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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.4 Campinas jul./ago. 2007

 

 

Reinaldo Felippe Nery Guimarães

 

Ministério da Saúde deve entrar em breve no campo da inovação

 

 

por PATRÍCIA MARIUZZO

 

 

PODER DE COMPRA E CRIAÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO DE FOMENTO À PESQUISA SERÃO ALGUNS DOS MECANISMOS PARA ESTIMULAR AS EMPRESAS A INOVAREM

Depois do Plano de Aceleração Econômi-ca, PAC, seguido do PAC da Educação, o Ministério da Saúde também prepara um pacote de medidas para incrementar a produção nacional de remédios, melhorar os hospitais e estruturar o atendimento por meio de agentes comunitários de saúde. Um dos principais pontos do chamado PAC da Saúde é a estratégia em pesquisa, desenvolvimento e produção do setor e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (MS) terá um papel fundamental no estabelecimento e execução dessas diretrizes. À frente do projeto está o médico Reinaldo Felippe Nery Guimarães, pesquisador da área de saúde coletiva desde 1985, que orientou sua carreira para o campo do planejamento, gestão e políticas de ciência e tecnologia. Foi diretor da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), membro do Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação, e consultor do CNPq. Nesta entrevista para a revista Inovação Uniemp ele fala sobre a entrada do Ministério da Sáude na área de política de inovação e sobre a ação transversal do ministério que, incluindo todas as suas secretarias, pretende criar nas empresas, no âmbito do complexo industrial da sáude, condições para inovar. Um dos mecanismos dos quais pretende lançar mão é o poder de compra do ministério. Outra ação pretendida é criar uma instituição de fomento à pesquisa em saúde vinculada ao Ministério, que garanta ao gestor federal um papel mais relevante, aproximando os objetivos da pesquisa dos objetivos da política de saúde.

Apesar dos recentes esforços para atualizar sua política de C&T por meio de medidas como a Lei de Inovação e a Lei do Bem, o Brasil ainda tem dois problemas que estão longe de ser superados: a internalização pelas empresas de procedimentos de P&D, hoje realizados no exterior, e a incorporação do conhecimento científico gerado nas universidades e instituições de pesquisa pelas empresas. Quais os efeitos disso na área de saúde?

Reinaldo Felippe Nery Guimarães São imensos. Eu acho que não existe tanto conhecimento nas universidades como se apregoa, e que seja por falta de porosidade que este conhecimento não chega até as empresas. Temos algumas instituições que por razões históricas se prepararam para isso, mas o problema é que o conhecimento gerado na universidade não é destinado majoritariamente para a indústria. Evidentemente que as ligações entre institutos de pesquisa e empresas poderiam ser fortalecidas pelos mecanismos da Lei da Inovação, da Lei do Bem e outros. Essa aproximação seria benéfica para um aumento da capacidade inovadora das nossas empresas. Entretanto, essa ligação não é o principal motor da inovação e sim mecanismos para que elas mesmas possam inovar. Considero equivocada a interpretação de que as ligações universidade-empresa possam solucionar o problema da inovação na empresa brasileira.

O que falta para o país construir um sistema de inovação sólido na área de saúde?

Guimarães Durante toda a década de 90 e até o começo dos anos 2000 não houve qualquer estímulo à inovação. Até então, em todas as políticas industriais as ferramentas para inovação estiveram fora da agenda. Somente a partir dos anos 2000 tais ferramentas começaram a existir e, agora, precisam de tempo para amadurecer. Além disso, uma das principais ferramentas de financiamento à infra-estrutura do nosso país, principalmente industrial, que é o BNDES, passou anos dando as costas à inovação. Apenas recentemente, no governo Lula, isso mudou. Ou seja, o que falta é o já está sendo feito: corrigindo os erros, atualizando a política industrial etc. Eu estou convencido de que o BNDES vai ter um papel central na superação das dificuldades com a inovação no Brasil.

 

 

E qual é o papel do Ministério da Saúde nisso?

Guimarães O Ministério está preparando uma ação transversal que contempla todas as suas secretarias, para criar nas empresas, tanto públicas quanto privadas, no âmbito do complexo industrial da sáude, condições de inovar. No campo de fármacos, por exemplo, o MS tem uma ação direta de fomento no setor público e tem ação de articulação essencial junto ao BNDES e à Finep no sentido de fornecer garantias através de sua capacidade de compra. Se precisamos, por exemplo, de um medicamento estratégico, do qual não podemos prescindir e nem ficar dependentes do fornecimento do exterior, a decisão será de adquirir o conhecimento para que esse medicamento seja inteiramente desenvolvido e fabricado no Brasil. Não se trata de substituição horizontal de importações mas, para esses medicamentos, o MS pode atrair empresários que queiram investir, oferecendo o mercado público, que não é desprezível, como garantia real para que o banco faça uma operação de crédito com a empresa.

E no caso de outros segmentos importantes como o das vacinas?

Guimarães No Brasil não há empresas privadas produzindo vacinas. Aí o MS tem que ter uma ação direta de fomento para desenvolvimento, escalonamento e produção com recursos próprios. Deve ter também uma ação de fomento para internalizar tecnologias de empresas estrangeiras. Duas instituições brasileiras, particularmente o Instituto Biomanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, e o Instituto Butantan, têm sido muito ativos em projetos de transferência de tecnologia de vacinas. Um exemplo é a vacina contra a gripe, que será produzida no Butantan. Já o Biomanguinhos produz vacina para o rotavírus (que provoca a diarréia, uma doença importante do ponto de vista da saúde pública), ambas com tecnologia de fora. Equipamentos médicos teriam um enfoque similar, hemoderivados também. A maneira de fomentar os setores vai variar conforme seu estágio de desenvolvimento.

O senhor defende a idéia de ajustar as atividades de pesquisa em saúde nas universidades públicas e institutos de pesquisa às prioridades estabelecidas pelo sistema de saúde pública. Como seria isto?

Guimarães Desde 2003 o Ministério da Saúde vem aumentando sua participação na pesquisa em saúde no Brasil. Na maioria dos países em desenvolvimento os ministérios da saúde têm pouca voz nessas pesquisas. Elas são predominantemente fomentadas por agências federais ou estaduais, que são generalistas. É o caso do CNPq e das fundações de amparo à pesquisa, as Faps, no Brasil. Nos países centrais, ou em boa parte deles, os ministérios da saúde têm um papel muito importante na orientação geral da pesquisa em saúde. O exemplo mais paradigmático desse modelo são os Estados Unidos, onde o National Institutes of Health (NIH), um gigantesco órgão de fomento à pesquisa em saúde, é vinculado ao ministério da saúde. Da mesma forma no Canadá e na Grã-Bretanha. A idéia é verticalizar a pesquisa em saúde, isto é, fazer com que o gestor federal de saúde tenha um papel mais relevante nessas pesquisas. Por que? Porque é preciso aproximar os objetivos da pesquisa dos objetivos da política de saúde. E nada mais coerente do que o MS, que é o gestor dessa política, estar mais perto da agenda da pesquisa em saúde. Para isso, em 2004, o MS, através da Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos, organizou uma conferência nacional onde foi discutida e chancelada uma agenda nacional de prioridades da pesquisa em saúde. De 2004 até hoje já foram financiados quase 400 projetos de investigação, diretamente pelo Ministério ou em parcerias com o CNPq, Finep ou com as Faps. Em termos de recursos do MS cerca de R$ 300 milhões já foram comprometidos. Isso é inédito no cenário brasileiro. O único setor que tem uma política que poderia ser comparada a essa é o agrícola, que mantém a Embrapa e adotou essa política já na década de 70.

Existem resistências à idéia de criar um órgão de fomento ligado ao MS?

Guimarães Parte delas eu atribuiria a uma resistência ao novo. Há cinco anos, quando começamos a falar nisso, as resistências vinham das próprias agências ligadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia e também da comunidade científica. Mais recentemente, entretanto, os pesquisadores já aprovam a idéia. Mesmo assim não vamos fazer isso atabalhoadamente, mas de maneira gradual, até porque temos que agregar a este órgão a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), que também é muito importante. [a ATS consiste na investigação das conseqüências clínicas, econômicas e sociais da utilização das tecnologias em saúde entre as quais estão medicamentos, equipamentos e procedimentos técnicos, sistemas organizacionais, educacionais, de informação e de suporte, e os programas e protocolos assistenciais, por meio dos quais a atenção e os cuidados com a saúde são prestados à população].

 

 

Este órgão de fomento financiaria pesquisas na empresa privada?

Guimarães A nossa estratégia, desde 2003, para fomento à pesquisa foi a de trabalhar junto com as agências que sabem fazer fomento à pesquisa no Brasil, tais como o CNPq, a Finep e as fundações de amparo à pesquisa para financiar órgãos públicos. O MS hoje não tem ferramentas para financiar empresas privadas. Na arquitetura deste novo órgão de fomento, não vamos prescindir da cooperação com essas agências, mas o MS deve também incluir o BNDES para garantir o fomento às empresas do setor privado, por alguma modalidade de fomento direto ou pelo fornecimento de garantias para o banco, para empréstimos.

A polêmica em torno do licenciamento compulsório do medicamento retroviral Efavirenz trouxe à tona a questão do déficit em pesquisa e inovação na área de saúde no Brasil e da dependência da importação de medicamentos. É possível construir um sistema de inovação combinado com um sistema de bem-estar social?

Guimarães A política de saúde é uma política social que tem essa característica. Quando você analisa uma política de educação por exemplo, ela é uma política social na sua essência, mas é também uma política que, do ponto de vista de criar valor, tangível, de oferecer empregos, do ponto de vista industrial ao menos, ela não tem tanta relevância assim. Mas quando você olha a política de saúde, ela está ancorada, por um lado, num componente de inclusão social, de bem-estar, de seguridade social etc. Mas por outro, ela está pendurada também em um imenso parque tecnológico e industrial. Isto é uma peculiaridade da política de saúde no âmbito das políticas sociais. É por isso que o Ministério, e o ministro José Gomes Temporão também, quer deixar uma marca: a entrada do MS na política de inovação. Este componente da política social da saúde está ancorado no complexo industrial da saúde. Diz-se que o Ministério da Saúde gasta muito, mas ele cria valor, gera emprego. O componente do complexo industrial tem que oferecer saídas, tem que ser sinérgico com o componente de bem-estar social, seguridade e inclusão. É para isso que a nossa Secretaria está se organizando. Já fazemos, desde 2003, ações importantes ligadas à pesquisa e desenvolvimento e agora vamos ter a entrada no campo da inovação.

Ainda sobre o caso Efavirenz, as principais críticas à medida adotada pelo governo, vindas do setor privado, eram sobre o risco de diminuição de investimentos por parte de empresas estrangeiras no Brasil e o perigo do país não ser mais alvo de lançamentos de novos medicamentos, por conta do risco da quebra de patentes. Isso é verdadeiro?

Guimarães Isso é uma bobagem. Evidentemente que são decisões empresariais. Nenhuma empresa falou isso após a decisão do governo Lula. Cada empresa é que vai saber se vai lançar ou não vai lançar produtos novos aqui. O mercado farmacêutico no Brasil não é desprezível, ele está em torno de US$ 10 bilhões anuais. O Brasil é um país que, neste momento, tem um compromisso extremamente forte com o desenvolvimento. Nós temos uma situação econômica privilegiada, do ponto de vista de reservas etc. Temos também uma establidade política, não temos inflação. Então porque uma ação do governo, absolutamente justificada vai gerar retaliações? Se fôssemos um país pequeno até poderíamos especular nessa direção. Eu não acredito nisso. Os empresários multinacionais estabelecidos no Brasil querem atingir seus objetivos de mercado. Não são decisões ideológicas e a retaliação seria uma decisão ideológica. Em relação aos investimentos em pesquisa em novos medicamentos, há anos a comunidade científica e o governo brasileiro reivindicam que as grandes empresas farmacêuticas sediadas no Brasil tragam para cá alguns componentes de pesquisa e desenvolvimento. Jamais fomos atendidos. Qual é a pesquisa que essas empresas fazem no Brasil? Elas estão mais interessadas em patrocinar a pesquisa clínica que está orientada predominantemente para questões de marketing da própria empresa.

 

 

O que significa isso para o Brasil?

Guimarães Significa que os pesquisadores brasileiros não participam da construção do protocolo da pesquisa, não analisam os dados que são enviados para a matriz e analisados por lá. Depois é feita uma publicação, que é distribuída para os médicos receitarem aquele remédio que o trabalho diz que é bom. Em linhas gerais é um tipo de pesquisa que não forma gente. Um tipo de pesquisa para a qual, muitas vezes, os pesquisadores são contratados em bases pouco transparentes ou pouco institucionais. Esse é o lado da pesquisa que eles fazem aqui. Na outra ponta alguns estão interessados em novas parcerias para a identificação de novas moléculas, principalmente da biodiversidade brasileira. Isso é importante para nós? Sim, é importante, assim como a pesquisa clínica, apesar desses pesares que eu citei. Agora neste miolo que fica, coisas como clínica médica, toxicologia, outros componentes das etapas pré-clínicas, isso eles não querem. Portanto, o governo brasileiro, o Ministério da Saúde, o Ministério da Ciência e Tecnologia, estão loucos para que eles instalem atividades de P&D mais consistentes, mas eles não querem.