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Inovação Uniemp

versión impresa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.2 n.4 Campinas sep./oct. 2006

 

 

China: crescimento industrial superior a 16% ao ano pode levar à crise de abastecimento energético

 

 

por THIAGO ROMERO

 

 

Durante a copa do mundo na Alemanha, a seleção brasileira aparentemente se considerou imbatível, treinou pouco, achou que poderia ganhar de qualquer outro time quando bem entendesse e foi eliminada. O mesmo acontece com o mercado: se as empresas não se preparam adequadamente, tendem a desaparecer. Sob o ponto de vista da produtividade, se estivessem disputando a copa, os jogadores chineses teriam grandes chances de erguer a taça. O país de maior população de todo o planeta, com cerca de 1, 313 bilhão de habitantes, impõe tantos desafios à indústria mundial que até mesmo as maiores potências econômicas precisam suar a camisa para acompanhar o ritmo frenético de produção asiático.

Baixos salários, produção em larga escala e estratégias governamentais que fomentam o setor produtivo a partir de políticas industriais eficientes são alguns fatores que explicam a forte competitividade da China no mercado mundial, fazendo com que a produção industrial do país consiga crescer mais de 16% ao ano. O índice subiu 16,2% em 2005, em comparação a 2004, e já cresceu 18,7% só no primeiro semestre de 2006. Outra vantagem competitiva é a taxa de câmbio, que mantém a moeda chinesa desvalorizada de modo a baratear os produtos. As longas jornadas de trabalho e o menor salário/hora do mundo são situações que acabam por atrair o investidor frente à baixa participação do custo trabalho na composição do valor do produto.

 

 

Com todos esses atrativos ao capital, a China recebe, por ano, mais de US$ 60 bilhões de investimentos estrangeiros diretos, oriundos de empresas globais que se estabelecem em território chinês interessadas também no enorme potencial de consumo de um mercado interno tão populoso. Estrategicamente instaladas no país, essas empresas se beneficiam do baixo custo da mão-de-obra em diferentes fases do processo produtivo. Esse barateamento dos fatores de produção acarreta, naturalmente, vantagens na escala industrial que atingem, melhorando suas performances como exportadoras mundiais. Calcula-se que, das 500 maiores multinacionais do mundo, 90% têm filiais na China. Ou seja, não é apenas o produto chinês que está sendo vendido a preços competitivos para o mundo, mas também as multinacionais usufruem desse cenário. Apenas para efeito de comparação, o Brasil recebeu, em 2005, US$ 15,5 bilhões de investimentos estrangeiros diretos, ou seja, pouco mais de 20% em relação ao recebido pela China.

"Esse tapete vermelho estendido aos potenciais investidores tem levado o país a obter novas tecnologias e criar competitividade em novos setores como, por exemplo, em produtos intensivos em pesquisa e desenvolvimento (P&D)", argumenta o diretor executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Coelho Fernandes. "E, igualmente importante, esses investimentos contribuem para o aperfeiçoamento da gestão empresarial das companhias chinesas, o que é fundamental para elevar ainda mais a produtividade no país", aponta.

A produtividade invejável, porém, não vem sendo acompanhada por um melhor padrão de qualidade. "A alta qualidade ainda não é a marca da China, mas é um alvo para o qual o país tem direcionado um esforço sistemático", afirma Fernandes. O economista Wilson Suzigan, do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concorda com a avaliação: "ainda não se pode dizer, de forma tão categórica e generalizada, que produtos chineses são de boa qualidade. Eles têm melhorado continuamente, mas ainda há muitos produtos de qualidade sofrível", afirma.

 

 

BRASIL NO PÁREO

A pauta de produtos brasileiros exportados para a China é marcada pela forte presença de itens de baixo conteúdo tecnológico e concentrado em poucos setores da economia. Enquanto mais de 30% no total das exportações brasileiras são constituídos por produtos de média e alta intensidades tecnológicas, para a China, esse percentual não chega a 15%. Diversificar essa pauta interessa ao Brasil, pois há muitos produtos em que o país é ainda mais competitivo que a China, como aviões, por exemplo. Fernandes acrescenta uma lista que inclui automóveis, madeira, açúcar, papel e celulose, soja e minério de ferro, de produtos viáveis para conquistar o mercado asiático. E recomenda: manter o crescimento da produtividade industrial, melhorar nossa infra-estrutura de logística e reduzir o custo- Brasil, que inclui elevada carga tributária, juros altos e moeda sobrevalorizada.

O diretor da CNI considera que existem três objetivos básicos a serem perseguidos pelos empresários brasileiros. O primeiro seria aumentar a venda de produtos nacionais no mercado interno chinês, a preços competitivos com relação aos demais países do mundo. "Mas um dos maiores impasses é a distância entre os dois países, além dos altos custos com burocracia, reconhece Fernandes. Competir com a China em terceiros mercados, que não o comércio bilateral, seria outro grande desafio para evitar o domínio dos produtos chineses. O terceiro ponto seria melhorar a competição com a China no mercado brasileiro. "As ameaças chinesas são crescentes, mas a nossa capacidade de competir não pode se pautar apenas no uso das medidas de proteção. As empresas nacionais precisam ser mais inovadoras", sugere o diretor executivo da CNI. "A China impõe pressa à nossa agenda de reformas e quanto mais lentos formos, maiores serão os custos de adaptação ao desafio chinês", alerta.

 

BRIGA PELO MERCADO

Diante desse cenário, a indústria brasileira tem respondido aos desafios, elevando a eficiência produtiva e criando estratégias de internacionalização menos episódicas e mais estruturadas. Os bons resultados dessa estratégia são comprovados com o aumento do coeficiente exportador do país: as exportações brasileiras para o gigante asiático têm sido superavitárias: em 2005, somaram US$ 6,8 bilhões; e, no primeiro semestre deste ano, já acumulam US$ 2,7 bilhões.

As empresas mundiais estão atentas à concorrência chinesa principalmente nos setores que demandam bens intensivos em trabalho, como têxtil, de calçados, brinquedos e produtos eletrônicos. Os chineses também têm se mostrado hábeis em adquirir conhecimento para a produção de itens mais sofisticados, o que se evidencia no aumento de sua participação no mercado mundial de máquinas, equipamentos e veículos. O ano de 2005 foi um marco para a China na indústria automotiva global. Nos primeiros dez meses do ano, o país registrou um crescimento de 134% nas exportações de veículos, em relação ao mesmo período de 2004. Segundo estimativa da maior estatal do setor, a Shanghai Automotive Industry Corporation (Saic), a China possui cerca de 120 fabricantes de automóveis e mais de 500 fábricas em funcionamento no país.

 

REALIDADE NACIONAL

Para Wilson Suzigan, da Unicamp, prioritariamente é preciso eliminar os atuais entraves ao desenvolvimento do setor produtivo nacional, enfrentando as políticas macroeconômicas extremamente conservadoras. "É a conhecida ladainha do real muito valorizado, o oposto do que a China faz com o yuan, dos juros muito altos e da excessiva carga de tributos incidentes sobre a produção", explica o economista. Em seguida vêm os problemas relacionados com a infra-estrutura: boa parte do que o Brasil tem de vantagem competitiva decorre da abundância de recursos naturais e disponibilidade de fontes de energia, o país perde por problemas como a deterioração das malhas viárias e dos portos mal aparelhados.

 

 

"Por conta disso, não vejo muita perspectiva de o Brasil continuar exportando produtos manufaturados para a China por muito tempo. Até porque no que eles ainda não têm condições de produzir, eles tratam de atrair empresas estrangeiras para se instalarem no país, como a nossa Embraer", explica. "Se o Brasil continuar com os atuais entraves ao desenvolvimento, fatalmente se consolidará, na melhor das hipóteses, como um fornecedor de matérias-primas e bens semi-elaborados". Suzigan acredita que não há como competir no mercado mundial sem investir pesadamente em ciência, tecnologia e inovação. "Ser competitivo implica em ser capaz de criar novos processos ou diferenciar produtos que criem seus próprios nichos de mercado, o que evita a competição apenas com base no preço", defende.

A falta de competitividade e a urgência pela redução de custos tem feito com que boa parte das empresas brasileiras optem, como estratégia de sobrevivência, por fabricar seus produtos em indústrias chinesas. Outras passam a importar componentes semi-elaborados e finalizam a fabricação em território nacional, e algumas acabam reduzindo drasticamente a produção, passando a comprar produtos chineses para comercializá-los com suas marcas. Por último há aquelas que simplesmente desistem de produzir e passam a só importar para revender.

"Um fabricante de equipamentos médico-hospitalares do Paraná havia mobilizado seu departamento de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para desenvolver um novo equipamento de alta tecnologia. Capacitou uma rede de fornecedores e, antes de iniciar a produção, descobriu que a China fornece o mesmo equipamento, com qualidade semelhante, por um terço do preço vendido no Brasil", cita Suzigan. Resultado: a empresa desistiu de produzir e passou a importar para revender o produto chinês. "Essa não é uma competição saudável, ao contrário, é uma grande ameaça que pode destruir capacitações nacionais em áreas estratégicas", lamenta.

 

RECURSOS NATURAIS LIMITADOS

Do lado da China o maior impasse é devido aos problemas de ordem ambiental e algumas restrições ao uso de energia. A dependência chinesa quanto a recursos naturais externos é de fato a principal barreira ao crescimento em longo prazo, e o Brasil representa uma fonte segura de abastecimento aos chineses nas próximas décadas. Segundo dados do Conselho Empresarial Brasil-China, entre 1989 e 2004 a China foi responsável por 56% do crescimento do consumo de minério de ferro em todo o mundo. Para os metais em geral como cobre, alumínio, zinco e níquel, a demanda chinesa pulou de 10% do total mundial em 1993 para 25% em 2003.

 

 

Sem contar que o crescimento da demanda chinesa em relação ao consumo de petróleo é atualmente superior a qualquer outra parte do mundo, fazendo com que seja preciso importar 40% desse insumo. Os especialistas estimam que a demanda chinesa continuará a crescer acima da média global e do ritmo de aumento da oferta nos próximos anos. Ou seja, a produtividade da indústria chinesa corre o risco de desacelerar em função de problemas de abastecimento, com a falta de petróleo e de uma série de minérios. "Os recursos naturais são uma vantagem competitiva do Brasil e cabe a nós montar as melhores estratégias para maximizarmos os resultados", conclui o diretor executivo da CNI.

Segundo Geraldo Spinelli Ribeiro, gerente de elevação e escoamento da Petrobras, o Brasil produz atualmente 2 milhões de barris de petróleo por dia e as reservas mundiais estão crescendo muito lentamente. "Muitos especialistas já previram, há mais de 40 anos, que justamente por volta de 2006 seria atingido o pico. E que a partir dessa data a produção de petróleo mundial começaria a ficar decadente", diz Ribeiro. Por outro lado, o forte crescimento econômico e industrial, principalmente de países como China, Índia e Rússia, está demandando matéria-prima a taxas incontroláveis, não só o petróleo, mas também madeira para a produção de papel, por exemplo, o que está ocasionando um impacto ambiental imenso nas florestas do leste asiático. Isso faz com que o preço do petróleo continue aumentando, prejudicando o mercado interno e externo. O barril custa hoje US$ 78,40 e acredita-se que dentro de poucos anos ele poderá chegar a US$ 100.

"Apesar desses aumentos, o petróleo vai continuar sendo a grande base da matriz energética mundial nos próximos 30 anos e muitas indústrias globais poderão depender de países como o Brasil para suprir essa demanda. Um bom exemplo é a China, cuja economia cresceu 11% no último trimestre. Isso é surpreendente e provoca um impacto ambiental imenso", alerta Ribeiro. "Apesar de ainda ninguém saber ao certo como esse tipo de problema ambiental e de abastecimento será solucionado, já estamos fazendo nossa parte com escritórios comerciais da Petrobras instalados em várias partes do mundo", finaliza.