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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.2 n.3 Campinas jul./ago. 2006

 

 

Síncroton: necessidade de investir na ampliação e no salto qualitativo

 

 

por GABRIELA DI GIULIO

 

 

Com quase dez anos de atividade em um setor de alta tecnologia e com instalação pioneira no hemisfério sul, o Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS) prepara-se para novos desafios: manter sua competitividade e reconhecimento internacional num segmento com demandas tecnológicas que surgem com uma velocidade equivalente aos feixes de luz que seu anel de elétrons faz circular. Localizado em Campinas, no interior paulista, nasceu da concepção de uma equipe brasileira de pesquisadores — muito deles jovens recém-saídos de universidades e escolas técnicas — que foram desafiados a desenvolver, construir e fazer funcionar o equipamento que, no processo de implementação, recebeu investimentos de US$ 70 milhões. Hoje, o LNLS encara a necessidade de ampliar a capacidade experimental disponível, modernizar as instalações e atender as novas demandas de seus usuários.

Existe um consenso entre pesquisadores e usuários do laboratório — em discussões durante a reunião anual em fevereiro último — sobre a importância de se iniciar agora a concepção, estudo e preparação de um novo acelerador de partículas que garanta um salto qualitativo e quantitativo nas atividades de ciência e tecnologia desenvolvidas no país. O LNLS abriga uma fonte de luz síncroton que emite feixes de raio-X, ultravioleta e infravermelho, utilizados para investigar propriedades atômicas e moleculares dos materiais. Com um acelerador e anel de armazenamento de elétrons de porte médio, de 1,37GeV (bilhões de elétron-volts), o laboratório possui um bom conceito internacional e ainda é considerado uma máquina de boa qualidade. "Contudo, este nível de pesquisa não pode ser mantido eternamente. Daqui a outros dez anos, seria extremamente prejudicial à pesquisa brasileira descobrir que nada foi preparado para substituir o LNLS", diz Ricardo Lobo, pesquisador da Ecole Supérieure de Physique et Chimie Industrielles de Paris.

 

 

Para o diretor associado do LNLS, Pedro Tavares, apesar do esforço contínuo que tem sido feito para garantir a competitividade das instalações do laboratório — segundo ele, o anel tem sido alvo de constantes melhoramentos, atualizações e ampliações —, é preciso considerar uma nova fonte de luz para o LNLS, numa perspectiva entre 10 e 15 anos. Essa necessidade, de acordo com ele, decorre do fato de que novas fontes estão a cada dia sendo propostas e construídas em todo o mundo, buscando sempre alcançar patamares mais altos de desempenho que permitam aos pesquisadores sondar a matéria em detalhes ainda mais precisos. "Se o LNLS não estiver à altura dessas novas tecnologias, deixará sua comunidade sem acesso a ferramentas indispensáveis para a realização de ciência competitiva. Pensar as novas fontes de luz para o futuro é, assim, uma questão de sobrevivência."

Beatriz Gomes Guimarães, pesquisadora do Centro de Biologia Molecular Estrutural do LNLS, concorda que as principais dificuldades do laboratório hoje vêm da impossibilidade de modernizar suas instalações na rapidez com que isso ocorre em outros países. A justificativa, segundo ela, é a falta de recursos humanos e financeiros. De acordo com informações oficiais, o laboratório recebe anualmente cerca de R$ 12 milhões do governo federal, através do Ministério da Ciência e Tecnologia.

A ausência de uma política de formação de recursos humanos qualificados é uma das principais críticas daqueles que freqüentam e utilizam o laboratório. Neste sentido, o físico Hélio Tolentino, engenheiro de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS), aponta que é preciso ter uma política que valorize os jovens que concluem boa parte de sua formação técnico-científica no próprio LNLS, seja pelos cursos e estágios, seja desenvolvendo experimentos ligados ao laboratório durante suas teses. "Muitos bons cientistas, físicos e engenheiros já passaram pelo LNLS mas foram 'perdidos' para outras instituições por falta de reconhecimento e apoio. Isso não afeta apenas a relação com a indústria, mas também a relação com todos os usuários externos e, evidentemente, com a C&T de ponta". Tolentino também critica o que considera "falta de uma direção científica para o laboratório nacional". Esse "vazio científico", segundo ele, é prejudicial em muitos aspectos porque tem repercussões negativas no dia-a-dia do laboratório e limita a ação do LNLS.

 

 

PARCERIAS

Durante a 16ª Reunião Anual de Usuários LNLS (RAU), alguns usuários alertaram que limitações do laboratório podem, em breve, comprometer o andamento de seus projetos. Para Márcio Camparotto, coordenador do Laboratório Físico e Químico da empresa Pirelli Pneus S.A., já se observa uma saturação no laboratório que pode gerar atrasos na realização dos ensaios e estudos solicitados. Ele reconhece a importância do laboratório como pólo de apoio tecnológico para pesquisas e desenvolvimento de novos materiais. A parceria da Pirelli com o LNLS, que já dura 18 meses, tem como principal objetivo desenvolver aços especiais para reforço metálico para pneus radiais, utilizando análises em microscopia eletrônica de varredura.

 

 

Fábio Santini, coordenador de desenvolvimento de processo da Robert Bosch América Latina, outra usuária do laboratório, elogia a equipe laboratorial e o nível tecnológico de instalações e equipamentos, mas também identifica algumas limitações. "Como o laboratório não é um centro de pesquisa específico para brasagem — processo utilizado para a junção de peças metálicas com formatos e seções diferentes — não possui um equipamento para simulação do processo". A parceria de pesquisa da Bosch com o LNLS existe há dois anos, com o objetivo de se avaliar o comportamento do processo de brasagem em aço inox para o distribuidor de combustível. Busca-se também simular os possíveis defeitos que possam ocorrer ao longo de uma produção seriada. Apesar das limitações apontadas, Santini diz que novos projetos conjuntos estão sendo avaliados.

 

 

A estratégia do laboratório tem sido buscar indústrias brasileiras que investem em pesquisa e desenvolvimento, que podem beneficiar-se dos experimentos disponíveis no laboratório e estabelecer parcerias para desenvolvimento conjunto de projetos. A expectativa do diretor geral do LNLS, José Antônio Brum, é que essa prospecção sobre as necessidades tecnológicas do setor industrial direcione as prioridades do laboratório.

A parceria com as indústrias, contudo, não deve restringir-se às atividades de P&D. A expectativa é que projetos de ampliação ou a construção de uma nova máquina com energia de 3 GeV, por exemplo, possam ser realizados no futuro com o apoio dos diferentes setores da indústria nacional. Para ele, o LNLS poderia ser responsável por boa parte dos desenvolvimentos necessários, mas a construção dos diversos elementos da máquina teria de ser feita através da contratação na indústria. "O que seria um pouco diferente da maneira como foi construída a primeira série de aceleradores, quando boa parte dos componentes foi construída no próprio LNLS", completa.

 

PRÉDIO CESAR LATTES

Se a construção de uma nova máquina vai acontecer ou não nos próximos anos, a resposta ainda é incerta, apesar das discussões atuais. Mas o diretor geral do LNLS está com grandes expectativas para este ano. "Quatro novas linhas de luz devem entrar em operação para os usuários, duas focadas na área biológica e duas na área da ciência de materiais". Ele aponta também a construção e finalização do prédio Cesar Lattes, ainda neste ano, que vai abrigar novos laboratórios de nanociência e nanotecnologia, em particular os novos microscópios eletrônicos. "Além disso, a automação do processo de cristalização de proteínas, com a aquisição de dois robôs, deve ampliar a nossa capacidade na área de biologia molecular estrutural."

 

 

Brum acredita que há ainda muito a explorar no LNLS para ampliar a capacidade experimental disponível e diz que, dentro de laboratórios de porte similar, ele está entre os melhores do mundo. "Se observarmos os indicadores de desempenho que podem ser comparados, como a confiabilidade, o custo por proposta de pesquisa realizada, a produção científica e sua qualificação, o LNLS é perfeitamente competitivo internacionalmente". Entre as melhorias que devem ser feitas no laboratório, o diretor destaca a instalação de três dispositivos de inserção, o que deverá permitir o aumento de fluxo de raios-X duros para um fator de 20 a 100 vezes o usual ou de raios ultravioleta para um fator de mil a dez mil vezes. "Essas novas instalações, associadas a implementações no anel de armazenamento que devem levar a melhorarias na estabilidade e no brilho de luz emitida, devem manter a competitividade do LNLS por vários anos", diz Brum. "Não há dúvida, no entanto, que para manter a comunidade científica e tecnológica com acesso a instrumentações experimentais de ponta, é necessário começar a pensar em uma nova fonte de luz síncroton", pontua.

O diretor ainda ressalta que a equipe de pesquisadores da área de aceleradores deve começar a planejar as necessidades da comunidade científica e tecnológica em médio e longo prazos, para melhor visualizar qual a instrumentação necessária para que esta se mantenha competitiva na pesquisa. Entre as alternativas de novas máquinas, ele destaca o anel de 3GeV, lasers de elétrons livres e os aceleradores lineares de recuperação de energia, estes ainda em desenvolvimento. "O LNLS está concluindo seu planejamento de quatro anos, no qual um plano para as diversas ampliações está delineado", afirma Brum, ressaltando a importância de recursos financeiros e recursos humanos especializados para a expansão do laboratório.

 

DIVULGAÇÃO

Outra preocupação do laboratório é que a divulgação para a sociedade do que é a luz síncroton e seus benefícios seja mais efetiva. A questão foi discutida na última reunião anual dos usuários, que concordam com a idéia de que uma melhor divulgação facilitaria a obtenção de apoio e recursos. Para o diretor do LNLS, divulgar os resultados científicos é parte fundamental das atividades de toda instituição de pesquisa. "O apoio às atividades do laboratório deve vir como uma conseqüência do alinhamento dos trabalhos no LNLS com os anseios da sociedade brasileira. Para isso, é importante que ela compreenda os trabalhos realizados aqui e o seu papel no esforço nacional de C&T", afirma.