SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 número1Pesquisa promove a criação de novos produtos e amplia mercadoSetor tomateiro cresce e demanda aumento de pesquisas índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Bookmark

Inovação Uniemp

versión impresa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.1 Campinas ene./feb. 2007

 

 

Concentração técnico-científica: uma tendência em expansão no mundo contemporâneo?

 

 

FERNANDO ANTÔNIO FERREIRA DE BARROS

 

 

Entre as promessas contidas no bojo ideológico do processo de globalização da economia estava a dispersão da produção do conhecimento na esfera global. Essa expectativa, entretanto, não vem se concretizando. Os impactos desse processo na inserção dos países na economia global deram-se de forma hierarquizada e assimétrica. Mesmo no grupo onde se engendrou a reestruturação produtiva houve uma difusão desigual da mudança de paradigma tecnológico e organizacional.

O peso da assimetria projetou-se, todavia, mais fortemente entre os países mais desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento. Poucos são os exemplos daqueles que têm logrado dar saltos qualitativos dentro do novo modelo competitivo baseado sobretudo em conhecimento e capacidade tecnológica. Tem-se observado, assim, uma concentração impressionante do crescimento econômico num número reduzido de países. Essa situação de grandes desigualdades econômicas — que implica, entre outras conseqüências, carência e instabilidade de recursos para educação, ciência e tecnologia — tem naturalmente reflexos diretos na configuração atual da produção do conhecimento em âmbito mundial.

 

CONCENTRAÇÃO ESPACIAL DA PRODUÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA NA ATUALIDADE

Segundo estimativas feitas pela OCDE, Unesco e Ricyt (1), se somarmos a participação da América do Norte, Europa e Ásia no total de investimentos realizados em P&D teremos — tanto em 1994 quanto em 2003 — o altíssimo percentual de 97%. Fica evidente, como observa Chesnais (2) , que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento estão entre as despesas mais concentradas do mundo. Vale acrescentar que a visualização dessa concentração não se limita aos grandes blocos geográficos em escala mundial. Ela também se projeta no conjunto de países e na escala regional de cada país.

Outro indicador revelador da concentração está associado ao número de pesquisadores existentes num país, numa região. De acordo com dados elaborados pelo Observatoire des Sciences et Techniques — OST (3), dos 4, 5 milhões de pesquisadores existentes no mundo em 1997, mais da metade encontravam-se na tríade formada pelo Estados Unidos (962.700), União Européia (821.244) e Japão (577.932). Para termos uma noção ainda mais ampla dessa concentração regional de pesquisadores, vejamos os exemplos da França e do Brasil. Na França, a grande maioria dos pesquisadores atua na região Île-de-France; em 1997, a região reunia 32,7% dos pesquisadores de instituições públicas civis e 51,1% dos pesquisadores ligados a empresas privadas. No caso brasileiro, dados produzidos pelo CNPq mostram que dos 58.961 pesquisadores ligados aos diferentes grupos de pesquisa cadastrados em 2002, 43.163 estavam na regiões Sudeste e Sul. Esta situação está naturalmente refletida nos resultados obtidos pela prática técnico-científica.

Segundo dados elaborados pelo OST, os Estados Unidos foram, durante toda a década de 1990, o grande centro de produção científica no mundo. Seu percentual de participação mundial em todas as disciplinas esteve sempre acima de 30%. O Japão e a União Européia — com destaque para o Reino Unido, Alemanha e França — apresentam-se também como significativos pólos concentradores da produção científica. Os índices referentes aos Estados Unidos, União Européia e Japão representam em torno de 75% do total. Sem dúvida uma altíssima concentração da produção científica. Ocorreram também algumas variações interessantes, observa-se um crescimento significativo dos percentuais tanto dos novos países industrializados da Ásia quanto da China. Já os aumentos ocorridos tanto na América Latina quanto no Brasil, apresentam índices de crescimento mais modestos.

A questão da concentração, todavia, é mais contundente quando se verifica dados relativos ao desenvolvimento tecnológico. Como aponta Sachs (4), quase um terço da população global está tecnologicamente desconectada, nem inova internamente, nem absorve tecnologias estrangeiras. De acordo com o OST, do número total de patentes registradas nos Estados Unidos, ao longo da década de 1990, mais de 70% pertencem aos Estados Unidos e ao Japão. Quando agregamos as patentes adquiridas pelos países europeus, esse percentual chega um pouco acima dos 90%. O grau de concentração de desenvolvimento tecnológico sinalizado por esse indicador é, portanto, bastante alto. Ainda mais, quando observamos que ao final da década, a metade dos 10% restantes já pertencia aos chamados novos países industrializados da Ásia, enquanto aqueles em desenvolvimento, como o Brasil e a China, possuíam um registro diminuto no United States Patent and Trademark Office.

 

 

Pode-se assim dizer que, de forma geral, enquanto o conhecimento técnico-científico avança em ritmo acelerado em alguns países mais desenvolvidos possibilitando transformações econômicas, sociais e culturais sem precedentes na história da humanidade, boa parte do mundo não conta ainda com bases técnico-científicas que tenham condições de oferecer respostas a demandas relativamente simples em áreas fundamentais como saúde e educação.

 

REPERCUSSÕES DA CONCENTRAÇÃO

Essa tendência concentradora da produção e apropriação do conhecimento científico e tecnológico em poucos países é vista, por conseguinte, com preocupação por instâncias políticas nacionais e internacionais que identificam nesse "poder técnico-científico" a base formadora de uma nova divisão internacional do trabalho mais rígida, que poderá implicar maior desigualdade de riqueza e exclusão social no mundo contemporâneo.

Existem algumas estratégias que visam o enfrentamento da questão. Há, por exemplo, ainda que embrionário, o projeto "Inventando um futuro melhor: uma estratégia para o fortalecimento da ciência e tecnologia em todos os países", lançado pelas Nações Unidas em fevereiro de 2004. Já as ações desenvolvidas pela União Européia para se atingir uma capacitação técnico-científica menos heterogênea entre seus países-membros têm alcançado resultados transformadores. Basta ver os avanços alcançados pela Finlândia, Irlanda e Espanha. Por outro lado, a maioria dos países em desenvolvimento enfrenta grandes entraves para fortalecer e distribuir melhor suas frágeis bases técnico-científicas; aqueles que se encontram em situação mais promissora, como é o caso do Brasil, ainda passam por dificuldades para adequar seus sistemas de C&T ao novo modelo que busca transformar conhecimento em riqueza de forma mais ágil.

Existem, portanto, vários elementos que apontam para a gravidade da questão e que nos levam a pensar que essa situação não será alterada, pelo menos a curto prazo. Mas, ao mesmo tempo, existem evidências de transformação dessa realidade, ainda que em pequenas proporções face à magnitude da questão. A ampla difusão do papel estratégico que o conhecimento técnico-científico tem no processo atual de desenvolvimento e a constatação das disparidades e suas conseqüências danosas em termos econômicos e sociais, têm levado a esforços nacionais e a experiências transnacionais como no caso da União Européia e, mais recentemente, ao esboço de ações a serem impulsionadas por organismos internacionais.

Dessa maneira, além dos países que denomino "intermediários", como o Canadá, Austrália, Nova Zelândia, entre outros, que conseguiram atingir um grau de capacitação técnico-científica e padrões de desenvolvimento semelhantes aos encontrados nos países líderes, além dos saltos qualitativos observados na Coréia do Sul, em outros novos países industrializados da Ásia e em alguns países membros da União Européia — o que contribui significativamente para uma realidade menos heterogênea — temos assistido a ascensão no cenário internacional de países emergentes como a China, Índia e Brasil. Pode-se inferir, dessa forma, que se essa realidade científica e tecnológica ainda tão fortemente concentrada, não pode ser radicalmente superada, pode ser atenuada por meio de políticas mais incisivas e adequadas, em todos os âmbitos, que podem levar a um processo de uma maior desconcentração, a uma sociedade-mundo menos polarizada do que a atual.

 

Fernando Antônio Ferreira de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Brasília, analista em ciência e tecnologia do CNPq e autor dos livros Confrontos e contrastes regionais da ciência e tecnologia no Brasil e A tendência concentradora da produção do conhecimento no mundo contemporâneo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1) Disponível em www.ricyt.centroredes.mine.nu/ricyt.elc.2004/1.pdf. Acesso em 08/08/2006

2) Chesnais, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã,1996.

3) Observatoire des Sciences et des Techniques (OST). Relatórios bi-anuais de 1992 a 2002.Paris: Economica.

4) Sachs, J. "A new map of the world" In: The Economist, 24 de junho de 2000, Nova Iorque.