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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.2 n.4 Campinas set./out. 2006

 

 

Petróleo: tecnologia de ponta e recursos humanos qualificados são pré-requisitos para a auto-suficiência

 

 

por GABRIELA DI GIULIO

 

 


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Chegamos à auto-suficiência do petróleo. A comemoração oficial deste marco significa, na teoria, que a quantidade produzida de petróleo bruto em território nacional deixou de ser inferior à quantidade necessária para atender a demanda, como acontecia desde o início da exploração do produto no Brasil. Na prática, a situação atual sinaliza que o país dispõe de um mínimo de garantias frente à vulnerabilidade na balança comercial de pagamento, às políticas restritivas de produtores de petróleo e às decisões estratégicas internacionais. Por trás dessa conquista, pesa uma antiga decisão tomada em 1953: a de que o petróleo era uma questão de Estado e, portanto, era preciso uma empresa pública para gerir as atividades do setor.

Nesses mais de 50 anos, desde que foi tomada tal decisão e se criou a Petrobras, diversos fatores contribuíram para que o Brasil chegasse à auto-suficiência. Persistiu-se com rigor na prospecção, apesar de diferentes sinalizações de que não havia petróleo em quantidade significativa no território nacional, e foi adotada uma política de risco, da parte dos governos e dos investidores, para a exploração e pesquisa de soluções tecnológicas que viabilizassem a produção no país, a partir de reservatórios profundos e de óleos não convencionais. Estes fatores são apontados por pesquisadores e empresários do ramo como decisivos para a inclusão do Brasil, hoje, no seleto grupo de países com auto-suficiência em petróleo, onde estão Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Iraque, Qatar, Egito, Argélia, Nigéria, Gabão, Angola, Venezuela, México, Equador, Malásia, Azerbaijão, Casaquistão, Canadá, Reino Unido, Noruega, Dinamarca e Rússia.

 

EXPLORAÇÃO EM ÁGUAS PROFUNDAS

Para Raimar Van Den Bylaardt, gerente de tecnologia do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), a auto-suficiência brasileira, do ponto de vista econômico, é uma conquista sobre um marco numérico móvel, pois consumo e produção de petróleo oscilam em função de diferentes fatores alheios à vontade nacional. Porém, sob o aspecto tecnológico, trata-se de uma conquista definitiva pois espelha o conhecimento e a competência desenvolvida no país para ultrapassar desafios próprios da geologia local e garantir a extração de petróleo em águas profundas (até a quase dois mil metros de profundidade).

A Petrobras, hoje responsável por produzir no Brasil 1,8 milhão de barris de petróleo por dia, tem seu marco da "independência petrolífera" na plataforma P-50, localizada no campo de Albacora Leste, na Bacia de Campos (RJ), considerada a unidade flutuante de maior capacidade do Brasil. Capaz de produzir 180 mil barris diários — a P-50 tem 337 metros de comprimento, com 21 metros de área submersa e 55 metros de altura, e representa o domínio estabelecido pela Petrobras em relação à exploração e produção de óleo e gás em águas profundas.

Até o final da década de 1960, a produção nacional era proveniente apenas de campos terrestres. Entretanto, como as pesquisas em terra não ofereciam respostas positivas, a Petrobras direcionou suas atividades de exploração e produção para o mar — uma técnica conhecida como off-shore — descobrindo petróleo em águas rasas no Nordeste brasileiro, em 1969. Na década seguinte, a empresa fez as primeiras descobertas de óleo e gás na bacia de Campos, que concentra hoje a maior produção do país e onde estão em operação 40% das 100 plataformas marítimas instaladas.

 

CENTRO DE PESQUISA

"A liderança mundial em tecnologia off-shore se deve aos investimentos e às pesquisas realizadas pela Petrobras por intermédio do seu centro de pesquisas com a participação de universidades brasileiras", aponta Bylaardt, do IBP. O Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo A. Miguez de Mello, o Cenpes, localizado na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, é reconhecido internacionalmente por sua competência e capacidade de inovação no que se refere à tecnologia de produção de petróleo em águas profundas.

 

 

O centro foi a mola propulsora para que o Brasil conseguisse atingir sua meta em relação ao petróleo. "A auto-suficiência aconteceu em função da tecnologia", reconhece Carlos Soligo Camerini, gerente de gestão tecnológica do centro. Segundo ele, os investimentos em tecnologia têm sido crescentes. Em 2006, o previsto apenas para essa área é da ordem de R$ 1,2 bilhão; no ano passado, o total foi de R$ 25,7 bilhões.

Os investimentos em P&D também são frutos de uma norma estabelecida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), desde 1997, que prevê que as concessionárias de exploração e produção de petróleo que atuam no Brasil devem investir nesse setor o equivalente a 1% sobre o valor bruto da produção de óleo e gás em campos com alta produtividade ou rentabilidade. A ação da ANP contribuiu de forma significativa para o fortalecimento do setor de pesquisa no país, especialmente pelo fato de que no mínimo 50% do montante a ser investido deverá ser na contratação de trabalho junto às universidades e centros de pesquisa credenciados pela ANP.

Nessa mesma direção atua o Comitê Gestor do Fundo Setorial do Petróleo (CTPetro), fundo estabelecido pela Lei do Petróleo, que destina parte dos recursos dos royalties ao Ministério da Ciência e Tecnologia para financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo e gás, por intermédio da administração da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

 

A FUNÇÃO DAS PARCERIAS

As parcerias com universidades e institutos de pesquisa têm sido destacadas nas conquistas do Cenpes e da própria Petrobras. "Quantificar a produção tecnológica fruto das parcerias é complicado, mas há uma cooperação forte com as universidades que já vem de longa data", ressalta Camerini. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, o Cenpes desenvolveu um trabalho em conjunto com o Centro de Estudos de Petróleo (Cepetro) que, segundo Camerini, deu uma boa contribuição, em pesquisas com óleos pesados.

A parceria começou em 1987, apoiando cursos de pós-graduação em ciências e engenharia de petróleo e os cursos de extensão de engenharia do gás natural e regulação no setor de petróleo, oferecidos pela universidade.

Para o pesquisador Celso Kazuyuki Morooka, do Departamento de Engenha-ria do Petróleo da Faculdade de Engenha-ria Mecânica da Unicamp, tais parcerias foram determinantes para se atingir o estágio atual da tecnologia em águas profundas e ultra-profundas. Devido à demanda por conhecimento multidisciplinar, esse tipo de tecnologia tem possibilitado a fomentação de pesquisas em diferentes áreas do conhecimento.

Essa política de investimento da estatal possibilita, ainda, a formação de recursos humanos especializados, fator fundamental para a continuidade do processo e para a aplicação dos resultados tecnológicos obtidos. Lairton Correa de Souza, gerente de gestão do efetivo da área de recursos humanos da Petrobras, destaca a implantação do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural — o Prominp — que visa dotar o país de uma massa crítica de trabalhadores, estimada em 70 mil profissionais, para atender a demanda do setor de petróleo e gás. O programa prevê o treinamento de 64 mil profissionais de nível básico e técnico e seis mil de nível superior, até o final de 2007, utilizando para isso escolas técnicas e universidades em pelo menos 12 estados brasileiros, nos quais serão implantados projetos de investimentos planejados para o setor.

 

 

Raimar Van Den Bylaardt, do IBP, diz que existe "um grande esforço" por parte do programa de recursos huma-nos da ANP para o setor petróleo e gás, com recursos do CTPetro, na formação e manutenção de uma rede de ensino no país. "O programa já investiu mais de R$ 70 milhões para a formação de técnicos, graduados, mestres e doutores para a indústria do petróleo, concedendo bolsas de estudo e aplicando recursos para a infra-estrutura dos cursos", acrescenta.

Apesar de tantas ações na área, Eloi Fernandez y Fernandez, diretor da Organização Nacional da Indústria de Petróleo (Onip), considera que um dos maiores problemas que persistem no setor, seja no Brasil ou no exterior, ainda é a formação de recursos humanos qualificados para acompanhar o salto tecnológico na produção de petróleo. "Leva-se muito tempo para formar um profissional qualificado, capaz de atuar em diferentes níveis, desde a área técnica à área tecnológica. Isso traz dificuldades para a indústria deste setor", diz.

 

COMO MANTER A AUTO-SUFICIÊNCIA?

Atingido o nível de atendimento do consumo interno, o desafio que se coloca é a sustentabilidade da auto-suficiência por um longo período. Para isso, analistas apontam que é preciso agir, de forma equilibrada, em três setores: investir para aumentar a quantidade de petróleo produzido nos campos já descobertos, encontrar novas reservas e pesquisar fontes alternativas.

"É preciso, também, fortalecer a ANP", considera o pesquisador Denis José Schiozer, do Departamento de Engenha-ria do Petróleo da Faculdade de Engenha-ria Mecânica da Unicamp. A agência precisa dispor de um quadro técnico altamente qualificado e estável, pois é responsável pelo planejamento estratégico que deve assegurar condições de as empresas investirem em exploração e produção no Brasil. "Deve, ainda, garantir que os recursos provenientes do petróleo — como royalties e participação especial — sejam aplicados em pesquisa, como propõe a lei de 1997", acrescenta.

O pesquisador Luiz Pinguelli Rosa, coordenador do Programa de Planeja-mento Energético da Coppe-Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) afirma que a garantia de sustentabilidade exige um plano de uso do petróleo, integrado a planos para outras fontes de energia. Para ele, essa é a única saída viável, já que o consumo de petróleo no Brasil tende a crescer. O pesquisador também acredita que falta, ao país, uma política estratégica para o setor de petróleo e gás natural. Essa política teria de agregar uma projeção contínua e permanente do consumo nacional de petróleo e seu crescimento, e fazer uma avaliação estratégica do quadro mundial do setor, incluindo a evolução do preço e a disponibilidade do produto. A partir disso, poderiam ser definidas as licitações de blocos exploratórios, de uma forma coordenada, baseada em parâmetros mais seguros.

Para Pinguelli, manter uma situação de auto-suficiência exige, ainda, a ampliação de reservas. Só assim, afirma, será possível evitar os gastos precoces das reservas existentes. Ele alerta, ainda, que a atual condição nacional não pode ser vista como uma forma de se obter mais dólares com a exportação de petróleo. "Tal prática seria uma irracionalidade. Não temos reservas para isso. Seria trocar o futuro pelo presente e arriscar a estabilidade conquistada", critica.

 

 

 

 

A Petrobras, de olho no prolongamento dessa autonomia, divulga que tem estabelecidos mais de 50 projetos de produção a serem implantados nos próximos anos, de forma a garantir a reposição de reservas e aumentar o volume a ser produzido. Segundo o diretor Guilherme Estrella, da área de exploração e produção, a empresa pretende adquirir novos blocos nas licitações que a ANP abrir e prosseguir os trabalhos exploratórios nas bacias já produtoras. A implantação de programas de revitalização dos campos maduros, visando aumentar o fator de recuperação do petróleo tanto em terra como no mar, também é uma estratégia da empresa.

Para Estrella, o esforço exploratório da companhia, nos últimos anos, tem levado à descoberta de volumes de óleo e gás suficientes para aumentar a produção, repor os volumes que foram produzidos e aumentar as reservas. "Com as descobertas já comprovadas, e em avaliação, é possível garantir a sustentabilidade da autonomia para os próximos 15 anos", considera.

Projetos que serão implantados até 2010 deverão garantir que as curvas de produção e consumo de petróleo se afastem cada vez mais. A previsão é de uma produção nacional média de 2,3 milhões de barris de óleo por dia e uma demanda de 2,06 milhões.

 

EMPRESA DE ENERGIA

De olho nesse cenário futuro, a Petrobras não pensa mais apenas no petróleo. A companhia passou a se auto-intitular como uma empresa de energia, a exemplo de outras petrolíferas internacionais, que investem na pesquisa e prospecção de outras fontes energéticas.

A crise do petróleo na década de 1970 empurrou as grandes empresas do setor para o primeiro movimento de investimento em outras formas de energia, como compensação por uma eventual redução do petróleo no longo prazo. Mas, com a queda dos preços do produto, na segunda metade da década de 1980, a idéia foi abandonada. "Recentemente, porém, retornou com mais força, não só diante das perspectivas de redução da disponibilidade de petróleo mundialmente, como também em função das pressões ambientais", observa Maurício Tomalsquin, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Hoje, mais de 60% do petróleo mundial está nos países árabes. Os Estados Unidos, embora um grande produtor, vem elevando o consumo e observando seu potencial petrolífero diminuir. O Mar do Norte parece estar com seus dias contados, em relação à exploração. A África vem ganhando destaque no setor, mas ainda enfrenta dificuldades, principalmente por conta da sua instabilidade política. "O cenário petrolífero é de incerteza e insegurança", aponta o pesquisador Newton Müller Pereira, do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp. "Se considerarmos que o consumo de petróleo e energia aumenta de 2 a 3% ao ano e que não há expectativas de novas regiões muito produtivas, podemos concluir que estaremos cada vez mais nas mãos dos árabes."

O prazo estabelecido por estudiosos é que as reservas conhecidas hoje resistem por mais 40 anos. Porém, na opinião de Müller, é mais provável que o uso do petróleo se inviabilize pelo preço e pelos problemas ambientais que acarreta, do que por sua inexistência. "Será que em 40 anos ainda vamos usar esse recurso como usamos atualmente?", questiona. "Novas energias têm surgido voltadas, especialmente, para o transporte, principal uso do petróleo hoje. Por isso mesmo, acho que é um certo mito dizer que o petróleo vai acabar". Para ele, na medida em que o preço do petróleo subir, haverá um incentivo ao uso de novas energias, como os biocombustíveis, energia eólica, gás natural, usinas termoelétricas.

 

MERCADO DE DERIVADOS

Para Celso Fernando Lucchesi, gerente executivo de estratégia e desempenho empresarial da Petrobras, no plano nacional, o mercado de derivados de petróleo deverá crescer em torno de 3% ao ano e seu comportamento será cada vez mais condicionado a uma maior competição, em função das energias renováveis e do gás natural na matriz energética.

Ainda em relação ao setor petrolífero nacional, Tomalsquin aponta que, mesmo com planos de investimentos jamais igualados em nossa história, dois problemas permanecem: o alto preço dos derivados, o que só poderá ser resolvido quando baixarem os preços internacionais, e a questão da oferta de gás natural, já que a produção doméstica não é suficiente para atender à demanda brasileira e o país ainda não tem equacionado um esquema seguro de importação do produto.