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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.2 Campinas Mar./Apr. 2007

 

 

Sistema baseado em agricultura sustentável ajuda pequenos produtores

 

 

por PATRÍCIA MARIUZZO

 

 

José Cardoso da Silva, que vive no assentamento Santa Helena, na cidade de Cruz do Espírito Santo, Paraíba, dependia de uma ou outra comissão da venda de gado para o sustento da família: ele, a mulher e quatro filhos. Hoje ele tira da roça uma renda mensal de R$ 1,2 mil. José é um dos cerca de mil pequenos agricultores que aderiram ao Projeto Mandalla, sistema de agricultura familiar sustentável, implantado na Paraíba pelo administrador de empresas Willy Pessoa. Desde 2004, a Bayer é parceira do projeto que funciona em oito assentamentos rurais na Paraíba e que está viabilizando a produção de frutas, verduras, além de ervas para tempero e chás.

O projeto, batizado de mandala que, em sânscrito, quer dizer círculos, utiliza tecnologia simples e de baixo custo. São construídos nove canteiros ao redor de um lago circular de cerca de seis metros de diâmetro. A água do lago é bombeada para irrigar a plantação. Os três primeiros círculos são os da melhoria da qualidade de vida, abrigando assim as culturas de subsistência. Os círculos seguintes são os responsáveis pela complementação da renda familiar. Neles são cultivados verduras e legumes para serem vendidos no mercado local. É daí que José Cardoso tira a sua renda. Pequenos animais como galinhas e cabras convivem em um sistema interativo, onde as necessidades de um são supridas pela produção do outro. "Os peixes alimentam-se de plâncton derivado das fezes dos patos, além de mariposas e insetos noturnos atraídos para a água por uma lâmpada colocada pouco acima da água. As fezes dos peixes são ricas em fósforo. Peixes e patos fertilizam as plantas, através da água, bombeada para os nove círculos de irrigação. As codornas, galinhas, coelhos, cabras e a vaca fornecem esterco e urina para a formulação de defensivos e nutrientes orgânicos para as plantas. As fezes de apenas 25 coelhos podem fertilizar a área de 2500 m² de uma mandala", explica Willy Pessoa, coordenador nacional da Agência Mandalla — DHSA, sigla para Desenvolvimento Holístico, Sistêmico e Ambiental. A Agência capacita pequenos agricultores para a gestão do processo Mandalla. Além da Paraíba, Bahia, Alagoas, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás também são atendidos pela ONG.

 

 

A divisão da empresa alemã que apóia o projeto é a Bayer Cropscience que atua no segmento de proteção fitossanitária (herbicidas e fungicidas) e biotecnologia e cujos clientes são grandes produtores agrícolas. Como parceira da ONG, a Bayer dá apoio técnico para construção das mandalas e do sistema de irrigação e ajuda financeira para a compra de sementes, aves, peixes e caprinos e para o pagamento de um salário mínimo por família durante os primeiros seis meses até que as primeiras produções se iniciem. No Brasil, a Bayer tem duas fábricas, em Belford Roxo (RJ) e em Portão (RS) somando mil funcionários. Foram eles que doaram livros e computadores para a formação da biblioteca do Centro Cultural de Acauã que fica no assentamento com mesmo nome, criado pelo Incra em 1995 e que abriga 114 famílias e 63 mandalas. Segundo Eckart-Michael Pohl, diretor de comunicação corporativa da Bayer, o apoio ao projeto tinha como primeiro objetivo melhorar a qualidade de vida das famílias beneficiadas, por meio de alimentação mais farta e diversificada. Entretanto, outros resultados foram obtidos, tais como a melhoria da renda familiar e a manutenção das famílias no campo. "Os nossos clientes são fazendeiros. É a agricultura industrial. Para eles é uma vantagem quando os assentados conseguem se sustentar na terra com qualidade de vida em vez de voltar para o MST ou abandonar a vida no campo", acredita. Desde o início da parceria com a Agência Mandalla o Grupo Bayer investiu cerca de R$ 500 mil.

 

 

UM BRASIL EM CÍRCULOS

Também pode ser construída a mandala do tipo "comunitária", com tamanho maior, em cuja construção e manutenção toda a comunidade se envolve. A produção gerada, além de atender às necessidades das famílias, também pode ser comercializada em feiras livres da região. Segundo Pessoa, o sistema pode ser instalado em qualquer tipo de terreno. "Basta criatividade e uma base de informação para transformar conhecimento em resultados; desperdício em oportunidades de ocupação e de renda", acredita ele. Outro fruto da parceria da Bayer com a Agência Mandalla foi a inauguração, em setembro do ano passado, do Unicenter Mandalla, Centro Nacional de Difusão de Tecnologias Sociais Mandalla, em Cuité, interior da Paraíba. O Centro é uma ferramenta pioneira para formação de jovens e adultos vindos de diversas partes do Brasil, com capacidade operacional para atingir até 216 municípios em todo Brasil, formando, a cada ano, seis turmas de 36 difusores mandalla. Segundo Pohl, a capacitação no Unicenter Mandalla está focada na aplicação de seis módulos que a Agência desenvolveu. Entre os pontos abordados estão técnicas de produção diversificada e rotacionada; aproveitamento de pequenas áreas, adubação orgânica; produção de biofertilizantes; construção de galinheiro móvel; tanque de garrafa pet; beneficiamento de produtos como embutidos e compotas. "Por meio do Unicenter será possível ampliar a capacidade operacional da Agência Mandalla, ampliar investidores públicos e privados e caracterizá-la também como elemento de influência em políticas públicas e articulação com outras entidades do primeiro, segundo e terceiro setor", completa Pohl.

Para o idealizador do projeto as parcerias são fundamentais para o sucesso do projeto. A manutenção do pequeno produtor no campo por meio da capacitação é uma alternativa com resultados mais duradouros do que os obtidos em programas assistencialistas. "Os efeitos chegam para todos, até na diminuição do número de sub moradias nas periferias dos grandes centros urbanos", defende Pessoa. Em dezembro do ano passado ele ganhou o Prêmio Ashoka/Mckinsey de Empreendedorismo Social, um dos principais do setor, concorrendo com 340 projetos sociais em todo país. Hoje cerca de mil pequenos agricultores estão envolvidos nesse projeto, comercializando o excedente produzido em feiras das regiões onde funcionam. Para o futuro, o objetivo é criar cooperativas que coordenem de forma profissional o recebimento e a preparação dos produtos a serem comercializados, incluindo até mesmo a sua industrialização no âmbito familiar, agregando valor à produção e possibilitando maior retorno financeiro.