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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.2 Campinas Mar./Apr. 2007

 

 

Transnacionais buscam profissionais de excelência no Brasil

 

 

por FLÁVIA GOUVEIA

 

 

Durante muito tempo, as empresas multinacionais vieram ao Brasil para usufruir do extenso mercado consumidor, da mão-de-obra barata para suas linhas de produção e dos recursos naturais em abundância. Embora tais condicionantes não tenham desaparecido, começa a crescer um novo interesse, que é a busca por talentos: profissionais bem qualificados, em geral recém-formados e saídos de universidades de primeira linha, para integrarem equipes que empreendem inovações para o mercado mundial. "A reorganização do capitalismo, que deu origem à chamada era da globalização, generalizou essa busca de profissionais altamente qualificados em países menos desenvolvidos", diz o economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Eduardo Cassiolato.

Embora várias empresas de grande porte internacional tenham programas com esse perfil de prospecção e treinamento no país, talvez o caso mais emblemático do interesse por profissionais brasileiros altamente qualificados seja o projeto que a montadora francesa Renault contratou junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (DPCT-IGE/Unicamp). A parceria foi firmada com o Centro de Tecnologia da Renault localizado na França (2004 a 2006) e o principal objetivo foi mapear grupos brasileiros que pesquisam tecnologias e desenvolvem patentes que possam ser aplicadas ao setor automotivo. Foram identificados 265 grupos entre universidades e instituições de pesquisas, dando origem a um banco de dados em inglês, disponível para consultas aos profissionais da empresa na própria intranet da matriz francesa.

Outro destaque da Renault na mesma linha são os programas de treinamento de profissionais brasileiros na Europa, coordenados pela Fundação Renault, uma instituição financiada pela empresa, mas com atividades independentes da montadora. Essa fundação oferece bolsa para alguns programas de formação, que podem ser diferentes de um ano para outro. A engenheira Adriana Albarella, formada pela Escola Politécnica da USP, participou do programa MBA International Paris em 2005/2006, ministrado por duas universidades: Sorbonne e Dauphine. O MBA IP foi concebido para pessoas com pouca experiência profissional e não constitui uma especialização, por isso se estuda um pouco de cada área: recursos humanos, marketing, finanças, contabilidade, etc. Também fazem parte do programa um mês de curso de francês intensivo, para melhorar a fluência, além de uma viagem de descoberta da Europa de um mês com guias especializados em arte e história, e por fim um estágio de 3 meses e meio é realizado na Renault, em qualquer uma das áreas instaladas na região de Paris. Não existe a obrigatoriedade de nenhum vínculo empregatício com a Renault após o final do estágio.

Esse programa começou no Japão há cerca de seis anos, na mesma época da aliança entre a Renault e a Nissan. Inicialmente só havia japoneses. Hoje participam também coreanos, brasileiros e iranianos, pessoas de locais onde existem fábricas da Renault fora da Europa.

INOVAÇÕES LOCAIS E MUNDIAIS

No Brasil, diversas empresas multinacionais possuem departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para realizar aprimoramentos e inovações de produtos e processos para o mercado nacional. A gigante Alcatel-Lucent, que desenvolve soluções em telecomunicações, é uma delas e já conta com laboratórios de integração, centros especializados em desenvolvimento, teste e integração de tecnologias de dados, ópticas, computação, sem fio e acesso à internet móvel, desenvolvidos especificamente para atender o mercado brasileiro. A empresa também firmou parcerias com o sistema acadêmico, como o Centro de Estudos em Telecomunicações (Cetuc), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fitec Inovações Tecnológicas e CPqD.

 

 

Algumas empresas no Brasil realizam atividades de P&D visando também o mercado externo. Em alguns setores, tais parcerias não são recentes. Cassiolato lembra que, já no final dos anos 1970, a Siemens transferiu seu centro de P&D para o Brasil, em função da elevada importância da produção de energia elétrica no país. A Pirelli faz convênios com a Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), desde os anos 1980, para pesquisas em fibras óticas.

A INOVAÇÃO NAS MONTADORAS

O setor automobilístico se destaca há anos por estratégias mundiais criadas a partir do Brasil. As principais montadoras presentes no país, capacitaram-se para adaptar os modelos projetados no exterior para as condições brasileiras ("tropicalização"). Entretanto, algumas montadoras acumularam competência local que as capacitou a projetar e desenvolver no Brasil veículos derivativos, que incluem as versões sedan, picapes e perua, tendo como base os modelos básicos, na versão hatch, desenvolvidos no exterior.

Outras montadoras têm evoluído para um patamar mais complexo, de forma a reforçar e ampliar as atividades da engenharia brasileira, caracterizando um maior envolvimento na condução das atividades de P&D no Brasil. "Essas montadoras têm avançado para além das atividades corriqueiras de adaptação dos veículos às condições locais, passando a projetar no Brasil veículos derivativos para o mercado local e até mesmo global", diz Flávia Consoni, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e pesquisadora associada do DPCT/ Unicamp. A minivan Meriva (GM) e o Fox (VW) são exemplos de projetos coordenados por engenheiros brasileiros e projetados para o mercado local e europeu.

Como conseqüência, algumas dessas subsidiárias têm alcançado um novo posicionamento junto à matriz, atuando cada vez mais como parceiras no desenvolvimento de veículos mundiais. De acordo com Flávia, o crescimento da importância da engenharia brasileira nas estratégias globais das corporações multinacionais se deve a características próprias da força de trabalho brasileira, tais como flexibilidade e competência em gerar soluções baratas, assim como o menor custo salarial em relação aos EUA e aos principais mercados europeus.

De acordo com estudo da Unicamp, a indústria automotiva brasileira estabeleceu nos últimos anos cerca de 400 contratos com universidades e institutos de pesquisa do país para a realização de atividades de P&D e serviços tecnológicos, valor acima do esperado pelos pesquisadores. A maior parte das pesquisas contratadas corresponde às áreas de polímeros e compósitos, ligas metálicas e biomateriais. O coordenador do estudo, Ruy de Quadros Carvalho, ressalta, porém, que esse número significativo de contratos concentra-se em serviços tecnológicos, com menor participação de pesquisas.

"Normalmente, os desenvolvimentos e inovações das multinacionais são realizados dentro de suas próprias estruturas e as parcerias com universidades estão muito mais atreladas à prestação de serviços tecnológicos e à qualificação de mão-de-obra (cursos)", aponta Flávia. Para Cassiolato, da UFRJ, falta ao Brasil exigir contrapartidas mais eficazes das empresas multinacionais, como faz a China. Como exemplo, o professor cita o caso da entrada da empresa brasileira de motores elétricos WEG no mercado chinês. "A China exigiu que a WEG realizasse inovações para o mercado global, com participação de instituições locais", diz. Sobre o papel das universidades, Cassiolato alerta para o risco de prejuízos às atividades de ensino e formação de recursos humanos decorrente da dedicação dos docentes em projetos de consultoria para empresas privadas. "Não podemos esquecer que o maior bem que uma universidade é capaz de gerar são pessoas bem formadas. Essa excelência de ensino capacitou o país em áreas importantes, como aeronáutica, petróleo, tecnologia agrícola, genética, biotecnologia e softwares", conclui.