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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.2 Campinas mar./abr. 2007

 

 

Pesquisa sobre a interação universidade-empresa no Brasil

 

 

WILSON SUZIGAN e EDUARDO DA MOTTA E ALBUQUERQUE

 

 

UM PROJETO INTERNACIONAL

O International Development Research Centre (IDRC), do Canadá, lançou em maio de 2006 um edital intitulado "Developmental universities: a changing role for universities in the South" . O projeto "Interactions between universities and firms: searching for paths to support the changing role of universities in Latin América", apresentado por pesquisadores do México, da Costa Rica, da Argentina e do Brasil foi selecionado.

Esse projeto está articulado com as propostas selecionadas na África e na Ásia. Os três projetos selecionados pelo IDRC vinculam-se a uma iniciativa lançada por Richard Nelson, professor da Universidade de Columbia, EUA, o projeto "A program of study of the processes involved in technological and economic catch up", iniciado em novembro de 2004. Além da perspectiva comum de cooperação intercontinental, as três propostas estão integradas em torno de uma pergunta comum: "como e porque as relações entre universidades/institutos de pesquisa e empresas diferem entre países e regiões em diferentes estágios de desenvolvimento, e entre setores?" Doze países desses três continentes estão envolvidos, o que permitirá uma efetiva comparação entre diferentes estágios de desenvolvimento (Uganda e Coréia do Sul representam dois extremos em termos de renda per capita) e diferentes realidades nacionais (Costa Rica e China representam dois extremos em termos de tamanho do país).

A equipe brasileira do projeto reúne pesquisadores de diversas universidades e regiões do país, sob a coordenação dos autores deste artigo. Um projeto específico — "Interações de universidades e institutos de pesquisa com empresas no Brasil" — foi aprovado pelo CNPq (Edital Universal, 2006) e outro, centrado em São Paulo, foi submetido à Fapesp.—

OBJETIVOS DO PROJETO

Investigar o padrão atual de interações entre a dimensão científica e a dimensão tecnológica no Brasil é o tema do projeto. Para tanto, focaliza universidades e instituições públicas de pesquisa (parte da infra-estrutura científica do país), de um lado, e empresas (responsáveis pela dimensão tecnológica), de outro, e analisa o relacionamento entre essas instituições constitutivas de um sistema nacional de inovação. Essa análise se desdobra ainda no plano regional, de sistemas regionais ou mesmo locais de inovação, sob os pressupostos de que proximidade importa e interações locais ou regionais são determinantes significativos da localização de empresas inovadoras, como atestam trabalhos empíricos nas áreas de geografia de inovação e de sistemas regionais ou locais de inovação.

O QUE DIZ A LITERATURA DE ECONOMIA DA TECNOLOGIA

Trabalhos publicados na área de economia da tecnologia, em especial os que tratam de sistemas nacionais de inovação, comprovam o papel crucial da interação entre a produção científica e a tecnológica. Nos sistemas de inovação dos países desenvolvidos é possível caracterizar a existência de circuitos de retro-alimentação positiva entre essas duas dimensões. Fluxos de informação e de conhecimento correm nos dois sentidos. Por um lado, as universidades e institutos de pesquisa produzem conhecimento que é absorvido por empresas e pelo setor produtivo, e por outro as empresas acumulam conhecimento tecnológico que suscita questões para a elaboração científica. Um dos principais achados indica que as empresas consideram as universidades e institutos de pesquisa mais importantes como fontes de informação para terminar projetos do que para sugerir novos projetos.

Desses estudos pode-se depreender a existência de fluxos bidirecionais e mutuamente reforçadores entre essas instituições dos sistemas de inovação.

SITUAÇÃO DO BRASIL

O projeto de pesquisa visa avaliar o padrão dessas interações num país com sistema de inovação imaturo como o Brasil. No atual estágio de construção do sistema de inovação brasileiro já estão em operação esses fluxos bidirecionais? É possível identificar padrões de interação regionalmente mais densos?

Trabalhos anteriores fundamentam a hipótese desta pesquisa: dado o estágio de desenvolvimento do país e dado o estágio de construção do sistema nacional de inovação, existem conexões apenas parciais entre a dimensão científica e a dimensão tecnológica no caso brasileiro. Por isso, fluxos bidirecionais e mutuamente reforçadores podem estar limitados a alguns setores, e possivelmente são mais densos em algumas regiões.

A partir dessas questões gerais identifica-se o problema a ser trabalhado na pesquisa: como investigar a interação entre empresas e universidades na realidade brasileira?

Para responder a esse problema, o método da pesquisa consiste na aplicação de um survey sobre a visão das empresas a respeito de universidades e institutos de pesquisa. A princípio, o questionário será aplicado em estados nos quais existe um número significativo de empresas inovadoras. O foco da pesquisa é sobre firmas industriais, de modo a garantir comparabilidade com outros estudos do "Catch up Project" e diálogo com a Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), do IBGE. Porém, como vários segmentos agroindustriais são classificados na indústria de transformação, eles também serão pesquisados.

A PREPARAÇÃO DE UM SURVEY DE EMPRESAS COM ATIVIDADES DE P&D

A literatura de economia da tecnologia conta com dois importantes surveys realizados nos Estados Unidos junto a diretores de departamentos de P&D de empresas industriais: (1) na década de 1980 — o Yale Survey, e (2) na década de 1990 — o Carnegie Mellon Survey. O survey a ser realizado no Brasil baseia-se nesses dois questionários, cujos originais foram cedidos a esta pesquisa pelo professor Richard Nelson.

A elaboração de um questionário adequado à realidade brasileira e que simultaneamente permita preservar um nível de comparabilidade com os questionários originais é um desafio importante da pesquisa. Outro desafio é coordenar sua aplicação pelas várias equipes estaduais, constituídas para dar conta da complexidade e diversidade regional do Brasil. Essas equipes integram a rede de pesquisadores do projeto com autonomia para adequar a pesquisa à realidade regional, porém obedecendo a uma concepção comum, de forma a garantir a compatibilidade dos resultados.

A realização envolve quatro fases: elaboração, pré-teste, aplicação e análise, apoiadas em literatura específica. O questionário a ser aplicado será simplificado ao máximo. Ao contrário do Yale Survey, que se preocupava com questões relacionadas à apropriabilidade das inovações e às oportunidades tecnológicas, esta pesquisa irá concentrar-se em questões que investigam os diversos canais de relacionamento utilizados pelas empresas, que envolvem desde a contratação de pessoal especializado para os departamentos de P&D, participação em encontros especializados, leitura de publicações científicas, até a engenharia reversa. Especial atenção será dada à importância que a firma atribui às diferentes disciplinas científicas, buscando identificar como os diversos setores industriais as valorizam. Essa identificação permitirá comparar os resultados com os dois surveys que serviram de referência.

A preparação do questionário para o Brasil irá beneficiar-se de aplicação-piloto realizada em Minas Gerais, cujo questionário já foi adaptado às características desse tipo de pesquisa no Brasil. Duas questões, que são conclusões preliminares daquela pesquisa, serão debatidas na preparação do questionário para o Brasil: (1) as universidades no Brasil teriam, além das funções tradicionais indicadas na literatura, um papel duplo, na medida em que podem substituir e/ou complementar atividades de P&D de firmas; (2) o papel das universidades brasileiras no treinamento de pessoal para as empresas é um importante canal de transmissão de informações, não captado de forma adequada no Yale e no Carnegie Mellon Surveys. Outra contribuição importante do experimento em Minas Gerais é o estabelecimento de um diálogo entre uma base de dados montada a partir do Diretório dos Grupos de Pesquisa/CNPq e uma base resultante do próprio survey.

ESTRUTURA DA PESQUISA

A pesquisa foi estruturada em módulos, abrangendo: resenha da literatura, mapeamento das interações a partir do Diretório dos Grupos de Pesquisa/CNPq, identificação de empresas inovadoras, preparação do questionário, realização de seminário internacional com pesquisadores dos doze países envolvidos nos projetos do IDRC, realização da pesquisa de campo, estudos de casos de pontos de interação e firmas inovadoras, e conclusão do projeto e apresentação dos resultados. Cada módulo foi montado com objetivos específicos e metodologia própria, tendo em vista o objetivo geral do projeto.

 

Wilson Suzigan é professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp e Eduardo da Motta e Albuquerque é professor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional - Cedeplar, da Universidade Federal de Minas Gerais.