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Inovação Uniemp

versión impresa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.2 n.4 Campinas sep./oct. 2006

 

 

Pesquisa etnográfica mostra como os trabalhadores se vêem

 

 

por GABRIELA DI GIULIO

 

 

Alguns sinais de sucesso de uma empresa são evidentes, e fáceis de mensurar. O desafio é identificar dados imponderáveis que transformam o ambiente, as práticas de organização do trabalho e interferem na motivação. A antropologia tem sido a disciplina utilizada para se chegar a esse diagnóstico, em estudos que revelam características da empresa desde a sua concepção. O foco na dimensão da cultura empresarial é uma atitude nova que vai além de contabilizar investimentos em pesquisa e desenvolvimento, ferramentas novas de trabalho ou inovações em produtos e processos.

A cultura é comparada a uma nova tecnologia que influencia o processo de produção. Por essa razão o conhecimento crítico produzido pelas pesquisas etnográficas tem atraído o interesse de empresários em busca de opções novas para detectar e superar problemas, repensar políticas e evitar fracassos.

Tais estudos passaram a ganhar visibilidade a partir da década de 1980, em países como Estados Unidos, Inglaterra e França. No Brasil, o impulso foi dado pelo processo de globalização. O interesse em compreender que muitos dos problemas estão nos sistemas sociais internos ganhou força com a chegada ao país das filiais de grandes empresas internacionais, e com os processos de fusões e aquisições de indústrias.

Uma dessas linhas de pesquisa é desenvolvida por Guilhermo Raul Ruben, do Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da Unicamp, que criou em 1992, e coordena até hoje, um grupo de estudos cujo foco são as empresas e as diferentes formas de organização em seu ambiente de trabalho.

 

 

"CULTURA NÃO É FERRAMENTA DE FÁCIL MANIPULAÇÃO"

Várias empresas já foram pesquisadas pelo grupo da Unicamp — Banco do Brasil, Banco América do Sul, Construtora Odebrecht — que reúne pesquisadores de diferentes áreas, tais como antropologia, lingüística, economia e administração. O objetivo é realizar um estudo descritivo das relações sociais e culturais existentes em organizações empresariais brasileiras e internacionais.

"Essas empresas parecem já ter percebido não apenas a importância da dimensão cultural na dinâmica organizacional, mas igualmente identificam que a cultura não é uma ferramenta que pode ser manipulada de forma superficial", aponta o pesquisador Luciano D´Ascenzi. A cultura tem raízes profundas e complexas, e interpretá-la exige empenho em uma pesquisa de campo sistemática e de longa duração, a cargo de especialistas. A compreensão da cultura de uma indústria, por exemplo, fornece um contraponto às políticas organizacionais definidas, muitas vezes, de forma aleatória, nos gabinetes dos dirigentes, não raro com impactos extremamente negativos no ambiente e na performance da empresa.

"Compreender toda essa complexidade habilita os dirigentes para uma intervenção mais qualificada na organização", completa D´Ascenzi. Uma investigação da cultura empresarial envolve extensa pesquisa de campo, realização de entrevistas com informantes-chaves em diferentes posições na estrutura organizacional e observação participante, com a presença do pesquisador durante um prolongado período no cotidiano da organização.

 

QUEBRA DE IDENTIDADE

Mudanças organizacionais que resultaram na perda do sentido de pertencimento por parte dos funcionários e da identidade sócio-profissional foram algumas evidências detectadas durante a investigação etnográfica de um banco público estadual, realizada pelo pesquisador Alcides Fernando Gussi, também do grupo da Unicamp. Segundo ele, o estudo feito na empresa foi motivado, sobretudo pelo processo de mudanças pelo qual o banco passava, que envolvia contradições entre o público e o privado, o nacional e o estrangeiro no contexto de alterações estruturais que ocorriam na economia brasileira como um todo, e no setor financeiro, especificamente.

 

 

Para o pesquisador, os resultados da pesquisa antropológica mostraram que essas modificações feitas na empresa tiveram forte impacto na vida de muitos funcionários, tanto no aspecto profissional quanto familiar. As conclusões foram obtidas por meio de uma aproximação etnográfica, com a participação de Gussi em eventos coletivos das associações de funcionários, como confraternizações e festas, e em eventos sindicais, para entender como os funcionários, e os seus diversos grupos, representavam o processo de mudanças, seus embates e conflitos. Ele também realizou entrevistas com funcionários, com a intenção de ouvir suas histórias de vida na empresa e fora dela.

 

O CASO ODEBRECHT

A Construtora Norberto Odebrecht, do Grupo Odebrecht, também participou da pesquisa. A cientista social Alícia Ferreira Gonçalves realizou a etnografia da cultura empresarial do grupo e sua implementação no Brasil e no Peru. Ela estudou a chamada Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO) —uma tecnologia de gestão formulada em 1945 pelo fundador Norberto Odebrecht, composta por um conjunto de conceitos, princípios e valores que, segundo o discurso empresarial, regula, normatiza, orienta e unifica os procedimentos dos negócios nos vários contextos sócio-culturais onde o grupo atua.

A partir de pesquisas de campo nos dois países, observação dos canteiros de obras e entrevistas com o fundador do grupo e com profissionais que desempenham papéis diferenciados na empresa — incluindo diretores de contrato, diretores gerais, eletricistas e os chamados peões de obra — Alícia destaca a existência de uma cultura empresarial oficial, instituída pela empresa, e de uma cultura construída nas relações sociais, como principal resultado do estudo. "A aplicação da TEO em países distintos é mediada pela cultura e história local. Não existe uma interpretação homogênea sobre a TEO, os profissionais que atuam no universo empresarial interpretam-na a partir de suas respectivas posições na hierarquia da organização", afirma ela.

Em sua tese de doutorado que trata dessa questão, a pesquisadora pontua algumas das percepções obtidas. "A descentralização, a delegação planejada e a confiança no ser humano são princípios e valores construídos na ação e na relação entre líderes e liderados, portanto, trata-se de um processo. Ao longo do tempo houve uma re-significação desses princípios, eles permanecem e constituem a essência da TEO, trata-se da base que não muda nunca. No entanto, a forma de praticá-los se altera de acordo com as mudanças que ocorrem no mercado de engenharia e construção, na sociedade e na economia nacional e transnacional."

Márcio Polidoro, responsável pela comunicação empresarial do grupo Odebrecht e que acompanhou as investigações da pesquisadora, ressalta a importância de tal estudo, por trazer um olhar externo e isento sobre as formas de trabalho e modelo de gestão. "É uma visão de alguém que está fora da empresa e, portanto, não influenciada pelas práticas cotidianas. É um estudo de cultura empresarial com base científica", afirma. "Nós nos interessamos pela pesquisa e ela confirmou os nossos pressupostos: de que a TEO está a serviço do cliente, que temos uma filosofia, que pode até sofrer influências de aspectos locais, mas que não muda. Costumamos dizer que a tecnologia muda mas sempre sobre uma base estável", diz ele, ressaltando que o grupo Odebrecht tem serviços de engenharia espalhados por 17 países, entre América do Sul, América Central, EUA, México, Portugal, África e Emirados Árabes. O grupo emprega 35 mil funcionários e, em 2005, registrou um faturamento de cerca de R$ 23 bilhões.