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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.2 Campinas mar./abr. 2007

 

 

Mar brasileiro é rico em diversidade de espécies, mas os estoques são escassos

ESPECIALISTAS APONTAM AGREGAÇÃO DE VALOR AOS PRODUTOS E CRIAÇÃO EM CATIVEIRO COMO FORMAS DE COMPENSAR A PEQUENA PRODUTIVIDADE DE RECURSOS PESQUEIROS

 

 

por BRUNO BUYS

 

 

A constatação que o mar brasileiro não possui grandes estoques de recursos pesqueiros e perde em competitividade para mares de países vizinhos, como Peru e Chile, abundantes em anchoveta e cavala, ou para o Atlântico Norte, rico em bacalhau e arenque, foi feita pelo programa Avaliação do Potencial Sustentável dos Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva, conhecido pela sigla Revizee. A pesquisa explica o porque — ocorre por uma conjugação de fatores ambientais e climáticos, que interagem com o desenho da costa brasileira, determinando a baixa produtividade — e propõe medidas para o setor pesqueiro do país, como a agregação de valor ao produto, monitoramento da pesca e criação de reservas marinhas.

O impulso inicial para a criação do Revizee se deu em 1994, com a entrada em vigor, no Brasil, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). A meta do programa — produzir informações sobre o estado da atual exploração de recursos do mar, bem como sobre o potencial sustentável de pesca — foi alcançada após dez anos de atividades: confirmou-se o conhecimento anterior sobre a limitação nas opções de expansão da pesca, pois o mar brasileiro, embora rico em diversidade de espécies, possui pouca abundância de cada uma delas.

"Antes de começar o programa, tínhamos uma esperança de que poderíamos encontrar algum 'oásis' em alguma região remota, capaz de alavancar a indústria pesqueira. Mas isso não aconteceu. A grande maioria dos recursos que encontramos já estava sendo explorada pelas frotas de pesca", diz Agnaldo Martins, professor do Departamento de Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo. Segundo Atilio Guglielmo, comerciante do Mercado São Pedro, em Niterói (RJ), a quase totalidade do pescado vendido ali vem do Sul do país. "As comunidades de pescadores que trabalhavam nas áreas da baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, não pescam mais como antigamente. É necessário navegar três vezes mais longe, mar adentro, para chegar aos cardumes". A baía sofre com a poluição crônica, oriunda de diversas atividades econômicas ali praticadas, além de abrigar o Porto do Rio, mas ainda representa um potencial pesqueiro local, principalmente para a pesca artesanal.

 

 

RESULTADOS E PERSPECTIVAS FUTURAS

No relatório final do Revizee aparece que a maioria das espécies existentes no litoral e na zona econômica exclusiva brasileira está plenamente explorada ou sobreexplorada. Mesmo com um litoral de grande variedade de recortes e acidentes geográficos, o que favoreceria o surgimento de espécies, a condição de baixo teor de nutrientes das águas impede a formação de grande biomassa de pescado. Existem algumas perspectivas na região Norte, onde quatro espécies de peixes de fundo podem ter esforços de captura intensificados: o ariocó, o cabeçudo, a trilha e a cambéua. Algumas espécies de grandes peixes pelágicos, como a albacora-laje e o espadarte, tiveram também registro de abundância. Essas espécies migratórias, porém, atravessam fronteiras nacionais durante seus ciclos de vida, e estão sujeitas à fiscalização da Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (ICCAT, na sigla em inglês).

INOVAÇÃO NA COMERCIALIZAÇÃO

Para o pesquisador Agnaldo Martins, a estratégia frente a esse quadro de menor produção potencial é aumentar o valor do produto final com melhor processamento do pescado, agregar valor por meio de melhores técnicas de limpeza, acondicionamento e apresentação, capacitando-o a ser aceito por mercados mais exigentes, que pagam maior preço. Atualmente, uma parcela significativa do pescado se perde por manipulação ruim, é vendida a preços irrisórios pelas comunidades de pescadores a grandes atravessadores. Martins avalia que tais medidas possibilitariam que, com o mesmo volume de pescado, as cooperativas e grupos de pescadores poderiam lucrar de cinco a seis vezes mais, vendendo diretamente ao mercado internacional ou a grandes centros consumidores, como Rio de Janeiro ou São Paulo.

CRIAÇÃO EM CATIVEIRO

Carmen Rossi Wongtschowski, professora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e coordenadora do subcomitê sul do Revizee, sugere que uma alternativa econômica interessante ao esgotamento da pesca seja a aqüicultura. O Brasil produz atualmente camarões e alguns outros invertebrados em cativeiro. No Nordeste, a carcinicultura tem crescido, ao mesmo tempo em que na baía da Ilha Grande (RJ) e no estado de Santa Catarina as criações de vôngoles, vieiras, ostras e mexilhões predominam. Tanto para Carmen quanto Silvio Jablonski, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenador da redação do relatório final do programa, as criações catarinenses são referências de boas práticas ambientais enquanto as fazendas de camarões do Nordeste cresceram sobre áreas de importância ambiental, como mangues e estuários, com fiscalização deficiente.

ESTOQUE PESQUEIRO NO MAR BRASILEIRO

O programa Revizee dividiu a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira em quatro subcomitês regionais, encarregados de conduzir os trabalhos locais: Norte, da foz do rio Oiapoque à foz do rio Parnaíba; Nordeste, da foz do rio Parnaíba até Salvador, incluindo os arquipélagos de Fernando de Noronha, de São Pedro e São Paulo e o Atol das Rocas; Central de Salvador até o cabo de São Tomé, incluídas as ilhas de Trindade e de Martin Vaz. E, finalmente, o subcomitê Sul, do cabo de São Tomé até o Chuí.

 

 

REGIÃO NORTE

A região beneficia-se do despejo de água doce do rio Amazonas, rica em nutrientes, que fertiliza o mar e propicia uma produção primária maior que as demais regiões. O Norte representa 28% do total de pescado desembarcado no país, sendo o estado do Pará o segundo maior pólo nacional de desembarque. Possui espécies relevantes para a pesca artesanal: bagres, pescada-amarela e pescada-gó, corvina, serra e pargo. No Pará, a lagosta também tem destaque. Em relação à pesca industrial destacam-se os camarões-rosa, a piramutaba e o pargo.

A região é um dos principais bancos camaroneiros do mundo, estendendo-se desde Tutóia, no Maranhão até o delta do Orinoco, na Guiana. No final da década de 80 a produção atingiu um pico de 10 mil toneladas de camarões, declinando em seguida para cerca de 4 a 5 mil toneladas nos anos mais recentes. A piramutaba, um bagre, teve captura máxima no ano de 1977, de aproximadamente 30 mil toneladas, e depois manteve-se estável em 20 mil toneladas.

REGIÃO NORDESTE

Essa região contabiliza 12% da pesca nacional, ou cerca de 70 mil toneladas ao ano. Dentre as espécies para pesca artesanal encontra-se cioba, ariocó, dentão, pargo-olho-de-vidro, serra, peixe-voador, cavala e dourado. O camarão, capturado por redes de arrasto, está sendo explorado além da capacidade máxima sustentável. Um dos problemas verificados é a captura acidental, relacionada ao equipamento de pesca usado. O arrasto, por exemplo, não captura somente camarões, traz também diversos organismos de fundo, de interesse econômico ou não.

Em relação à lagosta, destacam-se os estados do Ceará (1º produtor, com 80%) e do Rio Grande do Norte (2º, com 10%). A lagosta-vermelha responde por 75% do total, e a lagosta-verde por 20%. São as principais espécies exploradas. O Brasil é o 7º produtor mundial de lagostas, produzindo anualmente um valor aproximado de US$ 50 milhões, num total de 5 mil toneladas de lagosta.

A pesca industrial nordestina está dividida em dois grupos: pesca costeira, que atua na plataforma cotinental, ilhas e bancos oceânicos, capturando lagostas. Já a pesca oceânica dedica-se aos atuns.

REGIÃO CENTRAL

O relevo de fundo acidentado, com recifes de corais e algas calcárias, faz da pesca de linha a única opção adequada na região Central. As pescarias mais tradicionais no litoral sul da Bahia e Espírito Santo têm sido o badejo, a garoupa e o vermelho, animais que vivem em fundos de recifes e rochas. Tem crescido a captura de peixes pelágicos como o dourado, a cavala, o atum e o olho-de-boi. Há ainda a participação de espécies como a guaiúba, o dentão, a cioba, o cherne, a guaricema, a guarajuba e os graçains.

 

 

REGIÃO SUDESTE-SUL

Existem na região tantos pontos de desembarque que o controle da pesca e a estimativa de produção tornam-se muito difíceis. A pesca é desembarcada em oito pontos: Rio Grande (RS), Itajaí e Navegantes (SC), Santos e Guarujá (SP), e Cabo Frio, Niterói e Angra dos Reis (RJ). A pesca artesanal diminui de importância, ficando em torno de 15% da produção regional. Não obstante, é uma fonte de empregos para um grande contingente de famílias e, em muitos pontos, constitui-se em atividade tradicional.

Pesquisas do Departamento de Oceanografia e Hidrologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, mostram que a baía de Guanabara apresenta pesca artesanal significativa de camarão-rosa e camarão-branco, e de peixes como a corvina, tainha, parati e espada. As baías de Sepetiba, Ilha Grande e Parati, no sul do estado do Rio de Janeiro também apresentaram volumes relevantes de pesca artesanal.

A pesca artesanal com arrasto-de-fundo predomina em São Paulo, Paraná e Santa Catarina, onde a espécie-alvo são os camarões, principalmente o sete-barbas e o camarão-rosa. Espécies de peixes importantes são as pescadas, corvinas, linguados, manjubas e tainhas. No Rio Grande do Sul a pesca do camarão-rosa tem forte presença na Lagoa dos Patos, e na região costeira a frota de pesca visa a corvina, a pescada-olhuda, a castanha, a anchova e alguns cações.

A sardinha-verdadeira é um dos principais recursos do Sudeste, e talvez o mais famoso caso de sobreexploração de um recurso vivo marinho. Sua pesca tem sustentado, não sem sobressaltos, uma das indústrias mais populares de pescados do Sul e Sudeste. A pesca da sardinha teve início em meados dos anos 60, atingindo o pico de 200 mil toneladas no começo dos anos 70. Em 1990 registrou-se um desembarque de 32 mil toneladas da espécie, ao passo em que, em 2000, o número caiu para 17 mil toneladas.