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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.3 Campinas May/June 2007

 

 

Avanços normativos da propriedade intelectual como mecanismo de proteção da biodiversidade

 

 

BRUNO FALCONE

 

 

A proteção do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado e o uso sustentável e racional da biodiversidade — notadamente num país que é possuidor da maior parte das florestas intactas do globo terrestre e de nada menos que 20% de todo o patrimônio genético de plantas, animais e microrganismos do planeta — são assuntos de extrema relevância não somente para a administração pública, mas para toda a sociedade civil, e devem ser tratados como temas estratégicos, e como política institucional, também na iniciativa privada.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi contemplado pela Constituição Federal e por ela é considerado bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, cabendo ao poder público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país. Nesse tocante, a Convenção sobre Biodiversidade Biológica, assinada no contexto da Rio 92, em reconhecimento à soberania dos Estados sobre seus recursos naturais, atribui aos governos nacionais a autoridade para determinar o acesso a seu patrimônio natural.

Na medida em que se reconhece a biodiversidade como bem jurídico de importância ímpar para as gerações presentes e futuras, confia-se também nos mecanismos de propriedade intelectual para que se possibilite a concreção de uma política efetiva de racionalidade e sustentabilidade na sua utilização comercial ou científica. Nesse sentido, o item 15.1.7, do Decreto nº 4.339, de 22 de agosto de 2002, estabelece que a Política Nacional da Biodiversidade tem por objeto específico o apoio e a divulgação de experiências de conservação e utilização sustentável da biodiversidade, inclusive por povos indígenas, quilombolas e outras comunidades locais, quando houver consentimento destes e desde que sejam resguardados os direitos sobre a propriedade intelectual e o interesse nacional.

Estima-se que o Brasil seja possuidor de 60 mil espécies de plantas superiores, o que corresponde a aproximadamente 22% do total existente no planeta, sendo mais de 7% delas espécies genuinamente brasileiras. Há ainda um sem-número de microrganismos terrestres e marinhos concentrados especialmente no pantanal, semi-árido, cerrados e na Amazônia, que ainda não foram descritos.

O Brasil possui verdadeiros bancos naturais de recursos genéticos e aposta na denominada "biotecnologia moderna" — que emprega organismos geneticamente modificados para características específicas, incluindo técnicas moleculares para identificação, isolamento e expressão de genes — para, neste século, elevar a sua competitividade em segmentos mercadológicos estratégicos.

Acredita-se que a população mundial crescerá mais que 30% nas próximas três décadas, fato que, aliado à retirada de subsídios agrícolas em países desenvolvidos, provavelmente acarretará o aumento da demanda por alimentos — especialmente produtos agrícolas e proteínas animais — e redução da oferta por produtos competitivos.

Espera-se, pois, que o aproveitamento contínuo de informações biotécnicas que permitam o uso de organismos geneticamente modificados para fins terapêuticos, agrícolas e ambientais possa contribuir para o aumento da produtividade, a redução dos custos de produção, a implantação de sistemas produtivos sustentáveis sob o aspecto ambiental, além de possibilitar a concepção de novos métodos para manutenção, caracterização, avaliação e utilização de recursos genéticos e naturais, garantindo ainda a segurança alimentar das gerações presentes e futuras.

Em 02/1/2007, entrou em vigor no Brasil a Resolução nº 134/2006, editada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que estabelece procedimentos relativos ao depósito de pedidos de patente cujo objeto tenha sido obtido por meio de acesso a amostras de componente do patrimônio genético nacional. Trata-se de mais uma medida normativa que visa a evitar a exploração irregular da megadiversidade biológica brasileira.

O tema já havia recebido disciplina jurídica através da Medida Provisória nº. 2.186-16, de 23/8/2001, cujo artigo 31 condicionou a concessão de direito de propriedade intelectual, em relação a processo ou produto obtido através de amostra de componente do patrimônio genético nacional, à observância daquele diploma legal, e imputou ao depositante do pedido de patente o ônus de informar à autoridade competente a origem do material genético e do conhecimento tradicional associado.

 

 

O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) também já havia editado a Resolução nº. 23, de 10/11/2006, determinando aos titulares de pedidos de patente depositados a partir dessa data, e que reivindicassem proteção a produto ou processo resultante de acesso a componente do patrimônio genético realizado a partir de 30/6/2000, que declarassem ao INPI que as normas contidas na Medida Provisória nº. 2.186-16, haviam sido atendidas, e informassem o número e a data da autorização de acesso correspondente, sob pena de sujeição às sanções cabíveis.

Outrossim, a Resolução nº. 23 estabelecia que os titulares de pedidos de patente resultante de acesso à componente do patrimônio genético, realizado entre 30/6/2000 e a data de publicação daquela Resolução, também deveriam regularizar a sua situação junto ao INPI.

Cumpre registrar que o CGEN, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, possui caráter deliberativo e normativo e é composto por representantes de órgãos e entidades da administração pública federal, que detêm competência sobre diversas ações relacionadas ao acesso ao patrimônio genético nacional e conhecimento tradicional associado. Entre outras atribuições, compete ao CGEN deliberar sobre autorização de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético e de acesso a conhecimento tradicional associado.

A inovação prática trazida pela Resolução 134/2006 do INPI destina-se a todos os pedidos de patente depositados no Brasil e determina que depositantes de pedidos apresentados após 2/1/2007 deverão informar ao INPI se o seu objeto foi ou não obtido a partir de amostras de componente do patrimônio genético nacional. Em caso afirmativo, o depositante deverá declarar que foram cumpridas as determinações contidas na Medida Provisória nº. 2.186-16, informando, ainda, o número e a data da autorização de acesso correspondente, bem como a origem do material genético e do conhecimento tradicional associado.

Depositantes de pedidos pendentes de exame cujo objeto tenha sido obtido através de amostras de componentes do patrimônio genético nacional, acessadas após 30/6/2000, deverão proceder da mesma forma. Afigura-se, pois, prudente que as empresas revejam o seu portifólio de pedidos depositados e patentes concedidas no Brasil com vistas a adequá-los à nova ordem.

Entre as diversas diretrizes contempladas na Medida Provisória nº. 2.186-16 e que devem, portanto, ser observadas pelo depositante do pedido de patente, está a proibição de acesso ao patrimônio genético nacional para práticas nocivas ao meio ambiente e à saúde humana e para o desenvolvimento de armas biológicas e químicas.

Aquele que explorar economicamente produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componente do patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado, acessada em desacordo com as disposições da Medida Provisória nº. 2.186-16, estará sujeito ao pagamento de indenização orrespondente a, no mínimo, vinte por cento do faturamento bruto obtido na comercialização de produto ou de royalties obtidos de terceiros pelo infrator, em decorrência de licenciamento de produto ou processo ou do uso da tecnologia, protegidos ou não por propriedade intelectual.

Ademais, a violação omissiva ou comissiva dos mandamentos contidos na referida Medida Provisória configura infração administrativa contra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado e sujeita o infrator a sanções, tais como a apreensão das amostras irregularmente acessadas, suspensão da venda do produto, embargo da atividade e extinção da patente, além da multa que pode variar de R$ 200,00 a R$ 100.000,00 (em caso de pessoa física) e R$ 10.000,00 a R$ 50.000.000,00, se a infração for cometida por pessoa jurídica.

A necessidade de salvaguarda da megabiodiversidade brasileira é intuitiva, consabida e dispensa tergiversação. Nota-se, contudo, que os mecanismos de proteção da propriedade intelectual têm sido especialmente utilizados tanto como importante meio de implementação da garantia constitucional de preservação da biodiversidade — na medida em que efetivamente condicionam o direito de exclusividade em relação a produto ou à comprovação de que o referido acesso deu-se de forma regular e em conformidade com os princípios da racionalidade e sustentabilidade — quanto no sentido de evitar a perda do controle pelo país sobre seu extenso e promissor patrimônio natural.

 

Bruno Falcone é MBA em direito empresarial e advogado especialista em direito da propriedade intelectual e industrial e direito regulatório no escritório Dannemann Siemsen.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. Medida Provisória nº. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, art. 11, inciso IV, a