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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.2 n.3 Campinas jul./ago. 2006

 

 

Avaliação dos impactos de programas de P&D

 

 

MIRIAN HASEGAWA e ANDRÉ TOSI FURTADO

 

 

Existe um crescente interesse por parte de diversos atores nas áreas de planejamento, gestão e política de ciência e tecnologia (e também no meio acadêmico) pela avaliação da P&D e de programas tecnológicos.

A demanda por avaliações tem sido motivada pela necessidade de compreender os efeitos das políticas e dos programas de pesquisa e desenvolvimento (P&D), aprender com as experiências passadas e justificar para a sociedade a continuação dessas políticas e programas. Diferentes abordagens de avaliação foram desenvolvidas para responder a essa demanda.

A atividade de P&D, independentemente de atingir ou não os objetivos propostos, gera aprendizado e cria capacitações nos indivíduos envolvidos na sua execução, portanto, vai além da inovação. Essas capacitações e conhecimentos aprendidos durante um projeto ou programa de P&D podem ser aplicadas em outras atividades e para outros fins, gerando resultados inesperados pela proposta inicial do programa.

O resultado mais claro da P&D é a inovação diretamente relacionada aos objetivos iniciais do programa, cuja difusão gera muitos impactos econômicos. O resultado mais "obscuro", mas não menos importante, é a aplicação das capacitações e dos conhecimentos criados e aprendidos durante o programa para equacionar outros objetivos (externos ao escopo do programa). Esses produtos obscuros geram relevantes impactos econômicos, os quais podem e devem ser mensurados para que se possa avaliar a real importância do investimento em P&D.

Dividimos os resultados da P&D em diretos e indiretos. Os resultados diretos são aqueles relacionados apenas aos objetivos iniciais do programa e decorrem da aplicação em escala comercial do novo "produto" (processo ou serviço) gerado, o qual estava explicitamente mencionado nas metas iniciais do programa. Os resultados indiretos são os spinoffs, cuja definição engloba todo tipo de produto não previsto nessas metas iniciais, como novas tecnologias, mudanças organizacionais, novos métodos, novos serviços, etc. Esses resultados podem estar relacionados à mesma atividade que gerou o programa, desde que escapem ao escopo inicial. As capacitações e competências geradas pelos programas de P&D são chamadas de resultados intermediários porque são elas que possibilitam que os spinoffs sejam criados.

Diversos autores concordam que é necessário que se criem métodos capazes de captar melhor os benefícios não-econômicos da P&D — ou pelo menos os benefícios que não podem ser facilmente traduzidos numa forma monetizada.

Seguindo essa linha de pensamento, na tese de doutorado "Avaliação das capacitações e dos spinoffs gerados por programas de P&D — o Procana do IAC "(1) foi desenvolvido um conjunto de metodologias para: i) identificar os resultados de programas de P&D na forma de inovações, capacitações e spinoffs; ii) compreender o processo inovativo (mapeando os fluxos e as conversões do conhecimento que deram origem aos resultados); e iii) mensurar os impactos econômicos diretos e indiretos de tais programas.

As metodologias desenvolvidas foram aplicadas na avaliação de um programa tecnológico do IAC(2) : o Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-açúcar (Procana). Este programa iniciou uma nova maneira de organizar a pesquisa, que rompeu com o modelo tradicional que imperava no instituto. Criou um estilo de organização flexível e dinâmico, que é mais apropriado para responder à insuficiência do financiamento estatal, à dispersão geográfica necessária à pesquisa agrícola, e às necessidades dos usuários. As variedades de cana criadas pelo Procana não representam inovações radicais, mas sim incrementais. Esse programa de pesquisa é constituído como uma rede de inovação, em que participam pesquisadores, usuários da tecnologia gerada (usinas de cana), universidades, a Copersucar(3) , empresas de insumos e outras instituições. Teve início em 1994 e criou fortes parcerias com diversas usinas, as quais contribuem para o financiamento e a execução da pesquisa sobre variedades.

Na avaliação realizada, constatou-se que o Procana, além de alcançar o objetivo inicial de gerar novas variedades para a agroindústria canavieira, foi responsável pela criação de capacitações e pelo surgimento de seis spinoffs, que geraram impactos econômicos mais importantes que os resultados diretos.

 

RESULTADOS

A organização desse programa tecnológico está voltada para captar e atender às necessidades dos usuários (usinas de cana). A proximidade dos pesquisadores do IAC com essas usinas possibilita uma boa percepção das oportunidades de criação de novos serviços tecnológicos, o que, por um lado, ajuda os produtores de cana (cumprindo a função do IAC de instituto público de pesquisa) e, por outro lado, contribui para a captação de mais recursos que vão permitir a continuidade do programa. Esse comportamento organizacional pode ser considerado uma estratégia de sobrevivência do Procana IAC, uma vez que este não recebe recursos orçamentários suficientes para a sua execução. Tal estratégia, de tentar atender às demandas reveladas pelas usinas oferecendo serviços baseados nas competências dos pesquisadores, foi responsável, em grande parte, pelo surgimento dos seis spinoffs que derivaram desse programa. São eles: os serviços Ambicana, Sanicana e Rhizocana, o método biométrico de colher ensaios, a cana forrageira IAC86-2480 e o software Caiana. Os quatro primeiros são inovações de processo, uma vez que representam três novos serviços e um método que são responsáveis pela transmissão de novos procedimentos para as usinas, os quais as ajudarão a melhorar seu processo de produção. A cana forrageira e o software Caiana são inovações de produto, a primeira para ser vendida para um novo mercado (pecuaristas) e o segundo, de uso interno, para aumentar a eficiência do programa.

 

 

Esses seis spinoffs criados pelo Procana representam a aplicação de conhecimentos e competências que, na sua maioria, foram gerados durante o processo de desenvolvimento das variedades IAC.

Os impactos econômicos das variedades IAC e dos spinoffs do Procana foram mensurados utilizando a metodologia de avaliação desenvolvida pelo Bureau d'Economie Teorique et Apliquée (Beta), da França, a qual quantifica os impactos econômicos de programas tecnológicos através do aumento nas vendas ou redução de custos proporcionados pela execução do programa. Após a quantificação dos impactos do Procana foi possível estabelecer a relação impacto/custo do programa. O custo total até o ano de 2004 foi de R$ 19.471.582,00(4). Os impactos econômicos criados — R$ 269.802.959,93 — foram 13,86 vezes maiores que os custos, sendo que os impactos devidos aos spinoffs foram os grandes responsáveis pelo retorno dos investimentos (13,6). Ou seja, o Procana, durante a sua execução, criou resultados inesperados que geraram um impacto econômico treze vezes maior que o valor investido no programa. Esses seis spinoffs geraram um impacto econômico 51 vezes maior que o impacto econômico da inovação principal.

Deve-se destacar que as variedades desenvolvidas pelo Procana IAC ainda não tiveram tempo de se difundir e criar resultados econômicos significativos, mas é possível que no futuro esses impactos venham a superar os dos spinoffs.

A avaliação do Procana revelou que este programa criou uma nova forma de organizar a pesquisa e buscou diversificar suas atividades para melhor atender aos seus usuários e para garantir a sua sobrevivência. A estratégia criada foi muito bem sucedida e garantiu um excelente retorno para os investimentos realizados.

Como ficou claro, a análise dos spinoffs mudou completamente a avaliação que seria feita do Procana se fossem considerados somente os impactos diretos, como normalmente ocorre nas metodologias de avaliação tradicionais. Isso mostra que a análise dos resultados intermediários — como capacitações e conhecimentos — e dos resultados indiretos (spinoffs) é tão importante para a avaliação de programas de P&D quanto a avaliação dos impactos da inovação principal. A incorporação desses resultados à análise é fundamental para se apreender o real impacto e a verdadeira importância dos programas de P&D.

 

NOTAS

1) Hasegawa, Mirian (2005), Avaliação das capacitações e dos spinoffs gerados por programas de P&D: o programa cana do IAC, tese (doutorado), DPCT-IG- Unicamp.

2) Instituto Agronômico de Campinas. É um instituto de pesquisa pertencente ao estado de São Paulo.

3) Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo.

4) Em valores de abril de 2004.

 

Mirian Hasegawa é doutora em política científica e tecnológica pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências da Unicamp.

André Tosi Furtado é professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências da Unicamp.