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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.3 Campinas May/June 2007

 

 

Modelo do biodiesel poderia ser aplicado ao querosene vegetal

 

 

por FÁBIO REYNOL

 

 

COMBUSTÍVEL DESENVOLVIDO NOS ANOS 1980 CHAMOU A ATENÇÃO DA BOEING QUE FIRMOU PARCERIA COM UMA EMPRESA BRASILEIRA PARA TESTÁ-LO

Os combustíveis de origem vegetal, desenvolvidos no Brasil, vão subir aos céus e podem chegar ao espaço. Pioneiro na utilização do álcool de cana-de-açúcar para mover seus automóveis, e em crescente expansão na fabricação e utilização do biodiesel, o país tem grandes chances de se tornar o maior produtor mundial de bioquerosene, o combustível vegetal para aeronaves. Grande área agriculturável, clima favorável, mão-de-obra disponível, extensa diversidade de matérias-primas, e tecnologia própria já desenvolvida fazem do Brasil a grande promessa de viagens aéreas mais limpas.

Desenvolvido há mais de 20 anos, o bioquerosene brasileiro só agora chama a atenção mundial. A recente preocupação com o efeito estufa levou ao estabelecimento de uma parceria entre Brasil e a Boeing, maior fabricante de aviões do planeta. A empresa firmou um acordo no final de 2006 com o criador do querosene de origem vegetal, o engenheiro químico Expedito Parente, que atualmente dirige a Tecbio, empresa co-fundada por ele, que implanta usinas de biodiesel e dá consultoria técnica para o setor. Durante um ano, a Tecbio fornecerá o combustível que será testado nas turbinas da multinacional, sediada em Seattle, Estados Unidos. O acordo ainda inclui a participação da Nasa, a agência espacial norte-americana.

 

MADE IN SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

No final da década de 1970, então professor da Universidade Federal do Ceará, Parente desenvolveu o processo de obtenção do biodiesel através de uma reação química chamada transesterificação. O sucesso tomou corpo com o lançamento oficial do Pro-diesel, em outubro de 1980. Paralelo ao Proálcool, o programa do governo federal que visava obter um combustível alternativo à gasolina baseado no etanol da cana-de-açúcar, pretendia também substituir o diesel de petróleo por outras matérias-primas, como óleos vegetais e gordura animal. Diferentemente do álcool, porém, o biodiesel poderia ser queimado em motores comuns a diesel, sem a necessidade de adaptações.

"O bioquerosene de aviação — que também queimaria na mesma câmara que seus similares fósseis — foi beneficiado por uma peculiaridade do Prodiesel: o projeto estava sob a responsabilidade do Ministério da Aeronáutica e foi o ministro da pasta na época, Délio Jardim de Mattos, que sugeriu que o querosene de aviação fosse incluído no programa", conta Parente.

Foram queimados mais de 10 mil litros de combustível nas turbinas do Centro Tecnológico de Aeronáutica (CTA), em São José dos Campos (SP), até que o produto final fosse obtido. Em 23 de outubro de 1984, Dia do Aviador, foi registrado o primeiro vôo propelido a Prosene, nome conferido em tom de brincadeira ao bioquerosene para simular o status que o álcool e o diesel gozavam na época. Naquele dia, um avião Bandeirante, de fabricação brasileira, levantou vôo em São José dos Campos com destino a Brasília, onde foi recebido com pompa oficial pelo então presidente da República, João Baptista Figueiredo.

"Foi dado um grande voto de confiança ao novo combustível", revela Parente. "O plano previa que o avião levaria um tanque de Prosene e outro de querosene convencional, por garantia, mas o piloto mandou encher os dois tanques com Prosene", relembra orgulhoso o empresário. O sucesso do novo combustível não impediu que ele fosse, assim como o biodiesel, engavetado por mais de vinte anos.

 

PERÍODO DE ESQUECIMENTO

A vedete daquele momento era o álcool que, impulsionado pela influência dos grandes usineiros, abocanhou todos os investimentos do governo e relegou o biodiesel e o bioquerosene a um reconhecimento tardio, somente no início do século XXI. Não seria a primeira vez que alternativas ao petróleo eram descartadas devido aos interesses econômicos de determinados setores.

"No século XX, havia carros movidos a gasogênio (gás obtido de carvão mineral)", explica o historiador Jozimar Paes de Almeida, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, e especialista em história ambiental. "Essa e várias outras opções ao petróleo não foram adiante," conta o professor, que atribuiu esse abandono a influentes setores industriais. "As grandes multinacionais do petróleo e as grandes montadoras sempre apostaram na gasolina para vender sua produção", completa Almeida.

E por que o interesse tardio nos combustíveis vegetais? "A situação hoje é bem diferente de 20 anos atrás," explica o especialista em energia Gilberto Jannuzzi, professor de engenharia mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "O componente ambiental é, atualmente, muito forte. Isso explica porque a indústria da aviação, que tem motores que expelem grande quantidade de gases estufa, está preocupada em encontrar novas alternativas", esclarece Jannuzzi.

A aviação é responsável por 3% das emissões de gases poluentes do planeta. Parece pouco, mas a poluição atmosférica provocada pelo setor aéreo é a que mais tem crescido nos últimos anos, segundo uma pesquisa da Comissão Européia. O trabalho, apresentado ao Parlamento Europeu em setembro de 2005, mostrou que a emissão de dióxido de carbono pelas aeronaves havia aumentado 73% entre 1990 e 2003. A preocupação com essa crescente sujeira vinda dos céus fez a Comissão Européia sinalizar, em dezembro do ano passado, a inclusão a partir de 2011 do setor de aviação civil no Mercado Europeu de Licenças de Emissão de gases causadores do efeito estufa. Com isso, as empresas serão obrigadas a controlar as emissões de suas turbinas.

 

 

No Brasil também há dados sobre a relação dos aviões com a poluição. Um estudo realizado em 2005 pela Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia) da UFRJ revelou que na cidade de São Paulo o querosene de aviação responde por 8,8% da poluição provocada pelos combustíveis. Estes, por sua vez, são responsáveis por 76,14% do lixo atmosférico da capital paulista. Já a gasolina de aviação, combustível de aeronaves de menor porte, emite junto com os óleos lubrificantes, 0,6% dos gases sujos da metrópole.

A contribuição do combustível vegetal pode ir além do meio ambiente. À semelhança do biodiesel, o bioquerosene tem um grande potencial de desenvolvimento econômico e social para o Brasil. Detentor de uma área do tamanho da Alemanha (18 milhões de hectares) disponível para o plantio de babaçu, principal componente do bioquerosene, o país tem todas as condições para se tornar o maior produtor mundial do combustível. A posição de destaque poderá alavancar não só o progresso econômico da nação, mas também o social. O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) iniciado em 2003 demonstra como o combustível vegetal pode desenvolver a agricultura familiar.

Uma legislação específica foi criada a fim de incentivar a inclusão social no processo produtivo do biodiesel. O produtor do combustível que compra matéria-prima de agricultores familiares recebe do governo o selo "Com-bustível Social". Além de servir de diferencial para a promoção do produto, o selo dá direito a linhas de crédito especiais e a reduções tributárias em contribuições como PIS/Pasep e Cofins. Com isso, o PNPB já gerou empregos para 200 mil agricultores familiares, número que tende a crescer com o aumento da utilização do produto. A partir de 2008 será obrigatória a presença de 2% de biodiesel em todo o diesel vendido no Brasil. Em 2013, a proporção deverá subir para 5%.

 

IMPACTOS NO MEIO AMBIENTE

Os ganhos ambientais, maior atrativo de investimentos para o setor, não são pequenos. Para começar, ao contrário dos combustíveis fósseis, os de origem vegetal não contém enxofre, elemento responsável pela chuva ácida. E, apesar de também produzirem dióxido de carbono (CO2), um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, os biocombustíveis acabam reduzindo esse dano ambiental em seu ciclo produtivo. Isso porque eles vêm de plantas que absorvem CO2 e, portanto, reduzem o carbono que os seus combustíveis jogarão na atmosfera. Além disso, essa indústria não gera somente subprodutos nocivos, como o vinhoto da cana-de-açúcar. Entre os seus produtos colaterais estão farelos que podem ser utilizados em ração animal e fertilizante.

Em contrapartida, muitos ambientalistas alegam que o destaque brasileiro no setor pode custar caro ao meio ambiente, a exemplo do que já ocorre com o álcool. Com uma produção em franca expansão para atender o mercado interno, a cana-de-açúcar está ocupando cada vez mais terras cultiváveis no país. Caso o Brasil se torne plataforma exportadora de etanol, esse problema tende a se ampliar e a floresta amazônica já é identificada como vítima potencial dessa expansão. A cana não é adaptada ao clima tropical da região Norte, mas a tendência é que a soja e o pasto invadam ainda mais a região amazônica para dar lugar à matéria prima do etanol. Há pouco tempo, um crime ambiental ilustrou como os crescentes lucros estão fazendo encolher os escrúpulos. Em fevereiro deste ano, a Usina Colombo arrendou terras para plantar cana no noroeste de São Paulo e, sem cerimônia, derrubou o que encontrou de mata nativa para aumentar a sua produção. A lucratividade do setor está compensando até o pagamento das multas e a autuação por crime ambiental, um fato que deveria servir de alerta para as autoridades.

O Brasil terá pouco tempo para acordar para o problema, pois já está avançando a passos largos no setor de combustíveis vindos da lavoura. Possui todos os elementos necessários para assumir a liderança mundial na produção de biocombustíveis de aviação e há 20 anos detém o fator mais complicado, a tecnologia de produção. "Tudo tem o seu ciclo", explica Expedito Parente, "tivemos o ciclo do álcool, estamos na época do biodiesel e chegaremos logo nos tempos do bioquerosene", aposta. Segundo o empresário, deve levar no mínimo mais uns dois anos para que o país comece a montar um arranjo produtivo aos moldes do que se desenvolve hoje para o biodiesel. Isso se a idéia decolar e não esbarrar em interesses contrários. Parece que o vôo para o Brasil se tornar a Arábia Saudita do século XXI em combustíveis vegetais terá que ser abastecido com uma política contínua de investimentos e de crescimento sustentável e não somente com sonhos.