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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.3 Campinas mayo/jun. 2007

 

 

Vantagens ambientais e econômicas no uso de borracha em asfalto

 

 

por GABRIELA DI GIULIO

 

 

Há pelo menos seis anos os brasileiros trafegam por trechos de rodovias que utilizam o chamado asfalto-borracha. Estima-se em mais de 2,5 mil km de estradas cobertas pelo produto em todo o país, uma tecnologia bastante disseminada nos Estados Unidos mas ainda uma novidade por aqui. Para ampliar a pavimentação com borracha nas rodovias brasileiras é preciso investir mais em pesquisas visando, principalmente, o barateamento da tecnologia, que ainda custa 50% a mais que o asfalto comum. Seria preciso, também, maior conscientização sobre a importância da reciclagem de pneus usados e incentivos para isso, principalmente em países como o Brasil, em que o transporte rodoviário é predominante. Anualmente são geradas cerca de 35 milhões de carcaças de pneus e há mais de 100 milhões de pneus abandonados no país que, reciclados, podem ser utilizados na pavimentação das estradas.

O primeiro impacto positivo no uso de borracha em misturas asfálticas está no ambiente, pois a restauração de pavimento com esse tipo de asfalto pode usar até mil pneus por quilômetro, o que reduz o depósito desse material em aterros ou fora deles, diz o pesquisador Luciano Specht, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). No entanto, outras vantagens ainda superam o ganho ambiental: aumento da vida útil do pavimento, maior retorno elástico, maior resistência ao envelhecimento precoce por oxidação do cimento asfáltico de petróleo e às intempéries e, ainda, maior resistência às deformações plásticas, evitando, assim, trilhas de rodas indesejáveis. Estas são algumas das qualidades do produto elencadas pelo engenheiro José Roberto Ometto, diretor de engenharia da Concessionária Colinas, empresa que implantou a restauração com esse tipo de asfalto, em regime experimental, em dois trechos das rodovias que administra.

 

 

"A Colinas optou por estudar essa tecnologia visando agregar as vantagens do asfalto-borracha ao seu sistema rodoviário", diz Ometto. Para isso, conta com parcerias com a Universidade de São Paulo (USP), e as empresas Falcão Bauer, Petrobras e Greca Asfaltos. O primeiro trecho a receber o novo pavimento, em setembro de 2002, foi a rodovia SP 075, entre os quilômetros 18 e 19 (pista sul) — a chamada Rodovia do Açúcar. A escolha se deveu ao grande volume de veículos que passam pelo local diariamente. "Além disso, a rodovia tem uma vocação de tráfego pesado, o que confere uma solicitação de considerável desempenho e performance ao pavimento", explica o diretor. O outro trecho que recebeu a aplicação em agosto de 2005 foi a SP 127, entre os quilômetros 101 e 105 — na Rodovia Antonio Romano Schincariol.

A idéia, segundo Ometto, é analisar as curvas de desempenho dessas misturas com asfalto-borracha — com análises dos trechos experimentais e estudos em laboratório — para que a equação desempenho x custo torne viável a adoção desse tipo de asfalto. Por enquanto, os resultados obtidos pela concessionária têm sido positivos. "O desempenho e a aceitação por parte dos usuários têm sido excelentes para os dois trechos", diz.

A boa receptividade tem sido comprovada também pela empresa Greca Distribuidora de Asfaltos Ltda. Como umas das primeiras a usar o asfalto-borracha em rodovias brasileiras, a empresa já aplicou a técnica em quase 2 mil km de pavimentação, com resultados animadores, garante o engenheiro Armando Morilha Junior, diretor técnico da Greca.

 

 

 

 

Desde 1998 a empresa pesquisa a tecnologia. "Desenvolvemos nosso produto levando em conta as características desse tipo de asfalto e do tipo de borracha existente no Brasil. Também levamos em conta a condição climática e as características de nossas rodovias", explica Morilha, ressaltando que a liga asfáltica é feita com tecnologia totalmente brasileira. A empresa mantém convênio de cooperação técnica com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e realiza ensaios de ligantes e de misturas asfálticas nos laboratórios da USP e do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), no Rio de Janeiro. A Greca também mantém um Centro de Pesquisa localizado em Araucária, no Paraná, e em breve deve contar com um laboratório similar em Guarulhos, na Grande São Paulo.

 

AUSÊNCIA DE INCENTIVO OFICIAL

Para o pesquisador Luciano Specht, que avaliou em sua tese de doutorado na UFRGS as misturas asfálticas com incorporação de borracha reciclada de pneus, ainda falta no Brasil incentivo, inclusive fiscal, para a utilização desse material nas pavimentações asfálticas. "As concessionárias responsáveis pelas rodovias estão, em muitos casos, dispostas a investir um capital maior para que as estradas tenham sua vida útil estendida e para que sejam reduzidos os custos de manutenção. Isso num prazo médio e longo poderia levar a uma economia financeira para as empresas". Nos Estados Unidos, país onde a técnica é pesquisada desde o final da década de 1960, há uma lei que estabelece a utilização de um percentual mínimo de borracha reciclada em misturas asfálticas. A lei ainda garante benefícios fiscais aos estados que fizerem isso e prevê punições aos estados que não a obedecerem. O resultado é que em estados norte-americanos como a Flórida, Califórnia e Arizona o uso desse tipo de asfalto é uma realidade há muito vivenciada pelos usuários das rodovias.

 

 

No Brasil, o uso da borracha em pavimentação asfáltica foi aprovada em 1999, por resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Entretanto, a resolução é mais forte no que se refere à instituição da responsabilidade, ao produtor e importador, pelo ciclo total dos pneus, proibindo a sua destinação inadequada e obrigando os fabricantes e importadores a coletarem e darem destino final de forma ambientalmente correta aos produtos que colocam no mercado. Este papel é cumprido, basicamente, pela Associação Nacional das Indústrias de Pneumáticos (Anip) que, desde 2000, tomou para si a responsabilidade pela coleta dos pneus inservíveis (sem condições de rodagem ou de reforma) e criou os chamados ecopontos — são 220 postos para coletas de pneus espalhados em várias cidades por todo o país.

Formada pelas oito maiores empresas fabricantes de pneus novos instaladas no Brasil, a Anip, além de recolher e destinar os pneus à reciclagem, também acompanha com interesse as pesquisas e projetos voltados à utilização de borracha em pavimentos asfálticos. "Temos visitado as concessionárias e achamos que é uma linha bem interessante, que está crescendo, apesar da quantidade e quilometragem de estrada com esse tipo de asfalto ainda ser pequena, com escalas pilotos", explica Vilien Soares, diretor geral da Anip. Para ele, o desempenho desse asfalto ao longo dos anos vai mostrar o diferencial e a viabilidade da técnica e vai concretizar ou não a idéia. "Hoje, os custos de investimento para esse tipo de asfalto ainda são altos. Mas consideramos a técnica promissora, já que deve proporcionar maior durabilidade, menor ruído e menor manutenção", argumenta.

 

INOVAÇÃO PENSADA HÁ 50 ANOS

As primeiras tentativas de se utilizar borracha de pneus inservíveis em asfalto datam da década de 1950. Entretanto, o desempenho do material resultante não instigou os pesquisadores a continuarem os testes experimentais. Na década seguinte, o engenheiro de materiais Charles McDonald atravessava os Estados Unidos em um trailer para inspecionar rodovias quando utilizou uma mistura de pó de pneu com asfalto para selar trincas no teto do seu veículo. Ele observou que, com o passar do tempo, a mistura emborrachada não oxidava, ao contrário daquelas com asfalto convencional. O engenheiro, então, experimentou a mistura de pó de pneu e asfalto quente para os usuais serviços de tapa-buracos. Em 1963, começaram a ser publicados os primeiros artigos científicos apontando para as qualidades do novo material que surgia.

Hoje, as misturas asfálticas com borracha são, normalmente, produzidas com restos ou resíduos de borracha e são obtidas por meio de várias técnicas, incluindo o processo seco e úmido. Essas misturas podem conter aditivos ou modificadores como diluentes e óleos, entre outros. No processo seco, os grânulos da borracha representam de 0,5 a 3,0% da massa do agregado, enquanto que no processo úmido o pó de pneu representa aproximadamente 15% da massa do ligante ou menos que 1,5% da massa da mistura.

O desmonte dos pneus, segundo Specht, pode ser feito de várias maneiras, incluindo o cisalhamento (corte em pequenos fragmentos) mecânico da borracha à temperatura ambiente, o congelamento do material e posterior cisalhamento e o processo de extrusão com o uso de aditivos. Outra maneira de se obter borracha granulada é o reaproveitamento da raspa proveniente da preparação dos pneumáticos para recauchutagem.

Ainda de acordo com o pesquisador, além dos processos seco e úmido, existe um terceiro, denominado processo misto, no qual a mistura é feita de forma semelhante ao da via seca, porém com o uso do ligante modificado com borracha. A melhor interação entre os ligantes modificados e os grânulos de borracha leva, segundo Specht, a concretos asfálticos de boa qualidade e com um grande consumo de borracha, o que torna o processo misto bastante atrativo do ponto de vista ambiental.

A Greca Distribuidora de Asfaltos Ltda faz o asfalto-borracha pelo sistema úmido, conhecido como terminal blend. Nesse processo, o ligante é produzido em uma fábrica própria para tal e depois o asfalto é distribuído para várias empreiteiras, que realizam a pavimentação. Segundo Morilha, esse processo garante total homogeneidade dos componentes e das características técnicas de uma produção de asfalto-borracha.

O asfalto produzido pela empresa já está presente em rodovias localizadas nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Neste último, aliás, está a maior obra brasileira com esse tipo de pavimentação. Trata-se do Sistema Anchieta-Imigrantes, administrado pela concessionária Ecovias. "Nela, o asfalto-borracha é aplicado com uma faixa de agregados diferenciados (técnica baseada em normas vigentes no estado da Califórnia), que tornam o pavimento mais rugoso. A rugosidade melhora a estabilidade da pista em situações de velocidade e também impede a hidroplanagem causada por excesso de água na pista", garante Morilha.