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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.3 Campinas May/June 2007

 

 

Sylvio Napoli

 

Diferenciação do produto: estratégia da indústria têxtil para enfrentar a concorrência estrangeira

 

 

por PATRÍCIA MARIUZZO

 

 

O Brasil tem o sexto maior parque têxtil do mundo, com mais de 30 mil empresas em toda a cadeia produtiva, que emprega 1,65 milhão de pessoas. O tamanho do setor, entretanto, não impediu que ele fosse um dos mais afetados pela entrada dos produtos importados no país. Uma pesquisa recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que os setores têxtil e de vestuário são os que mais sofrem no mercado brasileiro com a concorrência dos produtos chineses. Nesta entrevista, o gerente do Departamento de Infra-estrutura e Capacitação Tecnológica da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Sylvio Napoli, defende a estratégia de buscar diferenciação do produto para enfrentar a concorrência estrangeira. "A saída é buscar a inovação, usar de criatividade, criar novidades, com marca e design brasileiro, agregando maior valor ao produto", diz. Uma das apostas da Abit nessa direção está na nanotecnologia: em novembro passado, a associação criou o Comitê de Nanotecnologia Têxtil e de Confecção, com empresários e pesquisadores da área. Atualmente, Napoli divide seu tempo entre o trabalho na Abit e um doutorado na USP. Ele considera que, por ainda faltar mecanismos eficientes para interação universidade-empresa, a importação de tecnologias é, no momento, o caminho mais rápido para diferenciar tecidos e roupas fabricadas no Brasil.

 

 

Após cinco anos de superávit, em 2006 o saldo da balança comercial do setor têxtil registrou déficit de US$ 60 milhões. Por que as importações cresceram tanto no ano passado?

Sylvio Napoli O fator que mais influenciou este resultado foi a taxa de câmbio totalmente desfavorável ao setor: os produtos importados ficaram baratos e os brasileiros perderam competitividade devido à valorização do real. Além disso enfrentamos também a concorrência desleal que ocorre com a importação ilegal de produtos. A indústria brasileira é moderna, competitiva e criativa. Em determinados nichos é tão competitiva quanto qualquer outro grande produtor — China, Índia, Turquia e Paquistão. O problema está da porta da fábrica para fora, onde temos que lidar com uma alta carga tributária, questões trabalhistas e logísticas, que não são problemas da indústria têxtil, mas de política econômica.

O preço da mão-de-obra é o grande diferencial da China?

Napoli A China tem um parque moderno, mas, sem dúvida, pelo fato do setor têxtil utilizar mão-de-obra intensiva o fato de ser tão barata faz toda a diferença no preço final do produto. Esse, inclusive, foi um dos fatores que fez a indústria têxtil se deslocar da Europa, Estados Unidos e Japão. No Brasil temos, atualmente, 1,6 milhão de trabalhadores formais diretos no setor. Outra característica é o tipo de mão-de-obra empregada: a maioria mulheres, com qualificação média. A responsabilidade pela manutenção desse tipo de empregado é muito importante, funciona como um amortecedor social. Se você tiver uma crise maior do setor têxtil que gere desemprego, a recolocação desse pessoal é bem mais difícil. Portanto, o governo deveria estar bem preocupado com a manutenção do emprego no setor têxtil, até mais do que em outras indústrias também intensivas em mão-de-obra, como a de calçados e móveis, que também sofrem com a questão do câmbio.

Como as empresas do setor têm investido para se modernizar e enfrentar a concorrência do produto estrangeiro mais barato?

Napoli O investimento da indústria têxtil não é pequeno, e tem crescido nos últimos dez anos. Mas o setor tem uma configuração diferente: o tempo de maturação do investimento é maior do que em outras cadeias produtivas. Quando você compra um equipamento novo, ele continua sendo competitivo até cerca de cinco anos depois. Isso dá um fôlego para o retorno do investimento. Quem imagina a indústria têxtil como atrasada, paquidérmica, está mal informado. A melhor resposta para esta pergunta, entretanto, é dizer que conseguimos aumentar a produção em 30%, sem aumentar as contratações de pessoal e, até, com queda no nível de emprego. Agora, é inevitável continuar investimento em inovações tecnológicas para continuar competindo.

 

 

Esse aspecto moderno inclui todos os segmentos da produção, inclusive o da confecção?

Napoli Esse é o elo mais complicado da cadeia têxtil. É onde se concentra, praticamente, 80% do contingente dos trabalhadores da área, em pequenas e médias empresas. A produção é pulverizada e, por isso, é difícil ter uniformidade. Grande parte das ações da Abit tem buscado melhorar essa área. Um dos resultados foi conseguir junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior a elevação da tarifa de importação de produtos acabados (conhecida como TEC), de 20% para 35%, mesmo índice já praticado em países como México e Argentina.

Qual o papel dos novos materiais? A aplicação da nanotecnologia é viável no cenário brasileiro?

Napoli Basicamente a competição deve ser pela diferenciação porque mesmo com o aumento da TEC, se você for optar pela produção em massa, vai bater de frente com produtores mundiais que não tem o chamado custo Brasil. A saída é através da inovação, da criatividade, do lançamento de produtos novos, com marca, com design brasileiro, enfim, desenvolver e oferecer produtos com maior valor agregado. A nanotecnologia já é uma realidade na indústria têxtil do Brasil. Tecidos que não amarrotam, impermeáveis à água ou óleo, tecidos antibactericidas e antifungicidas ou que secam muito rápido são alguns exemplos. A Santista Têxtil, para citar uma empresa, tem tecidos em cuja etiqueta diz "acabado com processo nanoconfort".

Nos Estados Unidos, existem empresas — boa parte delas saídas de universidades (start ups)— especializadas em desenvolver nanotecnologias e vendê-las para grandes companhias como Nike, Gap ou Lee. No Brasil, a aplicação da nanotecnologia na indústria têxtil pode gerar novos nichos no lugar de empresas tradicionais?

Napoli Esse é, sem dúvida, um modelo que poderia ser aplicado no Brasil. Acredito que existem dois caminhos. O primeiro é desenvolver uma pesquisa tradicional, passando por todas as etapas e, no final, provar a viabilidade dos resultados em nível mundial. O problema é que isso é caro. O segundo caminho seria o da tecnologia embarcada, ou seja, comprar uma fibra que já tem a tecnologia incorporada e aplicar no seu produto: por exemplo, fibras com nanopartículas de prata, que conferem ao tecido propriedades antiodor; ou um corante, um reagente, que dê condições específicas de uso. Nesse momento, acho que o caminho mais rápido é adquirir essas inovações fora do país. Várias empresas brasileiras estão trabalhando assim. Esse caminho, entretanto, deve ser trilhado de maneira sustentável, temos que trazer coisas com custo realista para o nosso mercado. Ao mesmo tempo, esse modelo tem que ser apoiado por ações governamentais, como a criação de zonas de produção e de exportação, com critério diferenciado na área trabalhista e de logística, por exemplo.

Uma interação maior com as universidades não é uma opção para a indústria têxtil embutir mais tecnologia em seus produtos?

Napoli Ainda não conseguimos achar um caminho habitual para essa relação, existe uma certa relutância das duas partes. Falta uma metodologia para que o pesquisador possa transferir o resultado de suas pesquisas para a indústria. Quem deveria criar essa metodologia é a universidade, a parte acadêmica. Acredito que a Lei de Inovação e os núcleos de inovação são um ponto positivo no sentido de criar esse ambiente, que pode contribuir para uma mudança cultural entre os empresários. Porém, é importante que a universidade reconheça que o empresariado brasileiro não é mais um cidadão de segunda classe em termos de conhecimento. Hoje não é mais assim, isso mudou, ele é mais consciente, mais culto e interessado. A inovação veio para ficar: existem meios, formas e caminhos de se utilizar desses recursos e a indústria têxtil tem se esforçado para estreitar os laços com as universidades. Em Santa Catarina, por exemplo, um grupo de empresários percebeu que estava perdendo o feeling do design de ponta, num estadoonde marcas como Hering e Teka eram referências. Isso aconteceu quando eles optaram por produzir em massa, deixando de inovar. Porém, para resgatar a importância do design de forma sustentada uniram-se às universidades, cursos de moda, de design, etc. para criar um ambiente inovador na linha do design e na área têxtil. Criaram prêmios, estágios nas empresas, tudo isso deu um resultado muito bom. Outro exemplo importante é a relação muito forte que temos com a USP para atualização das grades curriculares de cursos voltados à tecnologia têxtil. O curso de tecnologia têxtil e de indumentária oferecido na USP Leste nasceu na Abit.

 

 

Em que áreas do setor têxtil brasileiro existe mais inovação embutida?

Napoli Inicialmente, na fabricação de fibras e no acabamento dos tecidos. Hoje é possível fazer produtos novos mudando o processo de interação das fibras, fios fantasia, encapados, fios com alma de outras fibras, tudo isso na base da cadeia de produção têxtil, onde está acontecendo muita inovação como misturas que geram mais resistência, luminosidade, conforto. Para acelerar o processo de aplicação da nanotecnologia na indústria brasileira, a Abit e o Sindicato da Indústria Têxtil (Sinditextil-SP) instalaram, em novembro do ano passado, o Comitê da Nanotecnologia Têxtil e de Confecção. Ele reúne representantes de empresas, entidades técnicas e de institutos de pesquisa.

No Brasil, em que setores da confecção brasileira as inovações podem chegar mais rápido?

Napoli Um dos setores é o das chamadas roupas profissionais. Elas incorporam mais rapidamente novas matérias-primas e composições sintéticas por causa do nível de exigência de qualidade e segurança. É caso de roupas com retardantes de chamas, roupas com antiestáticos, entre outras. Um dos programas que a Abit está desenvolvendo é para a auto-regulamentação das roupas profissionais para fabricar um produto mais bem elaborado, respeitando uma série de requisitos que essas roupas exigem. Primeiro com as roupas que exigem maior nível de segurança e, depois, de profissionais como atendentes, recepcionistas etc. A tendência é que a roupa seja, por si só, um equipamento de proteção individual (EPI). Este é um mercado grande e importante para ser explorado. Recentemente, a Petrobras entrou em contato com a Abit para fazer interface entre a indústria do petróleo e a têxtil. Só na Petrobras são mais de 50 tipos diferentes de uniformes. Além desse segmento, existe um nicho de produção das chamadas roupas tecnológicas. Porém, o mercado consumidor para elas ainda é pequeno devido, principalmente, ao produto ser mais caro: se for uma aplicação sofisticada, o preço pode ser até 50% maior.

Até a década de 1980, o parque têxtil brasileiro era tido como obsoleto, poluidor, ruim para a saúde do trabalhador por causa do barulho das máquinas e do contato com produtos químicos. A situação mudou? Que cuidados o setor adota hoje em relação ao meio ambiente e à saúde do trabalhador?

Napoli A partir da década de 1990, houve uma virada completa na filosofia industrial brasileira. Passamos a comprar equipamentos que também contemplavam a segurança do trabalhador, não apenas a segurança em si, mas também a poluição interna da fábrica, principalmente a poluição sonora, um dos principais problemas da indústria têxtil mais antiga. Os equipamentos não são tão barulhentos como antes. As fábricas tinham muito mais máquinas porque o processo de fabricação era mais longo. Hoje as máquinas são mais compactas e encurtam o processo. Para obter o mesmo quilo de fio no final, você tem menos máquinas que produzem muito mais. Também ocorreu diminuição de pessoas expostas ao processo fabril. Em 1990, havia pelo menos um milhão a mais de trabalhadores do que hoje. Com relação ao meio ambiente considero fundamental o papel que o governo teve no estabelecimento de uma das legislações ambientais mais severas do mundo que, no setor têxtil, é seguida à risca, ou você se ajusta ou fecha. Essa é, aliás, outra área em que o Brasil é modelo, ao contrário de outros países com grandes parques têxteis como a Índia e a China.

O Brasil é reconhecido pela moda, design diferenciado, uso de novos materiais, desenvolvimento de estamparias e corantes, mas a participação no mercado mundial é de apenas 0,4%. Por quê? A Abit tem ações específicas para promover o produto brasileiro no exterior?

Napoli Uma das razões da participação pequena é que temos um grande mercado consumidor doméstico. Existem, ainda, problemas como o câmbio desfavorável e questões estruturais, que retiram a competitividade do produto brasileiro fora do país. Além disso, precisamos melhorar e inovar o produto brasileiro para conquistar nichos de mercado. Em minha opinião, o problema maior não é nem a participação no mercado internacional, mas a sua composição: são produtos com baixo valor agregado, pouco manufaturados, algodão em pluma ou tecido cru; não é roupa acabada, com estilo e marca. O que precisamos é mudar esse perfil, aumentar o preço por quilo, mesmo que se reduza a exportação em volume. Desde 2001, a Abit tem um programa chamado Programa Estratégico da Cadeia Têxtil Brasileira — TexBrasil cuja meta é melhorar a performance da confecção brasileira no mercado externo. Encerrou 2006 com a participação de 720 empresas. Desde sua implantação, teve ações em 20 estados brasileiros e registrou aumento de 27% nas exportações. O programa promove, ainda, palestras, seminários, rodadas de negócios com compradores internacionais, cursos, missões de negócios e participação em feiras internacionais.