.

No caso específico dos programas APL e Pappe, por se tratarem de programas destinados a promover a ligação entre a ciência e a tecnologia, envolvem regras que proporcionam, por exemplo, a integração das pesquisas, bem como a soma das experiências das instituições e das suas infra-estruturas, facilitando a produção de conhecimentos. Além disso, propiciam a obtenção de resultados mais precisos, com controle permanente por parte das várias instituições signatárias da proposta.

 

EXPERIÊNCIAS

Os pesquisadores analisaram as redes de conhecimento do APL e do Pappe. No APL, eles se valeram das experiências do programa em quatro segmentos, entre os quais os setores de fármacos e cosméticos, e piscicultura. Foram analisados um estudo de dois produtos fitoterápicos e um fitocosmético a partir de espécies amazônicas; um projeto destinado à adaptação e transferência da tecnologia conhecida como tanque-rede para o cultivo de peixes tambaqui e matrinxã e um programa de transferência de uma tecnologia desenvolvida na região, que eleva a produtividade de peixes matrinxã e, portanto, é interessante que seja repassada para os setores produtivos locais, com fins de manutenção familiar e comercial.

 

 

Para as redes de conhecimento de fármacos especificamente, alguns resultados obtidos pelo programa APL são importantes, tais como a geração de um mapa da distribuição fitogeográfica das espécies pesquisadas, o estabelecimento de um banco de padrões de referência micro e macroscópico para determinação botânica das espécies e a melhoria dos laboratórios de fitoquímica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e de farmacologia da Ufam, ampliando o estoque de conhecimento na região e a infra-estrutura laboratorial para a pesquisa.

No caso das redes de conhecimento relacionadas ao programa Pappe, os pesquisadores analisaram duas experiências na área de fármacos e cosméticos, e quatro em piscicultura. Dentro dos projetos, foram avaliadas dez espécies de plantas amazônicas ou adaptadas, com potencial de aplicação no mercado de fragrâncias e aromas, e obteve-se a certificação para o cultivo de plantas medicinais amazônicas. No setor de pescados, as equipes participantes dos projetos conseguiram vantagens na produção de derivados de pescado, tais como prevenção e controle de parasitas, aprovação de resíduos de polpa para ração e inserção no mercado de pescado no Alto Solimões.

"As redes identificadas estão enquadradas como estratégicas, não só pelo tipo de compromissos assumidos, mas também porque estão possibilitando a instalação de capacidades para a experimentação, produção e disseminação de conhecimentos que promovam a melhoria das técnicas utilizadas nos processos produtivos já existentes, de forma que assegurem o êxito da produção futura de determinadas espécies, por meio da utilização de novas técnicas adequadas à realidade local", explica a pesquisadora Mariomar.

Ainda segundo a pesquisadora, trata-se de micro-redes de conhecimento especializado que permitem intercambiar recursos, valores e interesses, obtendo-se benefícios mútuos, por meio de ações orientadas à produção de conhecimentos em colaboração, uma vez que a disponibilidade dessas capacidades por si não é suficiente para gerar interações. "Daí a importância da participação governamental na implementação das estratégias e mecanismos de vinculação (políticas de intervenção) para a difusão desses conhecimentos, pois, através dessas redes, tem havido a integração de esforços de investigação para resolver os problemas das atividades locais e fomentar a produção de conhecimentos para otimizar o aproveitamento das áreas vocacionais da Amazônia em função das condições climáticas, da biodiversidade e dos recursos hídricos existentes na região", completa.

Essas redes, na opinião de José Manoel Carvalho Mello e Anne-Marie Maculan, favorecem a sustentabilidade do desenvolvimento, interações, enraizamento e fortalecimento das instituições. Apesar de não estarem ainda muito difundidas, as redes têm se desenvolvido bastante. Isso se deve, na avaliação de Niomar Pimenta, a dois fatores principais: o fato de os problemas se tornarem cada vez mais complexos e, portanto, exigirem abordagem multidisciplinar; e a prioridade dada pelas agências de fomento a trabalhos consorciados, com a chancela de várias instituições.

 

 

Assim como o estado amazonense tem se beneficiado com essas políticas de intervenção e, conseqüentemente, da formação de redes de conhecimento, outras regiões brasileiras também têm se valido disso. É o caso das experiências alcançadas com a construção de novos pólos tecnológicos em Minas Gerais, Recife, Campinas e Porto Alegre.

Para os pesquisadores, o estudo amazonense mostra que a gestão é uma das dimensões pelas quais a inovação pode se manifestar. O Amazonas, mesmo distante das regiões mais desenvolvidas do país, tem apresentado resultados interessantes em termos de uma arquitetura de seu sistema de CT&I, boa parte em decorrência do pólo industrial de Manaus. É possível perceber, segundo eles, um adensamento institucional e uma ampliação dos recursos humanos capacitados para a realização de estudos e pesquisas. "Esse potencial pode ser utilizado de modo mais efetivo na gestão dos gargalos de seu desenvolvimento. E aí, como em outras localidades, tende a crescer a demanda pela capacidade local de estabelecer mecanismos de governança", consideram Mello e Anne-Marie.