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Inovação Uniemp

versión impresa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.2 n.5 Campinas nov./dic. 2006

 

 

Vale da Eletrônica: um pólo tecnológico que tem dado certo

 

 

por GABRIELA DI GIULIO

 

 

À primeira vista parece mais uma típica cidadezinha do interior mineiro, com uma bela paisagem de morros e plantações de café. Porém, a verdadeira vocação de Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais, já há algum tempo, é desenvolver novas tecnologias. A agropecuária, ainda importante atividade econômica na região, foi cedendo espaço para o mundo tecnológico desde que, há 47 anos, foi criada a primeira Escola Técnica em Eletrônica (ETE) da América Latina — a ETE Francisco Moreira da Costa. Hoje, a cidade de 40 mil habitantes, abriga mais de 120 micro e pequenas empresas, nos ramos de eletrônica, telecomunicações e informática, e a expectativa é de expansão, devido à criação de um parque tecnológico e de um condomínio de empresas nos próximos meses. Conhecida como Vale da Eletrônica, denominação que surgiu em meados da década de 1980, a cidade é um modelo de Arranjo Produtivo Local (APL) bem-sucedido.

A consolidação de Pólo de Desenvolvimento Tecnológico depende da parceria existente entre governo, instituições de ensino e pesquisa e empresas. Esse esquema — conhecido pelo nome de "hélice tríplice" — está presente em Santa Rita do Sapucaí há várias décadas. Outras instituições foram criadas — o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) e a Faculdade de Administração e Informática (FAI), ambos privados — e a cidade acompanhou a criação de novas empresas que nascem pequenas, com dois ou três funcionários mas, favorecendo-se do ambiente gerado por um APL, crescem e se firmam no mercado.

 

 

O grupo FIC/Phihong é um dos exemplos desse ambiente propício existente na região. A empresa nasceu em 1986 a partir de um projeto desenvolvido por quatro ex-alunos do Inatel para uma feira tecnológica da instituição. Hoje conta com quase 2,5 mil funcionários em sua matriz de Santa Rita e três outras unidades que fabricam placas-mãe, fontes de alimentação para PC, no-breaks, acessórios para celulares, entre outros produtos da mesma linha. No começo, lembra o presidente Luciano Lamoglia, os jovens engenheiros contaram com o suporte do Inatel, que forneceu sala e equipamentos. Como a produção de fontes de alimentação começou a dar certo, eles conseguiram o apoio do poder público local que bancou por um ano o aluguel de uma casa para a nova sede da empresa. Ocupando uma casa e cinco garagens, os engenheiros perceberam que era chegado o momento de partir para algo maior e melhor estruturado. O terreno foi doado pela prefeitura e o financiamento obtido junto à Federação das Indústrias de Minas Gerais, facilidades que viabilizaram o estabelecimento da empresa como fabricante de fontes de alimentação e energia para indústrias de telecomunicações do país.

 

DIVERSIFICAR A PRODUÇÃO

Após a privatização da Telebrás e conseqüente queda inicial no setor de telecomunicações, percebeu-se a necessidade de ampliar a gama de produtos fabricados. Lamoglia diz que a empresa começou, então, a fabricar recarregadores de celular e, para competir no mercado e atrair clientes grandes como Nokia e Motorola, fechou uma parceria internacional, em 2000, quando o nome PWM mudou para FIC/Phihong, devido à joint venture formada com o grupo chinês. É uma parceria que tem dado certo, diz seu presidente: "temos crescido 30 a 40% ao ano, ampliamos a linha de produtos, o número de funcionários e o faturamento deve atingir R$ 220 milhões este ano".

"Diferentemente de outras experiências brasileiras, em Santa Rita as escolas tiveram que gerar em seus laboratórios as empresas com as quais iriam interagir no futuro. A relação orgânica de empresas com uma boa estrutura de ensino e pesquisa possibilita absorver, gerar e difundir conhecimentos especializados, de forma sistêmica e regular, para um setor de produção, nos seus produtos e serviços, e caracteriza o primeiro momento do APL", afirma Elias Kallás, titular da Secretaria de Ciência e Tecnologia do município. "Outros fatores, ainda, como a formação de uma cadeia produtiva e a ação articuladora do governo são a base da consolidação do pólo", acrescenta o secretário.

 

 

Para o município esta sinergia resulta num PIB (Produto Interno Bruto) de R$ 900 milhões e numa arrecadação de R$ 30 milhões ao ano para a prefeitura. O setor industrial é responsável por R$ 550 milhões do PIB — o café responde por R$ 235 milhões, o leite por R$ 14 milhões e o setor de comércio e serviços por R$ 101 milhões. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade é 0,82, similiar ao dos cinco estados com maiores IDH no Brasil: Distrito Federal (0,844), São Paulo (0,814), Rio Grande do Sul (0,809), Santa Catarina (0,806) e Rio de Janeiro (0,802).

As micro e pequenas empresas instaladas em Santa Rita do Sapucaí geram mais de sete mil postos de trabalho, empregando metade da população economicamente ativa do município, além de moradores da região. Para capacitar a mão-de-obra local o município conta com três instituições de ensino superior, dois colégios técnicos, quatro escolas estaduais e 12 municipais, estas últimas apenas de ensino fundamental. A prefeitura, através da Secretaria de Ciência e Tecnologia, criada em 2005, mantém o Centro Vocacional Tecnológico com cursos gratuitos para capacitar trabalhadores para as indústrias locais.

O movimento empreendedor no município se sustenta numa estrutura que envolve incubação de empresas, ambiente acadêmico e forte apoio de instituições como Sebrae, Senai, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e órgãos do governo federal. "Mais recentemente a prefeitura municipal, percebendo a importância do fenômeno para a economia local, chamou para si a responsabilidade de criar as suas incubadoras", diz o secretário de C&T. Desde 1999 funciona na cidade a Incubadora Municipal de Empresas de Tecnologia da Informação (TI). Nela já foram incubadas 24 empresas (16 dessas já graduadas) e 500 postos de trabalho foram gerados. O faturamento anual é de R$ 1,8 milhões. Para aumentar esses números a prefeitura está criando mais três incubadoras — de eletrônica industrial, software e agronegócios. A expectativa é de que, até o final do ano, passem por elas 40 empresas.

 

 

INVESTIMENTO RECONHECIDO

A Leucotron Telecom é outro fruto do ambiente tecnológico favorável presente em Santa Rita do Sapucaí. A história da criação da empresa, hoje especializada no desenvolvimento de soluções integradas de telecomunicações para corporações e mercado SOHO (Small Office/Home Office), é similar a de tantas outras. Surgiu também da idéia de dois formandos do Inatel. A diferença é que os dois moravam e trabalhavam em São Paulo, mas tinham a idéia de abrir uma empresa na cidade mineira, a fim de melhorarem sua qualidade de vida. A empresa foi criada em 1983, voltada apenas para a fabricação de produtos da área médica. Dois funcionários davam conta do recado. Em 1988, com a explosão das telecomunicações, os engenheiros perceberam o novo filão de mercado e focaram a fabricação de seus produtos nessa área. "Um dos segredos do sucesso da empresa, hoje com 157 funcionários, foi a divisão, desde o início, das tarefas que caberiam a cada um dos sócios: um na área técnica; o outro gerenciando os negócios", lembra Marcos Goulart Vilela, um dos fundadores.

 

 

"No início, a Leucotron era, por falta de opção, uma empresa verticalizada porque havia poucas empresas no município. Depois, o número de novos empreendimentos foi crescendo. As pessoas se conheciam e tinham um bom relacionamento. Uma empresa ajudava a outra e isso gerou um ambiente favorável". "Porém, acrescenta Vilela, com a expansão do pólo, essa difusão de conhecimento tácito foi ficando mais difícil". "O crescimento de uma APL traz aspectos positivos e negativos, e em Santa Rita do Sapucaí isso não é diferente. Hoje, há empresas que concorrem entre si e competem por mão-de-obra, mas o aspecto importante é que esse crescimento gera uma onda em que todos têm que se desenvolver para se manter". Ele ressalta, no entanto, a necessidade de cuidar da infra-estrutura da cidade. "O poder público tem que olhar com objetividade para a expansão do Vale da Eletrônica; se o crescimento trouxer prejuízos é melhor freá-lo", considera.

 

 

 

 

A Leucotron Telecom foi eleita neste ano como uma das 100 melhores empresas para se trabalhar no Brasil, segundo o Great Place to Work Institute — considerada uma das principais consultorias do assunto no mundo. A empresa investe 7% do seu faturamento em P&D. A parceria com o Inatel, através do uso de laboratórios e equipamentos, e o apoio inicial que a prefeitura deu à empresa, com a doação de um terreno para a construção da sede, são fatores que pesaram na consolidação da empresa, reconhece Vilela.

 

O NOVO DESAFIO DA TV DIGITAL

O próximo desafio de Santa Rita do Sapucaí é integrar o processo produtivo da entrada do Brasil na era da televisão digital. O Inatel trabalha há mais de sete anos com P&D na área de comunicação digital, num consórcio onde estão Unicamp, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Cefet do Paraná. O grupo de pesquisa já desenvolveu um sistema de modulação com inovações que podem ser aproveitadas por todos os padrões de TV digital existentes. O Instituto também oferece desde 2004 em São Paulo, um curso de pós-graduação em sistemas de TV digital.