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Inovação Uniemp

versión impresa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.1 Campinas ene./feb. 2007

 

 

Preservação da vida e do trabalho na atualidade: o caso do pólo carbonífero do sul de Santa Catarina

 

 

TERESINHA MARIA GONÇALVES

 

 

Podemos considerar que o emprego dos tempos modernos ou dos tempos pós-modernos tem o mesmo significado para o homem dos primórdios da civilização? Ao arriscar a vida pela savana na competição por alimentos com os animais e, hoje, ao submeter-se a trabalhos penosos, o homem está desesperadamente lutando pela vida? O que será geração de emprego e o que será desenvolvimento? A questão do desenvolvimento se restringe ao mero desenvolvimento econômico? O crescimento econômico destruiu e continua a destruir centenas de civilizações rurais e culturas tradicionais sem falar nos dilemas urbanos das cidades produzidas pela lógica do sistema capitalista de produção.

Quais são, hoje, os valores que se agregam à vida? A degradação da biosfera vem acompanhada da própria degradação humana, pois, ao interferir violentamente nos modos de vida das pessoas, produz um desequilíbrio psicossocial que vai refletir no processo de produção da subjetividade.

Parece que, no sul de Santa Catarina, na região carbonífera, para grande parcela da população, o valor que se agrega à vida é o emprego, este a qualquer custo, pois os ecossistemas locais são degradados com muita naturalidade. Guerra, Castilhos e Bidone (2000, p.284) chamam a atenção para essa justificação do emprego a qualquer custo, dizendo "[...] o que é convencionalmente medido como renda ignora a deterioração do meio ambiente, seja como fonte de materiais seja com receptor ou depositário de dejetos da atividade humana". Um dos poucos rios preservados, o São Bento, no município de Siderópolis, cedeu sua vazão para uma barragem ligada ao abastecimento de água de Criciúma e mais alguns municípios da região. A cabeceira do rio Mãe Luzia, que ainda se encontra preservada, está sendo cogitada para uso de uma termelétrica prevista para ser instalada na região. Essas questões somente são discutidas como problemas ambientais nos fóruns populares de meio ambiente que acontecem na região, liderados por algumas ONGs. A poluição dos rios e a acidificação das águas, que fazem parte do cotidiano da população, parecem problemas já incorporados ao imaginário de grande parte de intelectuais, técnicos, parte de dirigentes e parte da sociedade criciumense.

A região de Criciúma é uma área crítica em termos de poluição ambiental. Na atualidade, apesar de toda a degradação socioambiental ocorrida e ainda recorrente, as pesquisas da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) mostram que parte da população é a favor da indústria do carvão. O slogan "O importante é ter emprego" é muito forte na região, pois os problemas que esse emprego possa trazer parecem em nada pesar nas decisões individuais ou coletivas da sociedade regional.

O conflito socioambiental da região carbonífera de Santa Catarina, cuja cidade pólo é Criciúma, estabelece-se frente a um questionável progresso, trazido pela exploração do carvão, e as perdas socioambientais decorrentes dessa atividade econômica, que teve seu auge entre as duas guerras mundiais (1914-1945) e, num segundo momento, nas décadas 1970-1980.

A mineração é uma atividade extremamente insalubre. Várias doenças acometem a população, notadamente a de baixa renda ou renda nenhuma, como: pneumoconiose, bronquite, rinite, artrite, lesões na coluna vertebral, nas articulações, inflamação dos tendões, devido às precárias condições de trabalho com a presença de fumaça, pó, lama, umidade elevada, pouca ventilação, confinamento nos subterrâneos escuros.

O trem carvoeiro atravessa várias vezes a área central da cidade com os vagões carregados de carvão e sem nenhuma proteção, injetando, no ar, uma poluição com materiais pesados. A fuligem do carvão está nas cortinas das janelas, nos rostos das pessoas que moram próximo à via férrea.

Os amontoados de rejeitos de carvão, nos bairros da periferia da cidade, servem de local de brincadeiras das crianças. Todavia, com a umidade, os compostos químicos entram em autocombustão, sendo freqüente a ocorrência de acidentes com crianças (queimaduras das pernas nas cinzas quentes, ingestão de material e gases tóxicos, etc.). As doenças respiratórias aumentam com a umidade, pois os materiais particulados condensam-se no ar, aumentando o risco de obstrução das vias aéreas.

Criciúma constitui-se, assim, uma sociedade de risco; duplamente de risco, pois reflete o contexto da sociedade contemporânea, na qual a vastidão do tema risco é assustadora, estando a vulnerabilidade socioambiental a ele associada. A sociedade de risco é, hoje, um assunto que afeta os vários domínios da ciência. Na percepção de Beck (1998), risco diz respeito ao futuro, sendo uma modalidade de relação com o futuro. Todavia, para o homem carvoeiro não existe futuro, apenas presente.

Há, assim, na cultura do carvão, um imediatismo quase desesperado pela criação de emprego. Essa ânsia manifesta-se tanto por parte dos desempregados e de jovens da classe trabalhadora (que querem ingressar no mercado de trabalho) quanto ao grupo de mineiros, ou seja, trabalhadores das minas de carvão, que administram uma carbonífera e têm poder político na cidade e, ainda, dos empresários do carvão que têm uma grande influência junto ao governo federal. O carvão foi muito valorizado na segunda guerra mundial. Todavia, os tempos da guerra já passaram e ainda se recorre a esse expediente para evidenciar a força do produto.

 

 

A necessidade de preservação do emprego está acima do pavor da morte embaixo da mina. Na fala dos mineiros, a mina é um local onde a morte está sempre presente. Mas, apesar de tudo isso, o importante é ter emprego, independente da destruição que esse emprego possa trazer para a natureza e para si.

Os impactos, decorrentes da mineração do carvão, são evidentes. Esses se manifestam na cidade, através de seus seis rios poluídos, um rio canalizado embaixo da cidade e que serve para o escoamento dos dejetos, não dispondo de um metro de rede de esgotamento sanitário. Além de todos esses problemas, as várias doenças que acometem a população decorrentes da intensa degradação ambiental, tornam a problemática analisada ainda mais complexa.

Segundo a Unesc/Ipat (2000), a maioria da população da região de Criciúma percebe, como fonte de poluição, o carvão e as indústrias. Todavia, há possibilidade de que a poluição do carvão volte. Cogita-se a abertura de novas minas para a sustentação de mais uma usina termelétrica, além da já existente no município de Capivari de Baixo.

Segundo estudos da Japan International Cooperation Agency (Jica), o Ministério do Meio Ambiente presidiu, na década de 1990, o comitê para elaborar um projeto de recuperação ambiental com o objetivo de recuperar 4,7 mil hectares em sete municípios do extremo sul catarinense. Ao mesmo tempo, em 2003, a Unesc realizou o Relatório de Impacto Ambiental com vistas à instalação da usina termelétrica de Treviso. Esse verdadeiro paradoxo de se gastar dinheiro público para recuperar áreas degradadas (solo) e poluir o ar com as usinas termelétricas vem demonstrar que a região ainda tem presente a crença de ser o carvão elemento impulsionador da economia.

Como se vê, o movimento pró-carvão se insurge com grande euforia e busca o apoio do governo federal mais uma vez. Dessa vez, o grupo reforça sua tese na geração de energia e do desenvolvimento, além da geração de emprego. O "fetiche" do carvão os impede de pensar em outras opções de desenvolvimento, como indústrias mais limpas com eficientes programas de gestão ambiental, como vestuário, turismo e outras. As jazidas de carvão são grandes e a tentação também. A região carbonífera conta hoje com 374.292 habitantes (IBGE, 2005). Estima-se que dez mineradoras empregam aproximadamente 2.500 pessoas.

Se a continuação da exploração da indústria carbonífera representa a possibilidade de emprego para a maioria da população pobre e desempregada e, ao mesmo tempo, ganhos para os mineradores, em contrapartida preocupa ambientalistas, profissionais e acadêmicos ligados ao meio ambiente. Há que se considerar os altos custos sociais e ambientais dessa indústria, em que pese a introdução de novas tecnologias para minimizar os efeitos nefastos.

 

Teresinha Maria Gonçalves é doutora em meio ambiente e desenvolvimento, mestre em psicologia social, docente do Programa de Mestrado em Ciências Ambientais da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc).