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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.3 Campinas mayo/jun. 2007

 

 

Etanol brasileiro pode substituir 10% da gasolina mundial em 2025

 

 

por SABINE RIGHETTI

 

 

Os recentes relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) alertando o mundo sobre os efeitos do aquecimento global — causados, entre outros motivos, pelo aumento da emissão de gás carbônico (CO2) na atmosfera — chamou atenção para as novas fontes de energia renovável. Nesse contexto, o Brasil pode sair na frente, devido a sua expertise na produção do etanol. Sem que a plantação de cana-de-açúcar atinja reservas florestais e outras fronteiras agrícolas, o etanol brasileiro pode substituir 10% da demanda mundial de gasolina em 2025. Isto é o que mostram os primeiros dados do Projeto Etanol, do Grupo Energia, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) que, desde março de 2005, tem realizado um trabalho multidisciplinar de prospecção tecnológica. Os resultados finais devem ser apresentados no final de 2007. Mas os pesquisadores alertam: o aumento da produção do álcool deve ser organizado, com investimentos em novas tecnologias e mantendo o foco na sustentabilidade.

Conforme explica Mirna Ivonne Gaya Scandiffio, pesquisadora do Projeto Etanol, um estudo de prospecção tecnológica permite criar um cenário futuro idealizado, com base em uma retrospecção e em avaliação dos atores sociais envolvidos. "A partir do cenário criado, é preciso verificar que decisões devem ser tomadas para que ele seja atingido", esclarece Mirna. No caso do Projeto Etanol, os pesquisadores projetaram para 2025 uma demanda mundial de 1,7 trilhões de litros de gasolina por ano, o que representa um aumento de quase 50% em relação ao consumo do ano passado, que foi de 1,2 trilhões. Dadas as diferenças energéticas entre gasolina e álcool, o Brasil precisaria produzir em torno de 205 bilhões de litros de álcool para substituir 10% da demanda da gasolina mundial em 2025. A produção hoje é de 17 bilhões de litros de álcool, sendo que o Brasil ocupa, juntamente com os Estados Unidos, o posto de maior produtor do mundo.

 

 

O Projeto Etanol propõe o aumento da produção do etanol de maneira sustentável e organizada. Considerando solo, clima e declividade (inclinação do solo — a colheita mecanizada só pode ser realizada com até 12% de declive), é possível aumentar a área de plantação da cana-de-açúcar de 6 milhões para 30 milhões de hectares, excluindo reservas florestais, a região amazônica, toda a região sul do país (cujo clima é menos favorável ao plantio) e as áreas com declive acima de 12% (o que totaliza 75 milhões de hectares). Trata-se de um aumento significativo, considerando-se que a área seria maior do que a ocupada hoje pela cana no mundo: 21 milhões de hectares (a mesma área é ocupada pela soja no Brasil).

 

PERCALÇOS

Essa expansão da cana-de-açúcar nas proporções propostas pelo Projeto Etanol pode causar impactos ambientais indiretamente, segundo o pesquisador Luiz Fernando Guedes Pinto, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). Segundo ele, existem terras agricultáveis que serão ocupadas pela cana e, diretamente, pode não haver desmatamento da Amazônia, mas pode ocorrer um deslocamento das populações para a região amazônica. O pesquisador lembra ainda que parte da cana deverá ser plantada no cerrado que precisa ser protegido, por ser um bioma bastante rico e que concentra boa parte das nascentes de água do país.

A água é outro ponto importante quando se fala em expansão de qualquer fronteira agrícola. A cana-de-açúcar tem a vantagem de usar pouco agrotóxico, o que diminui o risco de contaminação dos lençóis freáticos, mas as lavouras demandam aproximadamente 80 litros de água para cada quilo de matéria seca. Além disso, a cultura da cana ainda é grande consumidora de água para lavagem, cuja alternativa seria o desenvolvimento de sistemas de limpeza a seco, que permite a remoção de impurezas minerais e parte das impurezas vegetais.

 

 

AVANÇO TECNOLÓGICO

A tecnologia deve estar presente primordialmente para evitar os impactos ambientais do aumento da área de cana-de-açúcar, por isso os pesquisadores do Projeto Etanol sugerem não apenas a ampliação da área plantada, mas também o investimento em novas tecnologias, desde aprimoramento genético da cana até o desenvolvimento de máquinas e equipamentos para sua extração e produção. Um exemplo é a hidrólise química do bagaço e da palha da cana para produção de etanol. "É importante que a sociedade perceba que não se trata de uma questão extrativista, mas sim de desenvolvimento tecnológico", afirma o engenheiro químico Carlos Rossell, também integrante do Projeto Etanol.

Guedes Pinto, do Imaflora, lembra a necessidade do desenvolvimento de mais tecnologias de tratamento e uso do vinhoto — líquido resultante da extração do álcool. Para cada litro de álcool produzido, restam entre 10 e 15 litros de vinhoto que, se devidamente tratado, pode ser usado como fertilizante. "As usinas atualmente utilizam quase todo vinhoto gerado na própria lavoura, já que o transporte desse material é difícil por ser líquido. Mas ele pode também gerar biogás", afirma. Além do vinhoto, outra questão latente na cultura da cana é a queima, realizada para facilitar a colheita. "Já existem grupos de pesquisa no Brasil estudando o assunto", revela Rossell, do Projeto Etanol.

 

DISTRIBUIÇÃO REGIONAL

De acordo com dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), a região centro-sul concentra cerca de 85% da produção de cana. Por causa dessa concentração, o Projeto Etanol sugere que 60% da plantação se mantenha na região centro-sul e 40% esteja na região Nordeste, com o objetivo de equilibrar a distribuição das plantações e de promover um desenvolvimento regional. "Fizemos um modelo ideal de clusters de usinas que pode levar desenvolvimento a regiões remotas do país. Cada cluster daria emprego a aproximadamente 200 mil pessoas, com salários maiores, já que consideramos uma colheita totalmente mecanizada ", afirma Mirna.

Os pesquisadores do Projeto Etanol fizeram ainda um estudo logístico para o escoamento de etanol, incluindo a infra-estrutura atual e a necessária para a sua exportação. A construção de dutos foi priorizada— o custo de construção e implantação de um alcoolduto é de aproximadamente um terço do custo de uma ferrovia. Atualmente, 97% do álcool nacional é transportado por rodovias. Além de mais oneroso, esse tipo de transporte é responsável por grande parte de emissão de CO2 para a atmosfera.

 

 

A idéia de considerar avanços tecnológicos e não a simples manutenção da tecnologia existente é uma das grandes diferenças em relação ao Programa Nacional do Álcool (Proálcool) da década de 1970. "É preciso ter uma visão sobre os estágios tecnológicos para analisar para onde a tecnologia do setor pode caminhar", avalia Rossell. "Nosso grupo dá recomendações e diretrizes, mas as decisões governamentais virão depois. Se o governo vai seguir ou não é outra história. Por isso não podemos garantir que o cenário idealizado será atingido", explica.