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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.1 Campinas Jan./Feb. 2007

 

 

Desenvolvimento limpo: carbono para comprar e vender

 

 

por FLÁVIA NATÉRCIA

 

 

A Celulose Irani, empresa de Vargem Bonita (SC) controlada pelo Grupo Habitasul, resolveu apostar na emissão de créditos de carbono. É a primeira do ramo no país a se beneficiar do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), uma das formas de flexibilização das metas de redução de emissão de gases-estufa que cabem, até 2012, aos 35 países industrializados incluídos no Anexo 1 do Protocolo de Kyoto. Foram investidos R$ 22,5 milhões na adequação energética da produção da Irani. Madeira e celulose passaram a ser usadas na co-geração de eletricidade, e a fábrica se tornou auto-suficiente. Para Péricles Pereira Druck, diretor-superintendente da empresa, a expectativa de retorno do investimento é de 5 anos. "A produção de celulose exige florestas plantadas para suprir a demanda, e a otimização do uso dessas florestas exige o aproveitamento da parte nobre da árvore para beneficiamento da madeira sólida (móveis, compensados, lâmina) e dos subprodutos desse beneficiamento e da própria árvore para geração de vapor e energia", explica Druck.

Assessorada pela empresa de consultoria Ecosecurities, a Irani conseguiu fazer a Shell se interessar por seus créditos. Em 20 meses de operação, a co-geração fez com que 179.397 toneladas de carbono equivalente deixassem de atingir a atmosfera; em 21 anos, projeta-se a redução potencial em 3.702 mil toneladas. Druck diz que o desenvolvimento de projetos ambientalmente favoráveis, como o tratamento de efluentes e a recuperação de produtos químicos, "faz parte da cultura da empresa". Cultura que rende resultados práticos. "Cada vez mais clientes e comunidades estão valorizando e reconhecendo esse diferencial nas empresas", diz o diretor.

 

 

Embora a sigla MDL possa sugerir uma multiplicidade de mecanismos, só existe mesmo um, explica o professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe-UFRJ, Roberto Schaeffer: a compra e a venda de créditos de carbono. Schaeffer é membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), o único brasileiro a participar desse grupo que avalia os métodos a serem empregados nesse tipo de projeto. "Dá-se grande ênfase às metodologias propostas porque se está começando a implementar o mecanismo e, para que ele exista, é necessário que metodologias rigorosas possam garantir que os projetos sejam avaliados segundo critérios claros e objetivos, que não sejam questionados depois". Como se trata de um mecanismo em implementação, até aqui a maioria dos novos projetos requer adequação ou criação de novas metodologias, uma vez que será o primeiro do seu tipo. "Exemplifico: o primeiro projeto de aterro sanitário teve que desenvolver uma metodologia específica para aterros sanitários, que permitisse a determinação e a escolha da linha de base, a determinação da adicionalidade do projeto, o cálculo das reduções de emissão, o cálculo dos possíveis vazamentos etc." Com o tempo, os novos projetos vão se enquadrando em categorias de outros já existentes.

Apesar de incipiente, o MDL começa a mostrar resultados. Ricardo Esparta, diretor da Ecoinvest, empresa que presta consultoria financeira nessa área, diz que o sucesso de projetos que já emitem créditos é a melhor forma de divulgação da novidade. Para que o interesse nas ações e o alcance dos projetos se ampliem, Esparta sugere a elaboração de "uma proposta clara de uma política nacional sobre mudanças climáticas", além de uma "simplificação dos procedimentos de aprovação". Ele diz que o governo federal tem atuado de maneira bastante efetiva na definição desses procedimentos e na negociação no âmbito da Convenção do Clima. "Por outro lado, medidas pontuais existem, por exemplo, em programas de informação e formação de capacidade (capacity building) sobre o uso do MDL para aterros sanitários, mas ainda não identifico um norte para o MDL no Brasil". A Ecoinvest de Esparta assessora cerca de 50 projetos no país, dentre os quais: 8 com créditos emitidos, 18 registrados, 27 aprovados pelo governo e 33 com solicitação de carta de aprovação. Esparta destaca que a ratificação gerou "um aumento significativo do interesse e, conseqüentemente, um aumento do número de empresas investindo em conhecimento sobre o mercado e na implementação de projetos MDL".

 

 

O que tornou a redução de emissões estratégica, de modo geral, foi a ratificação do protocolo, em 2005 — sem a assinatura dos Estados Unidos da América e da Austrália. "Para as empresas dos países desenvolvidos, foi a alocação de cotas de emissão por esses mesmos países, o que os obriga a lidar com o problema. Para empresas de países fora do mundo desenvolvido, é a possibilidade de vender créditos de carbono. E, por fora, correm aqueles que, por razão de marketing ou algum sentimento altruísta mais nobre, acham que é correto se preocupar com a questão das mudanças climáticas", pondera Schaeffer. O espírito do MDL é "mostrar que as reduções de emissão são reais, mensuráveis e adicionais". A atribuição de valores a bens naturais pode não ser o melhor caminho, mas tem funcionado. "É a tentativa de internalizar, via mercado, as externalidades ambientais", avalia.

O Protocolo de Kyoto, concluído em dezembro de 1997, no Japão, impôs aos países industrializados a redução das emissões dos gases responsáveis pelo aquecimento global: gás carbônico (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e três gases à base de flúor (HFC, PFC e SF6). Para que as emissões mundiais fossem 5,2% menores em 2012, foram definidas quotas de redução para 35 países industrializados. Até essa data, o compromisso não atinge países em desenvolvimento, que podem, entretanto, negociar, com os poluidores que têm metas a cumprir, créditos de carbono, que são certificados de redução da emissão, medida em toneladas de carbono que deixam de ser lançadas à atmosfera. Para adquiri-los, é preciso implementar projetos que poupem a atmosfera dos principais poluentes. Os certificados são emitidos pela convenção climática da ONU.

 

PÓS-2012: O DIA DEPOIS DE AMANHÃ

Com a proposta da formação de um fundo mundial para o combate ao desmatamento em Nairóbi, Quênia, durante a 12ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Brasil confirmou sua posição de destaque dentre os países signatários do Protocolo de Kyoto. Dentre os que desenvolvem projetos de negociação de créditos de carbono no mercado internacional, o país fica em segundo lugar, perdendo somente para a Índia. Até junho de 2006, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) havia registrado 160 projetos de MDL em distintas fases de aprovação.

Mas, de acordo com diversos especialistas, o Brasil pode e deve fazer mais contra as mudanças climáticas que ameaçam tornar o planeta inabitável. Por exemplo, estabelecendo metas próprias de redução e assumindo um papel de liderança, como fez outrora, ao propor, juntamente com o Grupo dos 77 (que congrega desde os anos 1960 os países em desenvolvimento) e a China, a criação de um Fundo de Desenvolvimento Limpo. A proposta do fundo, que seria alimentado por multas infligidas aos países que não reduzissem o nível de poluição, não vingou, mas se desdobrou no MDL.

Easier said than done — é mais fácil dizer do que fazer — , um ditado que bem se aplica à redução da emissão de gases-estufa. Muitos países industrializados têm falhado em honrar o compromisso. A Espanha recentemente admitiu ter aumentado em 45% as emissões, quando eram permitidos somente 15%. As previsões climáticas projetam um cenário que lembra o do filme estrelado por Dennis Quaid, O dia depois de amanhã. Dificilmente as mudanças vão se precipitar da noite para o dia, como na tela, mas o mundo em 2100 poderá ser igualmente catastrófico. No pior cenário, a temperatura subirá quase 6º C. A concentração de vapor d'água deve aumentar, e também as chuvas nas latitudes médias e altas do hemisfério Norte, ao passo que a cobertura de neve e gelo vai diminuir. Cumes de gelo em retração, como o do Kilimanjaro, vão desaparecer. O derretimento das geleiras e a expansão térmica elevarão o nível do mar —segundo estimativas pessimistas, em até 88 cm — levando cidades litorâneas inteiras a desaparecer.

 

 

Ratificado em 2005, o Protocolo de Kyoto entrou em uma nova etapa em 2006. Segundo Schaeffer, a novidade está no início da negociação do "regime pós-2012". Na conferência em Nairóbi, os países em desenvolvimento foram convocados a somar esforços contra o aquecimento global. Agora podem, também, comprar créditos de carbono de nações industrializadas, ajudando-as a cumprir suas cotas. No entanto, envolver os países que até então estavam livres de metas tem se mostrado uma árdua tarefa. "Infelizmente, está muito difícil, dada a relutância de boa parte dos países em desenvolvimento para lidar com a questão de, eventualmente, ter que assumir compromissos no futuro", lamenta Schaeffer. A demora no estabelecimento de metas terá conseqüências funestas. "A negociação do pós-2012 tem que começar urgentemente, sob o risco de os custos das mudanças climáticas se tornarem altos demais no futuro", adverte Schaeffer.

Asel Doranova, pesquisadora do Quirguistão (ex-república soviética da Ásia) que faz doutorado na Universidade Merit, das Nações Unidas, diz que espera que se desenvolva uma clara visão das ações e programas a serem executados a partir de 2012. "Isso deve fornecer a base para o desenvolvimento de políticas que encorajem os países em desenvolvimento a desempenhar um papel mais pró-ativo na mitigação das mudanças climáticas", avalia Doranova, que é mestre em estudos de política ambiental e desenvolvimento. "Além disso, os governos federais devem pensar em melhores políticas promovendo incentivos aos atores privados que contribuam para os objetivos de Kyoto, políticas melhor definidas e programas para a transferência de tecnologia e formação de capacidade tecnológica", acrescenta.

Ambientalistas criticam a não-inclusão do desmatamento no MDL. Mas Schaeffer considera a atitude correta. "Incluir a chamada avoided deforestation é permitir que os países industrializados 'Anexo 1' continuem a emitir nos níveis atuais à custa da não-emissão em países em desenvolvimento. Usar o MDL para isso me parece perigoso, além de não ser possível na estrutura atual do mecanismo". Para ele, a Convenção do Clima já prevê a possibilidade de apoio à redução do desmatamento em países em desenvolvimento. Por outro lado, uma matriz energética limpa pode vir a dificultar reduções posteriores de emissão, tornando-se um problema. "Meus estudos mostram que a matriz brasileira tende a se sujar um pouco com o passar do tempo, mas não demais, permanecendo relativamente limpa se comparada à maior parte dos países do mundo", avalia Schaeffer. "No caso do desmatamento, não há escusas. As taxas atuais são injustificáveis e cabe tomar medidas para coibi-las", diz. Sejam quais forem os compromissos futuros do país, "se houver vontade política, a redução do desmatamento conseguirá, com sobras, atender a qualquer meta que o Brasil concorde em assumir", conclui Schaeffer.