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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.2 n.5 Campinas nov./dez. 2006

 

 

Panorama da inovação em saúde no Brasil

 

 

CARLOS JOSÉ SALDANHA MACHADO, MÁRCIA DE OLIVEIRA TEIXEIRA e BIANCA ANTUNES CORTES

 

 

O setor de saúde no Brasil mobiliza hoje entre 7,5% e 8% do PIB, sendo cerca de 40% desse esforço oriundo do setor público. Além de uma imensa rede de assistência, segmentada em unidades de baixa, média e alta complexidade, ele compreende um segmento industrial intensivo em tecnologia, responsável pela fabricação de medicamentos, dispositivos para diagnóstico, equipamentos, vacinas e hemoderivados. Atualmente, 80% da produção nacional é realizada por subsidiárias de empresas de capital privado internacional, enquanto 20% é gerada por empresas públicas e privadas de capital predominantemente nacional. As tecnologias de produção e os produtos são resultantes de acordos de transferência de tecnologia, restringido a ação dos departamentos de desenvolvimento tecnológico (públicos e privados) à realização de adaptações às condições sanitárias e econômicas locais.

Ao mesmo tempo, a partir dos desdobramentos da biologia molecular, a base científica do setor saúde vive um intenso processo de transição tecnológica dominada pela emergência da proteômica, da genômica, da bioinformática e da nanotecnologia. Em tela o desenho de novos produtos e processos de produção, de novas metodologias para a prevenção, o tratamento e o diagnóstico de doenças transmissíveis e não transmissíveis (tanto as negligenciadas como as doenças urbanas emergentes). A transição tecnológica vem estimulando a pesquisa em saúde em muitos campos, a exemplo do estudo das doenças transmissíveis, entretanto tem gerado repercussões no acesso às novas tecnologias, seja através da elevação dos preços dos produtos, seja pela multiplicação dos mecanismos de proteção ao conhecimento.

Em função desse contexto socioeconômico e técnico-científico, nos últimos anos, a necessidade de conectar a discussão da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico à política nacional de saúde ganhou expressão no setor, revertendo, assim, a posição secundária que a discussão das atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico ocupou no processo da reforma sanitária; embora, a ciência e a tecnologia em saúde sejam componentes da política nacional da área e do Sistema Único de Saúde. Entre outras iniciativas, destacam-se a organização da II Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, a estruturação da Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde e o financiamento à atividade de C&T em associação com o CNPQ / MCT.

Essas iniciativas estão em sintonia com ações no âmbito da política nacional de ciência e tecnologia. Desde o final da década passada, o governo federal vem promovendo mudanças no rumo da política científica e tecnológica no sentido de reforçar o componente tecnológico. Para tanto, entre outros aspectos, elegeu a ampliação da participação do setor empresarial privado nas ações de P&D e a articulação entre as atividades de pesquisa com a produção industrial. A regulamentação do funcionamento das parcerias público-privado, bem como o estabelecimento de uma política nacional para a indústria, a tecnologia e o comércio exterior consolidou-se com a promulgação da Lei de Inovação em dezembro de 2004. Porém, algumas ações são particularmente estratégicas para situarmos o atual contexto do setor saúde, por provocarem um reordenamento da atividade tecnológica realizada pelos institutos públicos de pesquisa em saúde. Destacamos: a) a criação de Fundos Setoriais em Saúde e em Biotecnologia, geridos pela Finep; b) a abertura de linhas de créditos, a exemplo do Pro-Farma pelo BNDES; c) a regulamentação do FNDCT; e d) o Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (Pasni), que permitiu aos produtores públicos de vacinas e hemoderivados aumentarem sua produção e adequarem suas instalações aos padrões internacionais de qualidade.

Porém, o elemento singular desse contexto é a emergência das noções de inovação e de sistema nacional de inovação. Essa emergência sinaliza a preocupação com a aceleração e a intensificação do desenvolvimento de tecnologias com alto potencial de absorção pelo setor produtivo nacional e, em particular, pelo SUS; bem como, com a estruturação de organizações voltadas para a inovação, organizações que, entre outras características, deveriam estimular o desenvolvimento de uma alta capacidade de cooperação interna e externa, a partir da organização de extensas redes cooperativas para incrementar a concepção, a difusão e a transferência de conhecimentos e tecnologias. A noção de inovação procura expressar a ênfase na pesquisa tecnológica afinada com a estrutura de produção para o mercado mundializado. De sorte que o objetivo das ações governamentais é acelerar o processo de estruturação do sistema nacional de inovação, fortalecendo as atividades de pesquisa tecnológica e de inovação dentro das instituições públicas de pesquisas.

 

 

Esse conjunto de ações e o próprio contexto técnico-científico em saúde têm um impacto significativo nos institutos de pesquisa. Porém, interessa-nos destacar um em especial. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que completou 106 anos em maio do corrente ano, é a maior instituição pública de pesquisa em saúde do Brasil atuando na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico nas áreas das ciências da saúde (pesquisa clínica e em saúde pública), das ciências biológicas (pesquisa em biociências), além das ciências sociais e humanas em saúde. Entre outras contribuições para o fortalecimento do setor, a Fiocruz teve uma participação estratégica no desenho do modelo de organização do sistema de saúde nacional, no delineamento da política de saúde e do processo político da reforma sanitária.

Desde 2001, a Fiocruz soma esforços ao movimento do governo federal no tocante ao fortalecimento das atividades de pesquisa tecnológica e de inovação. Entre outras iniciativas, a Fundação lançou-se na estruturação de Programas de Indução à Pesquisa em Insumos e em Saúde Pública (PDTIS e PDTSP), a remodelação do seu setor de Gestão Tecnológica e a criação do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS). Estas ações configuram um redirecionamento da política institucional de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico. Mas, em contrapartida, conduzem à necessidade de construção de uma política industrial capaz de regular as atividades das unidades fabris ligadas a Fiocruz e sua articulação com as unidades de pesquisa, em termos de propriedade intelectual, financiamento e organização da demanda.

À guisa de conclusão, consideramos que este processo de redirecionamento da política institucional de P&D da Fiocruz vem sendo produzido a partir das tentativas de articulação de dois grandes discursos estruturantes: 1) um, que enfatiza a necessidade imperiosa de se organizar um sistema nacional de inovação em decorrência da emergência da inovação marcada pela lógica do mercado globalizado e extremamente competitivo, pela homogeneização de políticas regionais, pela organização de agendas de pesquisa internacionais, pela perda de centralidade do Estado-Nação, além dos arranjos flexíveis entre o público e o setor produtivo privado nacional e/ou internacional; 2) outro, que reafirma os princípios e a lógica operativa da reforma sanitária, expressa em torno de um sistema de saúde público, gratuito e estatal, capaz de fomentar a heterogeneidade sociocultural, as diferenças regionais, inclusive em termos de gestão e de composição entre o público e o privado, bem como as demandas e os problemas locais de saúde. As condições de possibilidade dessa articulação estão relacionadas aos efeitos e à dinâmica das alianças estratégicas mantidas com grupos e com atores locais ligados ao sistema de saúde e ao sistema de C&T, além da capacidade da Fiocruz realizar novos arranjos em sua ação política, materializada em suas práticas de gestão, projetos e objetivos.

 

Carlos José Saldanha Machado, Márcia de Oliveira Teixeira e Bianca Antunes Cortes são pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz - Rio de Janeiro

 

 

NOTA

Este artigo apresenta resultados de pesquisa de dois projetos financiados pelo CNPq [2006-2008]: "Ciência, tecnologia e inovação em saúde: uma análise socioantropológica da política de C&T&I da Fiocruz" e "Redes cooperativas e inovação em saúde pública: estudo de caso do processo de construção social, coletivo e local da Rede vacinas recombinantes e DNA da Fundação Oswaldo Cruz".