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Inovação Uniemp

versión impresa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.2 n.5 Campinas nov./dic. 2006

 

 

Helena Hirata

 

Socióloga discute o desemprego e a questão de gênero no mundo do trabalho

 

 

por PATRÍCIA MARIUZZO

 

 

Em julho deste ano o IBGE registrou uma taxa de desemprego de 10,7%, acompanhada de queda na renda do trabalhador. Esta foi a maior marca desde abril do ano passado (10,8%). Os números brasileiros acompanham uma realidade mundial em que o desenvolvimento econômico está desvinculado da expansão dos empregos. A socióloga Helena Hirata, pesquisadora do assunto, trabalhando hoje na França, no Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) e na Universidade de Paris VIII, esteve em setembro no Brasil para participar do colóquio internacional "Novas formas do trabalho e do desemprego: Brasil, Japão e França numa perspectiva comparada". O evento divulgou os primeiros resultados do projeto desenvolvido entre 2001 e 2004 por pesquisadores do CNRS e da USP, que analisou os elos entre as mudanças na dinâmica capitalista e a configuração dos sistemas de emprego e das relações de trabalho, com especial interesse nas formas assumidas pelo desemprego. Um dos grandes paradoxos da globalização, além da diminuição na oferta de vagas em geral, é a criação de novos empregos com alto nível de precariedade, empregos parciais, nos países do Norte, ou informais, como acontece no Brasil. Outra questão polêmica apontada pela pesquisadora é a divisão sexual do trabalho: apenas com mais igualdade na distribuição do trabalho doméstico é possível superar a desigualdade entre os sexos no mercado profissional e acabar com os chamados guetos de trabalho feminino. Helena Hirata falou à revista Inovação Uniemp alguns dias antes da realização do evento, quando se deu, também, o lançamento do livro Desemprego: trajetórias, identidades e mobilizações, organizado pela pesquisadora e publicado pela Editora do Senac.

 

 

Quais as principais conseqüências da globalização para o emprego e para a divisão sexual do trabalho? Essas mudanças atingem todos os países, desenvolvidos ou não?

Helena Hirata: Uma das dimensões da globalização foi a adoção de políticas neoliberais pelos Estados nacionais. Essas políticas levaram à privatização de várias atividades realizadas tradicionalmente pelo setor público. E, embora tenham ocorrido em períodos diferentes, aconteceram em todo o mundo, tanto em países como a França como em países do hemisfério Sul. É o caso, por exemplo, da área de telecomunicações na Argentina e no Brasil. Com as privatizações houve diminuição significativa do número de empregos com o objetivo de aumentar a rentabilidade e diminuir os custos das empresas recém-criadas. Outra conseqüência sobre os empregos advém da expansão das novas tecnologias da informação e comunicação (NTIC). Isso possibilitou a criação de vagas em outros países como as que são oferecidas nos call centers na Argélia ou na Índia. Finalmente, uma terceira dimensão da mundialização é o novo papel dos organismos internacionais como ONU, FMI ou Banco Mundial que passam a criar políticas para serem praticadas em nível supranacional. Algumas dessas políticas dizem respeito, por exemplo, à regulação do trabalho feminino. Atualmente existe em toda Europa um programa para apoiar a conciliação entre trabalho profissional e trabalho familiar das mulheres. A crítica que nós podemos fazer é que as mulheres são diferentes de país para país e que a União Européia acaba igualizando o conjunto das mulheres da Europa quando há diferenças que não são levadas em consideração. Por exemplo, há países com maior número de mães solteiras que outros, alguns têm políticas familiares mais abrangentes etc. Um programa para toda a União Européia desconsidera as diferenças específicas na cultura de cada país.

 

 

Os efeitos da globalização são desiguais para o emprego masculino e o feminino. Houve retração no trabalho masculino, mas houve aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho. No entanto, a senhora diz que esse aumento é um dos paradoxos da globalização. Por quê?

Helena Hirata: Uma das conseqüências positivas da globalização foi a criação de empregos femininos em países do hemisfério Sul para mulheres que antes nunca tinham tido trabalho remunerado, como aconteceu no caso da transferência dos centros de telemarketing. Estes centros são filiais ou prestam serviços para grandes empresas da Inglaterra, França e Estados Unidos, por exemplo. Elas puderam então, pela primeira vez, sair de casa, ter uma renda, ter relações com outras trabalhadoras e formar redes de solidariedade. A conseqüência negativa, entretanto, é que esses empregos novos são vulneráveis e precários. Daí o paradoxo: a globalização cria empregos novos, o que é bom, mas, ao mesmo tempo, esses empregos novos são, em geral, precários. Nos países do Hemisfério Norte isso se traduz nos empregos em tempo parcial e nos países do Sul no aumento do emprego informal. Outra contradição que fica clara hoje é que, com a expansão das NTIC aumenta o número de trabalhadores isolados, por exemplo, pelo teletrabalho. São atividades feitas longe da empresa e que podem consumir entre 6 e 10% da mão-de-obra de certos países europeus. Por outro lado, paralelamente a esse processo que chamamos de atomização dos trabalhadores, a partir do ano 2000 é possível ver uma série de movimentos coletivos antiglobalização ou alterglobalização (outra globalização), como o Fórum Social Mundial e a Marcha Mundial de Mulheres.

O que é considerado trabalho precário?

Helena Hirata: É o trabalho que não tem proteção social, não tem garantias como aposentadoria, seguro-desemprego, seguro-saúde. Outro indicador é que ele tem poucas horas de trabalho o que significa uma renda menor. Um trabalho com pouca renda não pode ser um trabalho seguro. Um terceiro indicador do trabalho precário é a falta de qualificação que também gera baixa remuneração.

O trabalho em tempo parcial em países como França e Japão também se enquadra nessa classificação? Por quê? Isso vale também para o Brasil?

Helena Hirata: Trabalho de tempo parcial significa salário parcial. Na França as pessoas querem trabalhar em tempo integral, mas os empregadores oferecem, cada vez mais, apenas trabalhos em tempo parcial, o que torna este tipo de emprego compulsório para o trabalhador. As empresas, principalmente dos setores de distribuição e comércio, só oferecem trabalhos parciais, não por estarem em crise, mas por uma estratégia deliberada de aumentar a oferta de vagas. Essa política é corroborada pelo Estado francês que dá subsídios para as empresas que criam mais empregos em tempo parcial, isto é, trabalhos mais precários para diminuir a taxa de desemprego. No Japão existe o trabalho parcial, mas é um nome indevido porque esses empregos são, como no Brasil, empregos sem proteção social, em funções pouco qualificadas e ainda com uma carga horária de apenas uma hora a menos do que os empregos formais.

As mulheres aumentaram sua participação no mercado de trabalho, mas em que setores elas estão atuando? Houve diversificação ou ainda predominam os chamados guetos de trabalho feminino?

Helena Hirata: Os guetos femininos prevalecem, apesar de ter havido relativo aumento da diversidade de setores com presença feminina. No caso da França, por exemplo, permanecem os mesmos guetos que no Brasil, com maioria de mulheres trabalhando na educação como as professoras primárias e secundárias; na saúde, como atendentes de enfermagem e enfermeiras, no setor público de maneira geral nos trabalhos de escritório. Fundamentalmente os guetos femininos estão nas atividades que envolvem o care, isto é, cuidar das crianças, de pessoas doentes, de idosos. No caso do cuidado com a casa é o trabalho das empregadas domésticas que, no Brasil, representam 20% das mulheres que trabalham. Na França elas são 10% do conjunto das mulheres ocupadas. Nos trabalhos de care as mulheres reproduzem na esfera pública, de forma (mal) remunerada, o que aprenderam em casa por meio de uma formação profissional não reconhecida. Ao mesmo tempo há um processo de diversificação, que pode ser percebido no que algumas pesquisadoras chamam de polarização do trabalho feminino onde temos pelo menos dois pólos. Um deles minoritário que congrega pelo menos 10% das mulheres. São as que trabalham em profissões de nível superior: advogadas, médicas, jornalistas, executivas, professoras universitárias etc. Em outro pólo temos a maioria das mulheres ocupadas, mas, neste lado, com salários baixos, pouca valorização, trabalho por tempo determinado, informal ou em tempo parcial. Essa situação permanece porque a referência dessas atividades ainda é o trabalho doméstico gratuito. Uma mudança que promova a valorização dos trabalhos de care, só poderá acontecer quando homens trabalharem no cuidado das crianças, idosos, doentes etc, como as mulheres fazem. Só quando essas atividades forem mistas chegaremos a um novo paradigma de relações de trabalho. Eu acho que a divisão sexual do trabalho doméstico está na raiz das diferenças que existem hoje no mercado de trabalho, na esfera de poder das empresas, nos Estados e no plano do saber.

 

 

E sobre a diferença de salários? Isso acontece também nos outros países que a senhora estudou?

Helena Hirata: Eu não conheço nenhum país do mundo onde as mulheres ganhem mais ou igual aos homens. Na França elas ganham 25% a menos nas mesmas posições. No Brasil a diferença é um pouco maior, em torno de 35%, no Japão é maior ainda, chegando a 50%. O percentual de diferença varia, mas a diferença existe em todos. As maiores disparidades ocorrem entre os executivos. Mulheres e homens executivos apresentam diferenças bem maiores de salário do que os empregados que trabalham em níveis hierárquicos mais baixos.

Que transformações foram impulsionadas pelas mudanças tecnológicas e organizacionais para os trabalhadores empregados?

Helena Hirata: No modelo fordista-taylorista o trabalhador era um mero executor de tarefas. Hoje a divisão social do trabalho é menor e, com isso, cada função concentra grande responsabilidade. Nos novos modelos de organização o trabalhador cuida não só da produção em si, mas também é responsável pela manutenção, pela qualidade e pelo controle do processo, enfim pela gestão da produção. Temos um processo de intensificação do trabalho, que é, no fundo, a conseqüência das empresas terem enxugado seus quadros, para aumentar a rentabilidade. Para os empregados a conseqüência disso é a doença, mental (estresse) e física .

As condições de trabalho das mulheres hoje podem ser um sintoma de como serão as relações de trabalho de todos no futuro, homens e mulheres?

Helena Hirata: Sim, podemos dizer que a mulher é uma espécie de cobaia nesses novos modelos de produção. A vulnerabilidade e precariedade que a maioria delas experimenta hoje em seus empregos pode ser um modelo de como serão as relações de trabalho de todos no futuro. Mas, por outro lado, temos que considerar os movimentos sociais contra o trabalho precário, as políticas públicas contra a precarização e contra a flexibidade e também a política das empresas, isto é, com que grau de estabilidade elas vão contratar sua mão-de-obra no futuro.

 

 

No caso dos movimentos sociais podemos citar o recente movimento que ocorreu na França contra a Lei do contrato do primeiro emprego. Mais de um milhão de pessoas foram às ruas, num movimento pluriclassista cuja mensagem era clara: "não queremos trabalho precário para os nossos filhos". Se houver muitos movimentos desse tipo não será fácil que o modelo de trabalho precário seja um modelo para todos na sociedade, no mundo desenvolvido ou não. Em relação às alternativas institucionais, juristas do trabalho e economistas propõem o que eles chamam de flexi-segurança. Países como a Dinamarca já testam este modelo no qual um conjunto de empregadores emprega um trabalhador,dá uma parte do salário como subsídio para o Estado que, então, redistribui esses recursos. Com isso a pessoa tem uma renda garantida durante todo o seu percurso profissional, independentemente da sua situação: empregado, desempregado, em reciclagem profissional, cuidando dos filhos etc. O problema da proposta é que ela só é possível em países onde há um sistema de previdência sólido para repassar tais recursos. Outra conseqüência é que se antes os estatutos que garantiriam segurança e estabilidade para os trabalhadores eram coletivos, as novas propostas caminham para individualização, característica que já é clara hoje na definição de salários e benefícios. É evidente que esse cenário enfraquece os sindicatos.

De que forma países como França, Japão e Brasil lidam com a crise de desemprego?

Helena Hirata: Fazendo uma síntese dos resultados da pesquisa entendemos que na França já há políticas públicas bastante estruturadas por meio da Agência Nacional para o Emprego (Anpe), para ajudar categorias mais vulneráveis, como é o caso das mulheres, dos jovens e dos imigrantes. No Japão, as políticas ainda são muito incipientes, até porque lá o desemprego em massa é um fenômeno mais recente. As empresas japonesas tiveram e têm um papel mais forte dentro da política de criar empregos e garantir proteção social: lá ainda é comum a grande empresa oferecer moradia para o empregado, portanto, quando ele é dispensado, aumenta, também, o número dos sem-teto. No Brasil a peculiaridade é que família, igrejas e vizinhos formam as redes de solidariedade, muito importantes para enfrentar o problema do desemprego.