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Inovação Uniemp

versión impresa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.2 Campinas mar./abr. 2007

 

 

Mauricio Tolmasquim

 

Hidrelétricas são a opção energética mais limpa e barata para o Brasil

 

 

por PATRÍCIA MARIUZZO

 

 

Em janeiro deste ano a União Européia anunciou que pretende cortar 20% de suas emissões de gases-estufa até 2020, por meio da redução do consumo de combustíveis e pelo uso de fontes alternativas de energia, com o objetivo de minimizar os impactos sobre o clima. Tais medidas indicam aumento da percepção sobre a importância de aliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental. Gerar energia de modo sustentável é um dos grandes desafios do século XXI. Nesta entrevista, Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, EPE, órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia, responsável pelas pesquisas e estudos que subsidiam o planejamento do setor energético no Brasil, fala sobre a capacidade brasileira de gerar energia limpa e barata por meio das hidrelétricas. Mesmo sob as críticas de ambientalistas, defende a construção de novas usinas nos rios da região amazônica onde estão dois terços do potencial hidrelétrico do país a ser explorado. "Estamos fazendo empreendimentos com o maior cuidado e acredito ser possível aproveitar o potencial da Amazônia sem causar danos", diz. A matriz energética brasileira é reconhecidamente uma das mais limpas do mundo, 44% da oferta interna de energia provém de fontes renováveis enquanto no mundo esse índice é de 14%. Tolmasquim falou à Inovação Uniemp logo após o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em sua opinião, as chamadas fontes renováveis de energia terão papel fundamental na composição da matriz energética do Brasil com destaque para o biodiesel, "que está seguindo o mesmo caminho do Proálcool" e para a energia térmica gerada a partir do bagaço de cana. Ele adianta que a EPE está elaborando um novo plano de conservação de energia para aumentar a eficiência energética e economizar cerca de 5% de energia elétrica ao ano. Para se ter uma idéia, esses 5% representariam, até 2030, energia correspondente à gerada por uma Itaipu.

 

 

Na crise de abastecimento de energia elétrica no Brasil, em 2001, o senhor declarou que a causa do problema foi a falta de investimento em geração e em transmissão de energia. O que mudou?

Mauricio Tolmasquim - Embora tenha havido um período de poucas chuvas na época, a principal causa do apagão de 2001 foi, realmente, a falta de investimento. Hoje, a grande mudança é a retomada desses investimentos. Nos últimos quatro anos se construiu em geração mais de quatro mil megawatts por ano, mais ou menos o dobro do que foi construído entre 1995 e 2000, período que antecedeu o apagão. Além disso, foram construídos mais de 3 mil quilômetros de linhas de transmissão nos últimos quatro anos. Isso é o mesmo que nos oito anos anteriores. Em 2006, a região Sul do Brasil passou pela maior seca dos últimos 70 anos, mas o consumidor não ficou em nenhum momento sem energia. Isso só foi possível graças à transferência de energia do Sudeste para o Sul. Em 2001, na época do racionamento, existia uma situação inversa. Existia uma sobra de energia no Sul e falta no Sudeste e não foi possível transmitir energia de um lugar para o outro porque não havia linhas de transmissão. Do início de 2003 até agora, foi duplicada a capacidade de transmissão Sudeste-Sul. Graças aos investimentos feitos, e que continuam, teremos energia garantida para atender a um crescimento de até 5% da economia.

 

 

Dados do Balanço Energético Nacional (BEN) mostram que 74,6% da energia gerada é de fonte hídrica. No planejamento governamental para o setor, este índice deve se ampliar com a construção de pelo menos mais três usinas hidrelétricas. Qual a razão dessa opção?

Tolmasquim - Essa é uma opção natural do Brasil, pois somos um país afortunado em termos de recursos hídricos. Só utilizamos um terço do potencial. É claro que 70% de nosso potencial está na região amazônica e, por isso, nem tudo poderá ser aproveitado devido a uma questão ambiental. Existem alguns impactos ambientais que exigem precauções mas, de qualquer maneira, há muito ainda a ser aproveitado.

Além dos ambientalistas, esses projetos recebem críticas até de dentro do governo, pelos danos ambientais irreversíveis que eles representam na Amazônia, por exemplo. É possível conciliar o crescimento de oferta de energia e sustentabilidade ambiental?

Tolmasquim - Os projetos atuais têm um nível de reservatório muito menor do que no passado, porque se leva em consideração a questão ambiental e social. Tradicionalmente, a tendência era maximizar o potencial energético e para isso eram criados grandes reservatórios. Um bom exemplo é a Usina de Santo Antônio e Usina Jirau, que compõem o complexo do rio Madeira, em Roraima. Primeiro, o complexo era um empreendimento único que alagava uma área importante. Para reduzir o nível de alagamento o projeto foi dividido em duas usinas: Santo Antônio e Jirau, com nível de reservatório muito menor. O alagamento fica praticamente na calha do rio no período de cheia. Isso faz com que cada megawatt (MW) gerado precise alagar 0,08 km2, área muito menor do que a média brasileira, de 0,57km2. Os empreendimentos atuais têm maior cuidado e, por isso, eu acho que é possível aproveitar o potencial que a Amazônia tem, sem causar danos.

As duas hidrelétricas no rio Madeira em Roraima, a de Belo Monte no rio Xingu no Pará, e a usina nuclear Angra 3 são projetos considerados essenciais pelo Ministério das Minas e Energia. Todos estão ou sem licenciamento ambiental, ou com problemas na justiça. Nas previsões de aumento de oferta de energia o governo está levando em conta o tempo que os projetos demoram a obter licenciamento ambiental?

Tolmasquim - Sem dúvida. Para as usinas de Santo Antônio e Jirau, a perspectiva é que a licença saia nos próximos meses. A previsão para a usina de Santo Antônio é que entre em operação em 2012 e Jirau em 2013. A usina de Belo Monte seria mais adiante.

A participação das chamadas novas fontes de energia renovável — eólica, solar, pequenas centrais hidrelétricas (PCH) entre outras — é bem modesta no país. Que papel as fontes renováveis podem assumir no balanço energético do Brasil?

Tolmasquim - Temos que distinguir os tipos de fonte de energia renovável. Em curto prazo as mais viáveis seriam a pequenas centrais hidrelétricas (PCH), as usinas térmicas a base de bagaço de cana e a eólica. Dessas três, duas são já competitivas: a térmica a bagaço de cana e as PCHs. Essas fontes terão um papel muito importante no suprimento de energia do país nos próximos anos. Elas têm se inscrito para participar dos leilões e eu acho que a perspectiva é muita boa. A eólica ainda é uma fonte mais cara do que as demais. Para se ter uma idéia, a biomassa, a PCH e a hídrica, estão abaixo de US$ 45 o MW/hora enquanto a eólica está em torno de US$ 70. Está, portanto, numa outra escala econômica.

Qual a posição da EPE em relação ao Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), criado no final de 2003, com suporte do BNDES?

Tolmasquim - O Proinfa foi um programa importante para demarcar essas fontes. No Proinfa 1, a eólica foi a fonte mais contratada, porque a biomassa não conseguiria atender a cota demandada. Estavam previstas originalmente 1,1 mil MW de energia e se contratou cerca de 1,3 mil. Então, esta foi a fonte que, do ponto de vista de incentivo, mais se apoiou. No Plano 2030, que a EPE está fazendo, estamos trabalhando com o horizonte de 25 anos, colocando mais 3,3 mil MW de energia eólica. Ou seja, um projeto de longo prazo.

Qual é a dinâmica dos leilões de energia para as concessionárias?

Tolmasquim - No sistema elétrico brasileiro atual as distribuidoras prevêem qual a sua demanda de energia para atender sua área de concessão, com cinco anos de antecedência, e informam ao governo. Em maio próximo elas apresentarão sua previsão para 2012. Daí o governo faz um leilão para as empresas geradoras interessadas em construir usinas para atender a demanda das distribuidoras. As inscrições são feitas na EPE e vêm de todas as fontes: biomassa, hidrelétrica, térmica a carvão, PCH, térmica a gás etc. Aliás, temos um fato interessante este ano. Pela primeira vez empresas geradoras de energia eólica estão pedindo para se inscrever no próximo leilão. Eu não sei se elas vão ser competitivas mas, de toda forma, estão se inscrevendo. O governo organiza os leilões, habilita as usinas e submete às geradoras uma série de regras para que se tenha segurança de que o projeto da nova usina não ficará só no papel.

 

 

 

 

O investimento em programas de eficiência energética é reconhecidamente uma ação complementar importante no aumento da oferta de energia. As campanhas para economia de energia na época do apagão tiveram grande adesão da população. Por que não continuar nesse caminho?

Tolmasquim - Alguns programas continuam. Tem por exemplo o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica, Procel com uma série de programas de eficiência de energia, o Procel nas escolas etc. O Ministério de Minas e Energia tem leis de eficiência mínima de equipamentos, motores, geladeiras etc que após serem aprovados no Congresso tornam-se padrões. O Sebrae e outras entidades também têm ações. Agora, é natural que num momento de crise, a ação tenha um caráter emergencial e uma mobilização em escala nacional. Eu acho que é fundamental um programa contínuo de eficiência. Pela primeira vez, estamos com uma meta de energia a conservar. No Plano 2030, estima-se uma economia de 5% ao ano advinda em parte do chamado progresso autônomo, aquele que ocorrerá de qualquer maneira, por causa de melhorias de equipamento etc. Outros 5% devem ser resultado de programas específicos. É aquele progresso em eficiência que não ocorreria sem a ação do governo. Para isso a EPE vai estruturar um programa nacional de conservação de energia ao longo deste ano. Para se ter uma idéia do que significam esses 5% em termos de energia, seria o equivalente a uma Itaipu em 2030. Essa meta vai sair no Plano Nacional de Energia, a ser aprovado pelo Conselho Nacional de Política Energética, (CNPE). A energia mais barata e interessante ambientalmente é o MW não gerado. O investimento para economizar um MH/hora é menor do que para gerar um MH/hora. A eficiência é uma prioridade. Porém, é um erro superdimensionar a capacidade das fontes alternativas, que têm um limite. O problema de superdimensionar esse potencial é que você deixa de construir usinas, falta energia e sem ela há racionamento. É preciso ser bastante realista porque num planejamento não devemos confundir aquilo que se deseja com aquilo que é factível, para não faltar energia.

Pesquisadores da USP desenvolveram um aquecedor solar popular a partir de PVC, capaz de economizar até 80% da energia gasta pelo chuveiro elétrico. Uma medida como essa aplicada em grande escala representaria ganhos em termos de eficiência energética. O governo pensa em incentivar programas nessa linha?

Tolmasquim - Não conheço o projeto, mas a idéia parece interessante. Alguns países têm programas específicos nesse sentido. Em Israel, por exemplo, o aquecimento é feito exclusivamente com aquecedores solares instalados no teto das residências. Idéias assim demandam mudanças, mais no nível municipal que federal. O custo principal para viabilizar tal instalação não está exatamente no equipamento, mas no próprio prédio, que tem que ter instalações de cano apropriadas etc. As questões de edificação têm que ser alteradas. São idéias interessantes que devem ser consideradas e incentivadas.

Os 30 anos de investimento público no Proálcool resultaram na liderança mundial brasileira em pesquisas e produção de etanol. Seria esse o caminho para outras fontes de energia alternativas disponíveis no Brasil?

Tolmasquim - O Brasil está seguindo o mesmo caminho no biodiesel. É um programa que está nascendo muito parecido com o Proálcool. Há incentivos tributários e fiscais de várias naturezas, dependendo da região onde é plantada a oleoginosa, do tipo de planta, do desenvolvimento social das famílias etc. A Petrobras compra a produção do biodiesel como fazia com o álcool. A expectativa é que o biodiesel venha a ser completamente competitivo. O programa está indo bem e vai atender a meta antecipada para 2008 de misturar 5% de biodiesel ao diesel.

Qual a expectativa de opções viáveis em combustíveis para o suprimento da frota nacional?

Tolmasquim - O nosso planejamento para daqui a 30 anos é chegar a 12% de biodiesel misturado ao diesel, plano chamado B-12.

No modelo energético brasileiro as usinas termelétricas, movidas a gás natural, funcionam como reserva de energia. Esse papel se mantém, diante dos problemas de abastecimento de gás natural?

Tolmasquim - Existe uma situação de oferta justa de gás em relação à demanda. Isso vai perdurar até o início de 2009, quando deve entrar no balanço energético a oferta 20 milhões de metros cúbicos/dia de gás natural liquefeito, o GNL hoje importado, com uma estação de 14 milhões de metros cúbicos/dia no Rio e uma de 6 milhões no Ceará. Além disso, haverá um aumento de cerca de 5 milhões de metros cúbicos/dia da oferta interna dos postos de Campos, Espírito Santo e Santos. Então o problema da oferta justa dura ainda uns dois anos. Felizmente nós estamos tendo um período hidrológico muito bom, os níveis dos reservatórios estão altos em todas as regiões do Brasil e, portanto, muito provavelmente entre 2007 e 2008 precisaremos muito pouco do uso da termelétrica. A situação é, portanto, tranqüila, sem problemas de abastecimento no horizonte.

A União Européia anunciou que pretende cortar 20% das emissões de gases optando pelos biocombustíveis e pelo uso de fontes renováveis como a eólica e a solar. Há planos para ampliar a participação do Brasil no mercado internacional de álcool que se abre nesse cenário?

Tolmasquim - Sem dúvida. O Brasil tem uma grande oportunidade com a decisão de outros países usarem mais álcool e pretende conquistar parte desses mercados. É claro que tem que ser com calma para não prejudicar a oferta interna, mas como estamos tendo uma grande expansão da produção doméstica, provavelmente poderemos avançar no mercado internacional sem comprometer o abastecimento interno.