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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.2 no.4 Campinas Sept./Oct. 2006

 

 

Redes virais e open spectrum: o futuro do compartilhamento

 

 

SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA

 

 

Dois fenômenos em curso poderão afetar profundamente o paradigma atual das comunicações: as redes virais e a radiodifusão inteligente. Sem dúvida alguma, o cenário da comunicação já havia sido enormemente afetado pela emergência das redes informacionais e pelo conseqüente crescimento da comunicação mediada por computadores. Tudo indica que a chamada revolução tecnológica será atingida por um outro processo revolucionário na área das telecomunicações.

Redes virais trabalham com as possibilidades anunciadas e não plenamente realizadas da comunicação wireless. Se nossos computadores possuem uma placa receptora e transmissora de sinais, o que impediria que um computador entrasse em comunicação direta com o seu vizinho sem ser obrigado a fazer seu e-mail viajar até um provedor distante para voltar até a alguns metros do local de onde a mensagem partiu? Ocorre que a atualmente nos comunicamos na internet sobre uma infra-estrutura física. Nossos bits navegam sobre as redes de telefonia que utilizam, em geral, uma topologia de rede chamada estrela. Nela existe um ponto central que recebe e transmite os dados que vêm de suas pontas. Os pontos não se comunicam diretamente.

Seria possível a montagem de uma rede mesh, onde cada ponto da rede pudesse se comunicar diretamente com todos os pontos que estão ao seu lado? Obviamente isso é possível com a comunicação sem fio. Se os algoritmos e tabelas de roteamento forem jogados dentro de cada computador, será dispensável recorrer a todo instante a um roteador central para localizar os endereços da rede. Assim, cada computador poderá transformar sua placa transmissora-receptora em uma placa também retransmissora de sinais. Este é o princípio da rede viral. Como um vírus ela usaria a máquina mais próxima para saltar para outra mais distante. A comunicação viral das redes mesh poderiam dispensar a infra-estrutura que sustenta hoje a comunicação mediada por computador.

Quanto maior for a massa de computadores que utilizam placas retransmissoras de sinais, mais rápida e consistente será a comunicação viral em uma determinada região. Atualmente, em uma rede ADSL, quanto maior o número de computadores que a utilizam simultaneamente, mais lenta ela é. Isso porque a banda vai sendo ocupada e dividida pelos seus usuários, o que implica em redução do número de bits trocados pelos mesmos naquele mesmo momento. No caso de uma rede viral, quanto maior o número de computadores nela conectados maior poderá ser a velocidade das mensagens, pois mais alternativas de curta distância poderão ser exploradas pelos roteadores.

Para evitar que os computadores desligados criassem grandes vazios onde a comunicação se perderia, é possível utilizar um módulo de energia que permitisse retransmitir sinais das máquinas vizinhas mesmo quando o computador estivesse desligado. Vários aparelhos eletrônicos, tais como vídeos e televisores ficam em stand by e podem entrar em operação a partir do uso de uma reduzida quantidade de energia.

Vários lugares no mundo já estão utilizando redes mesh de modo efetivo e experimental. A polícia de Garland, Texas, está testando uma rede mesh a partir da conexão entre seus veículos, torres de baixo custo instaladas na cidade e seu data center. Trata-se de uma rede mesh baseada na mobilidade. Em Ottawa, Canadá, a prefeitura está implantando, desde 2004, uma gigantesca hot-zone. A cidade de Baton Rouge, Lousiana, também está implantando uma hot-zone metropolitana, para o fornecimento de banda larga para todos os moradores e turistas. Algumas experiências também estão sendo realizadas no Brasil. A UFF construiu sua rede mesh e está formando uma grande zona de conexão aberta em seu campus. A cidade de Birigui, pólo calçadista do interior de São Paulo, também está implementando sua rede mesh.

 

INCLUSÃO DIGITAL

A grande vantagem de uma rede viral não está apenas a redução dos custos, mas nas grandes possibilidades de aplicação educacional e cultural. As escolas poderão utilizar intensamente a internet e repositários de conhecimento locais, nacionais ou mundiais, sem intermediários. Programas de rádio e TV sobre IP poderão se multiplicar e assegurar canais para a veiculação e incentivo da grande diversidadade cultural do nosso país. Jogos educativos e de entretenimento poderão ter seus usos alargados. A aposta de Negroponte no denominado computador de U$100, caso se consolide, permitirá viabilizar uma rede viral educacional, uma vez que cada laptop (um e-book conectado) das crianças portará uma placa capaz de viabilizar a rede viral.

 

 

A comunicação viral possui uma série de problemas técnicos, típicos de qualquer tecnologia que está se implantando. Tudo indica que nenhum deles poderá bloquear o seu avanço. O que impede a implantação de redes virais são problemas políticos e a tentativa de manutenção de modelos de negócios baseados nos velhos paradigmas. Imagine as possibilidades de redes virais somadas a uma TV digital com grande interatividade. Sim, caminhamos para a convergência entre o broadcasting e a comunicação em rede, seja fixa ou móvel.

Aqui é importante introduzir um debate que começou no final os anos 1990, nos Estados Unidos, e que está evoluindo, mesmo diante das tentativas dos grandes grupos de radiodifusão e entretenimento, de eliminá-lo da agenda e da pauta sobre as tendências tecnológicas emergentes. Falo do rádio inteligente que viabilizará o open spectrum.

O professor da New York University, School of Law, Yochai Benkler publicou, em 1997, o paper "Overcoming agoraphobia: building the commons of the digitally networked environment". Nele defendeu que era necessário repensar a ocupação do espectro radioelétrico e retirá-lo do domínio privado imposto por interesses econômicos, sustentados tecnicamente sobre tecnologias ultrapassadas. Benkler afirmou que seria possível "regular as transmissões wireless como um bem público".

Todo o sistema de concessões de rádios e TVs está fundado em torno da idéia da limitação do espectro, de sua escassez. Assim, somente é possível ocupar o espectro com um número reduzido de canais, do contrário, teríamos o mesmo efeito de uma sala cheia, onde todos falando ao mesmo tempo, levaria a completa impossibilidade de entender a fala de cada um. Os aparelhos receptores, tal qual o ouvido humano, não conseguiriam distinguir os sinais e prevaleceria o que chamamos de ruído. Assim, devemos tratar o espectro eletromagnético como uma via escassa para praticarmos a radiodifusão.

Entretanto, essa forma de ocupação do espectro é do início do século XX. Estamos no início do século XXI. Podemos ter aparelhos transmissores inteligentes que identificam faixas do espectro que estejam pouco congestionadas para efetuar sua transmissão, bem como, podemos ter receptores inteligentes que escaneam ou varrem o espectro a procura de determinada estação transmissora. A comunicação digital permite isso. Não existe mais a necessidade de entregar por 10, 15 ou 20 anos uma faixa de frequência para uso exclusivo de uma empresa de comunicação. Podemos transformar o espectro em uma via pública para a transmissão de sinais. Uma via de comunicação tal como uma avenida em que todos nós podemos passar e não somente alguns. Quando essa avenida estiver congestionada poderemos mudar de rota. O sistema de radiodifusão inteligente permite que o transmissor digital envie dados identificadores que assegurem a sua identificação pelos receptores, mesmo "quando mudarem de avenida", ou seja, de frequência.

Kevin Werbach deixa claro que o "espectro aberto" é um termo do guarda-chuva para inúmeros dispositivos não-licenciados de ocupação do espaço de transmissão. Uma dessas tecnologias permitiu que WiFi (/wireless fidelity/, um tipo de conexão de computadores sem fio) florescesse na faixa de 2.4 gigaHertz. Outra possibilidade é o mecanismo não licenciado, conhecido como underlay, tecnologias em faixas existentes que não interferem nos usos licenciados. Uma transmissão underlay pode ser realizada com um sinal extremamente fraco ou empregando os rádios ágeis, capazes de identificá-la e mover-se em torno das transmissões conforme essas vão mudando à procura de faixas não saturadas.

Esses avanços são indispensáveis para a democratização das comunicações. O paradigma do wireless estático pode ser substituído pelo dinâmico, com o uso de dispositivos inteligentes que ocupam a faixa menos usada para transmitir e que têm aparelhos de recepção que acompanham essa transmissão conforme ela se altera. Isso viabilizará o fim do controle dos canais de broadcasting pelos monopólios da comunicação unidirecional. Vários experimentos estão em andamento. Avaliar essas possibilidades é fundamental, neste ano em que novos legisladores serão eleitos e, necessariamente, terão que reformular o Código Brasileiro de Telecomunicações, um regulamento arcaico dos anos 60 do século XX.

 

Sergio Amadeu é professor do programa de mestrado da Faculdade Cásper Líbero.