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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.2 no.5 Campinas Nov./Dec. 2006

 

 

Ambiente para inovar: análises e reflexões

 

 

PAULO RENATO MACEDO CABRAL

 

 

Dados do National Science Indicators (NSI) do Institute for Scientific Information, (ISI), apontam que o Brasil produz 1,8% do conhecimento mundial. Atingimos um patamar satisfatório em publicações científicas, ultrapassando países mais ricos e organizados que nós. Mas será que nossos indicadores de publicação poderiam ser melhores, independentemente de novos investimentos? Como? A "indústria" do conhecimento brasileira concentrada nas universidades e centros de pesquisa públicos tem seus pesquisadores trabalhando de forma distribuída, o que é positivo, pois esse modelo evita concentrações e desequilíbrios. Por outro lado, a forma de trabalho dos "trabalhadores do conhecimento" é pouco interativa, não se sabe quem faz o que e para que faz. Esses, dentre outros fatores, contribuem para que exista uma grande dificuldade em identificar quais as principais pesquisas em desenvolvimento nas universidades, quem são os pesquisadores, quais as principais descobertas e as possibilidades de aplicação. Em síntese, a gestão sobre a produção do conhecimento tem que ser melhorada. Ainda são poucas as iniciativas de acompanhamento e monitoramento dos projetos de pesquisa, equipamentos são comprados em duplicidade, a infra-estrutura dos centros é pouco compartilhada e os resultados dos projetos científicos raramente são cobrados.

Uma das conseqüências da introdução de processos de gestão dos projetos de pesquisa desenvolvidos pelos centros de conhecimento no Brasil seria a criação de um grande banco de dados, ou catálogo, que permitiria o acesso a esse conhecimento pela população ou por empresas, que poderiam utilizar essas informações para gerar novas idéias, propor novos projetos de pesquisa e desenvolver parcerias em projetos de inovação tecnológica com os centros de conhecimento.

Não são apenas os indicadores de produção de conhecimento que reagem negativamente à falta de gestão da pesquisa científica. Nossos indicadores de inovação tecnológica e depósito de patentes nem aparecem na maioria dos estudos e estatísticas mundiais sobre o tema. No Brasil o trinômio ciência, tecnologia e inovação chega ao século XXI com inúmeros desafios a vencer, a saber, elevar o patamar de nossa produção científica, proteger e tangibilizar nosso conhecimento tornando-o acessível à sociedade por meio de novos produtos/processos ou empresas. Seguindo essa lógica, para que o conhecimento gerado nos centros de pesquisa sejam "embarcados" em produtos ou processos inovadores é necessário fortalecer e facilitar as relações entre universidades e empresas. Infelizmente constatamos que empresas e universidades trabalham de forma dissociada. As dificuldades de relacionamento, a falta de comunicação, os objetivos aparentemente conflitantes, as diferentes visões, os descompassos de tempos e movimentos colocam empresas e universidades em lados opostos do que podemos chamar de um "grande vale". As relações ainda são pessoais entre pesquisadores com perfil empreendedor e empresas com estratégias voltadas à inovação. As relações formais, chamadas institucionais, são raras e, quando acontecem, instrumentalizam-se por meio de convênios burocráticos pouco pragmáticos.

O mercado global começa a transformar esse cenário de relação entre as empresas e universidades. De um lado temos as empresas que, passada a era da qualidade, percebem agora, na inovação, o novo diferencial competitivo e, para inovar — fazer algo realmente diferente que gere benefício econômico — o conhecimento de alto valor agregado torna-se uma matéria-prima básica. No Brasil esse conhecimento está hoje concentrado na academia.

Do outro lado do "vale", as universidades começam a se abrir para a inovação, editais públicos de pesquisa valorizam, em seus critérios de julgamento, a interação dos grupos de pesquisa com empresas, uma nova geração de pesquisadores começa a ter voz nos departamentos dos centros e institutos científicos, cientistas com a visão de que é possível pesquisar temas relevantes, produzir publicações com qualidade, patentear e gerar riqueza. Falta pouco para que antigas regras, preconceitos e paradigmas mudem, permitindo que mais cientistas empreendedores e empresários visionários possam trabalhar em conjunto em projetos inovadores.

Por outro lado, muitas universidades brasileiras, de forma pioneira, abriram espaço para que esses cientistas empreendedores pudessem criar empresas. As incubadoras de empresas, por exemplo, são instrumentos importantes de apoio à inovação que vêm se consolidando no país, mas que ainda necessitam melhorar seus indicadores. Duas mudanças chave seriam a captação de clientes e o modelo de sustentabilidade. Os gestores de incubadoras deveriam prospectar ativamente projetos de pesquisa, nos laboratórios das universidades, com potencial de se tornarem empresas spin offs, e também promover programas que despertem o empreendedorismo adormecido nos acadêmicos. Na prática, entretanto, o que ocorre é que muitas incubadoras esperam passivamente o recebimento de projetos inovadores para incubação. Com pouca capilaridade nos laboratórios de pesquisa da universidade e baixa interação com grandes empresas, que poderiam financiar novas empresas para aquisição de tecnologia ou até mesmo gerar spin offs empresariais, os gestores de incubadoras utilizam grande parte de seu tempo e inteligência na busca de recursos governamentais e editais públicos para financiarem suas atividades, muitas vezes desconectadas das reais necessidades das empresas incubadas. Mantendo em seus conselhos somente representantes da academia, instituições de fomento e do governo, as incubadoras perdem oportunidades por não darem espaço para a iniciativa privada, para executivos de grandes empresas ou empreendedores de sucesso que poderiam redefinir os rumos da incubação, abrindo novas redes de contato e oportunidades.

Numa visão mais abrangente o Brasil poderia saltar etapas no processo de inovação aprendendo com os países mais desenvolvidos. Estes já descobriram como transformar conhecimento em riqueza, criaram leis e estimularam o empreendedorismo tecnológico incentivando, por exemplo, a criação de pequenas empresas baseadas em conhecimento, lideradas por cientistas. Além disso esses governos aportam recursos financeiros para projetos de pesquisa em empresas e utilizam o poder de compra do Estado para alavancar o mercado dessas empresas.

 

 

Para promover de fato a inovação no país, mais que instrumentos de apoio, legislações ou incentivos, temos que mudar uma cultura. Vejamos três situações. Enquanto nos Estados Unidos o currículo de um cientista é valorizado por ele fazer parte de uma empresa, os cientistas brasileiros ainda têm medo, receio e, quando não, vergonha em comentar que querem desenvolver um produto e empreender um negócio a partir de seu conhecimento. Esse ainda é um grande empecilho cultural que inibe a inovação em nosso país. Outra situação diz respeito ao financiamento à inovação. Os cientistas empreendedores dos países desenvolvidos, além do suporte institucional e financeiro dos governos, contam com recursos de capitalistas de risco que, ao contrário do Brasil, investem em projetos nascentes de alto risco comercial e tecnológico. Finalmente, no que tange ao financiamento à inovação, advindo do setor público no Brasil, os editais de pesquisa para parceria universidade-empresa são muitos, porém ainda arraigados no modelo acadêmico, com regras burocráticas e modelos de preenchimento e avaliação não adequados às empresas. Assim um edital que se propõe a ser uma oportunidade para as empresas acaba se perdendo nos labirintos da burocracia, desestimulando então sua real e efetiva participação.

Apesar de todas as dificuldades citadas, já avançamos muito. A Lei de Inovação, os incentivos fiscais, os fundos setoriais e tantas outras ações indicam que o Brasil está no caminho para promover uma verdadeira revolução em seu sistema de C&T, tendo como força motriz, dessa mudança, a inovação. Criar um ambiente para o empreendedorismo tecnológico e a inovação é uma meta que deve ser perseguida pelos gestores públicos, instituições, empresas e sociedade civil. Será a partir da interação entre conhecimento e setor produtivo, alicerçados em políticas públicas que apóiem essas iniciativas, que poderemos utilizar o potencial de nossos cientistas, a demanda de nossas empresas e nossa vontade de empreender e criar o novo para mudar o patamar de desenvolvimento do país.

 

Paulo Renato Macedo Cabral é diretor-presidente do Instituto Inovação.