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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.1 Campinas jan./fev. 2007

 

 

Marta Laudaris

 

Foco do setor químico está na substituição de derivados do petróleo e no controle ambiental

 

 

por PATRÍCIA MARIUZZO

 

 

A indústria química brasileira é composta por uma diversidade de segmentos, como tintas e vernizes, sabões e detergentes, defensivos agrícolas, higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, adubos e fertilizantes, produtos farmacêuticos e produtos químicos para indústria. Desde sua criação em 1964, a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) acompanha o desempenho do setor, principalmente o segmento de produtos químicos industriais. Atualmente, segue de perto a implantação da nova política de regulamentação de produtos químicos da União Européia, que deve entrar em vigor no primeiro semestre de 2007 e recai sobre 5% das substâncias hoje comercializadas por indústrias brasileiras, que passarão a estar sujeitas à aprovação para continuar no mercado. Nesta entrevista à revista Inovação Uniemp a gerente adjunta de assuntos técnicos da Abiquim, Marta Laudaris, aponta para a necessidade de uma mudança de comportamento da sociedade. "Se antes a preocupação era com a fábrica, com a fumaça das chaminés, o foco hoje passou para o produto químico, o que exige normas rígidas de controle ambiental", diz ela. O programa Atuação Responsável, lançado no Brasil em 1992, é um dos carros-chefe da atuação da Abiquim. Sua meta é a melhoria contínua nas áreas de segurança, saúde e meio ambiente das empresas associadas. A despeito dos altos preços do petróleo em 2006 e da valorização do real, as exportações da indústria química brasileira têm crescido ano a ano. Marta Laudaris relaciona tal performance ao desaquecimento do mercado interno e à elevação dos preços dos produtos químicos no exterior. Ela fala, também, de inovação, nanotecnologia e balanço energético, uma vez que o setor no Brasil é um dos grandes usuários do gás boliviano como alternativa ao óleo combustível.

 

 

A indústria química é altamente dependente do petróleo, seja como matéria-prima ou fonte de energia. É, também, um dos maiores usuários do gás boliviano. Como a indústria química brasileira tem agido frente ao impacto do aumento do preço do petróleo? Qual a estratégia em caso de desabastecimento de gás natural?

Marta Laudaris A indústria química tem procurado, já há algum tempo, alternativas de suprimento de matérias-primas, não só por conta do preço do petróleo, mas principalmente por razões relativas à disponibilidade de suprimento de nafta. Por esse motivo, foi criado um grupo de trabalho na Abiquim visando estudar a demanda de matérias-primas petroquímicas até o horizonte de 2015. Esse grupo estudou a nafta, os condensados de petróleo, o gás de refinaria e o aproveitamento das frações pesadas de petróleo. Há, inclusive, um projeto no Rio de Janeiro (Comperj) com essa finalidade. O uso do gás natural tem sido crescente pelo setor químico, não só em substituição ao óleo combustível, mas também como matéria-prima para petroquímica (é o caso da Riopol, no Rio de Janeiro), produção de fertilizantes, metanol, oxo-álcoois, isocianatos etc. Numa eventual crise de desabastecimento, as empresas que utilizam o gás natural como matéria-prima terão de reduzir a produção de suas unidades, pois não há como substituir esse gás por um outro insumo. No que diz respeito à utilização do gás natural como combustível, também há uma preocupação grande, pois, além dos custos para conversão de uma caldeira a gás para um outro combustível, por exemplo, há a questão do prazo para essa troca e também problemas ambientais relacionados à utilização do óleo combustível ou do GLP. A Abiquim está acompanhando o assunto e participando ativamente do grupo constituído no Ministério de Minas e Energia, que tem como objetivo elaborar um plano de contingenciamento para o país. Além do grupo do governo, participamos de outro, constituído no âmbito da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que também estuda o problema.

 

 

A pesquisa para a substituição do petróleo como matéria-prima já obteve alguns resultados promissores, com produtos lançados no mercado, como plásticos produzidos a partir de biomassa. Que esforços a indústria química brasileira tem feito nessa direção?

Marta Laudaris O uso da biomassa para a fabricação de produtos químicos é uma tendência mundial. A indústria química brasileira, associada à Abiquim, já na crise do petróleo, ocorrida nos anos 1980, tentou utilizar o álcool como combustível em seus fornos e como matéria-prima para fabricação de fertilizantes e de petroquímicos básicos. Porém, a queda do preço do petróleo inviabilizou, economicamente, tais esforços. Em 2004, a Abiquim, diante dos sinais de nova alta do petróleo e gás natural, criou, acompanhando a tendência mundial, a Comissão de Produtos Químicos obtidos a partir de matérias-primas renováveis. O Brasil possui condições excepcionais para desenvolver tais produtos: clima, extensão territorial, recursos hídricos, base científica e capacidade tecnológica para desenvolver equipamentos e materiais necessários. Uma das associadas da Abiquim já trabalha há anos com o processo de transesterificação de óleos vegetais, dando origem ao já popular biodiesel. Não podemos esquecer do Proálcool, iniciativa pioneira do Brasil e que só agora está sendo reconhecida e replicada em outros países. O Proálcool, apesar dos problemas encontrados ao longo de sua trajetória, foi um grande programa mobilizador, envolvendo esforços tecnológicos em diversas áreas. É hora de se valorizar as matérias-primas renováveis nacionais, com incentivos ao agronegócio, à pesquisa e à fabricação dos produtos químicos.

Mesmo com os preços do petróleo e com a valorização do real, as exportações da indústria química brasileira estão em crescimento. A que a senhora atribui essa performance? Como sustentar esse ritmo?

Marta Laudaris O aumento das exportações está relacionado a dois fatores principais. O primeiro é o desaquecimento do mercado interno, que provoca o direcionamento dos excedentes produzidos ao mercado externo, uma vez que o setor opera com alta capacidade instalada. O segundo fator é o aumento dos preços internacionais dos produtos químicos resultando em um incremento em valor superior ao volume. A sustentação desse crescimento só poderá ser obtida com a implantação de novos investimentos em produção destinada ao mercado externo.

Na Abiquim existe uma iniciativa específica para aumentar as exportações no setor de plásticos. A senhora pode falar um pouco desse programa e de seus resultados?

Marta Laudaris O Programa Export Plastic (www.exportplastic.com.br) é uma parceria de toda a cadeia produtiva do plástico (Petrobras, centrais petroquímicas, empresas produtoras de resinas termoplásticas e empresas transformadoras de plásticos) e a Apex Brasil (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos). O programa iniciou suas atividades em janeiro de 2004 e conta, atualmente, com 110 empresas associadas (transformadoras de produtos plásticos) em 13 estados brasileiros. Além de disseminar a cultura exportadora, o Export Plastic tem como objetivo promover e implementar ações voltadas à abertura e sedimentação de mercado no exterior, por meio de qualificação técnico-gerencial, da disponibilização de informações estratégico-comerciais e de serviços especializados às empresas associadas do setor de transformados plásticos. Para essas atividades, o programa conta, em sua segunda fase — junho de 2006 a julho de 2007 — com R$ 9 milhões, dos quais 47% são oriundos da APEX Brasil, 41% da cadeia produtiva e 12% das empresas transformadoras do plástico.

Apesar do crescimento nas exportações, o volume financeiro de importações de produtos químicos é, em média, o dobro do volume de exportações. Os produtos mais importados pelo Brasil são matérias-primas para fertilizantes cuja produção corresponde a apenas 5% do faturamento líquido da indústria química brasileira. Como amenizar tal déficit? Quais as dependências que persistem nessa indústria?

Marta Laudaris O segmento de intermediários para fertilizantes contribui em parte para o déficit brasileiro de produtos químicos. A fabricação desses produtos não é suficiente para atender a demanda devido à falta de matérias-primas no país, principalmente de cloreto de potássio, que representa mais de 40% do valor da importação de intermediários para fertilizantes. Além disso, a sazonalidade e a alternância dos períodos de uso dos fertilizantes entre o Brasil e os países do hemisfério norte também contribuem para o déficit comercial nesses produtos.

Como tem se dado a substituição de importações? Com quais países o Brasil tem maior equilíbrio na relação importação/exportação?

Marta Laudaris Não se pode dizer que haja hoje uma política deliberada de substituição de importações no setor químico. Isto só é possível se a substituição for competitiva, o que muitas vezes é dificultado pelas limitações do chamado custo-Brasil. A balança comercial de produtos químicos brasileira é, no seu todo, altamente deficitária. No ano passado, foram US$ 15,3 bilhões de importações contra apenas US$ 7,4 bilhões de exportações. Em termos geográficos, a balança apresenta déficits com os países da América do Norte, Europa e Ásia e superávit com países da América do Sul.

Que segmentos estão mais atrasados e dependentes de mais P&D?

Marta Laudaris O Brasil está atrasado em muitas áreas. Pode-se citar a produção de fármacos para doenças negligenciadas, doenças tipicamente tropicais. O desenvolvimento de tais fármacos beneficiaria não só o Brasil, mas países africanos por exemplo. Outras áreas com déficit de pesquisa são a de matérias-primas renováveis e a utilização da biodiversidade brasileira na indústria química.

 

 

A preocupação com o meio ambiente tem gerado novas barreiras comerciais como o caso do Reach. Algumas vozes consideram as medidas um exagero com viés protecionista, outros apóiam. Qual a posição da Abiquim?

Marta Laudaris Reach é a sigla em inglês para as palavras Register, Evaluation, Authorization and Chemicals e se tornou a forma simplificada de denominação da proposta de política para produtos químicos da União Européia, que será estabelecida por meio de regulamento. Pelas normas européias o regulamento é obrigatório em todos os Estados-membros. Como a política será aplicada sem distinção, fabricantes locais e exportadores serão submetidos às mesmas regras. Por isso, em princípio, a Organização Mundial do Comércio (OMC) não considera o Reach uma barreira comercial. O assunto é muito complexo, envolve uma mudança de comportamento da sociedade. Se antes a sociedade se preocupava com a fumaça da chaminé, da fábrica, o foco hoje passou a ser a fabricação de produtos químicos. A exigência é que a produção siga normas rígidas de controle ambiental, sem descuidar da saúde dos trabalhadores envolvidos e das pessoas que utilizam tais produtos. As associadas da Abiquim, signatárias do programa de Atuação Responsável, assumem um compromisso de melhoria contínua nas áreas de saúde, segurança e meio ambiente em busca da excelência. O compromisso da Abiquim com a sociedade é tornar esse programa mais abrangente envolvendo toda a cadeia de valor, buscando minimizar os impactos de suas atividades. Um exemplo é o programa de avaliação de transportadores (Sassmaq-Sistema de Avaliação de Segurança, Saúde, Meio Ambiente e Qualidade), fortemente calcado nos princípios do programa Atuação Responsável. O transporte de produtos químicos pelas indústrias associadas à Abiquim é obrigatoriamente feito por transportadoras avaliadas segundo os critérios do Sassmaq.

Que tipo de inovação pode ser gerada na indústria química, a partir das medidas contidas no Reach?

Marta Laudaris O Reach é um ambicioso programa de registro de substâncias químicas envolvendo um processo de autorização. Mas as substâncias que, comprovadamente, tenham características carcinogênicas, mutagênicas ou que causem danos à reprodução humana e que não tenham substitutos, deverão ter sua produção autorizada, de acordo com determinados critérios do Reach. Esta autorização será renovada dentro dos períodos fixados no regulamento. Espera-se que a indústria busque substitutivos para essas substâncias, promovendo, desta forma, inovações. Pode-se vislumbrar aí uma oportunidade para os centros de pesquisa no Brasil. As indústrias químicas européias preocupadas em registrar todos os seus produtos, poderão, em um primeiro momento, não pensar nas inovações para substituição, oportunidade que não deve ser desprezada pela indústria e academia brasileiras.

Qual o perfil de nacionalização da indústria química brasileira? Quais os segmentos onde a empresa nacional é mais competitiva no mercado global?

Marta Laudaris No segmento petroquímico predomina o capital nacional, embora grandes transnacionais também estejam presentes. Em outras áreas há maior presença de capital estrangeiro. O segmento petroquímico está tecnologicamente preparado e atualizado para ser competitivo no mercado internacional, mas encontra limitações decorrentes de nosso péssimo sistema tributário, do custo do capital, de deficiências na infra-estrutura do país e de custos de matérias-primas básicas como petróleo e nafta petroquímica, que são mais baixos em algumas outras regiões com as quais teremos de competir cada vez mais.

Um dos vencedores do Prêmio Abiquim 2005, na categoria pesquisador, foi o químico da Unicamp Fernando Galembeck que desenvolveu um novo pigmento branco para a indústria de tintas, já licenciado pela multinacional Bunge. A senhora acha que a regulamentação da Lei 11.196 vai favorecer o crescimento de casos como esse na indústria química?

Marta Laudaris Acredito que a Lei vai ajudar a criar um ambiente mais favorável para parcerias. A indústria precisa conhecer o trabalho da universidade que, por outro lado, precisa conhecer a demanda industrial. Há um papel importante a ser exercido pelas agências de inovação — como a Inova, da Unicamp — de forma a aumentar casos de sucesso. É necessário que haja uma confiança mútua entre universidade e empresa, estabelecendo canais de comunicação, como por exemplo, esta oportunidade que nos está sendo concedida de nos manifestarmos como associação empresarial.