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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.4 Campinas July/Aug. 2007

 

 

 

Pesquisa e inovação: Brasil prepara-se para conquistar o mercado

 

 

por GABRIELA DI GIULIO

 

 

Avanços culturais e tecnológicos, investimentos no cultivo de uvas e maior preocupação com a qualidade. Grada-tivamente, o vinho brasileiro incorpora melhorias e ganha mercado. "Além de nossos espumantes estarem entre os melhores do mundo, já produzimos vinhos para a mesa de qualquer consumidor exigente", assegura Jorge Tonietto, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho. Segundo dados da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), foram produzidos mais de 217 milhões de litros de vinho em 2006 no país, dos quais apenas 32 milhões referem-se a vinhos produzidos com uvas viníferas ou européias — os chamados vinhos finos. A proporção ainda é pequena neste tipo de vinho, mas a qualidade da bebida nacional vem melhorando de forma consistente nos últimos 20 anos.

O salto de qualidade do vinho brasileiro começou, de fato, a partir dos anos 1990. Com a abertura comercial do país, aumentou a presença de vinhos importados nos estabelecimentos comerciais nacionais e o mercado tornou-se mais competitivo. O consumidor brasileiro foi ficando com o paladar mais apurado diante de opções tão variadas, e com maior interesse pelo setor: passou a querer saber mais sobre qualidade, procedências, safras e as diversidades varietais existentes. "A internet foi um instrumento que também ajudou bastante a apurar o conhecimento sobre a bebida", considera outro pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Celito Guerra.

 

 

Essas mudanças de comportamento do consumidor forçaram os vitivinicultores brasileiros a buscarem mais qualidade para seu produto, para competir interna e externamente. A busca por inovações passou a existir tanto para a melhoria dos vinhedos quanto para aperfeiçoar a produção de vinhos. Os ganhos tecnológicos no cultivo da uva se deram, principalmente, pela ampliação no uso de mudas consideradas sadias e com certificação, e manejo mais adequado, destaca Guerra. Já na produção do vinho, as tecnologias enológicas foram implantadas a partir da aquisição de novas máquinas e equipamentos, como peças esmagadoras de uva, mesas seletoras e prensas inteligentes. "O próprio conhecimento técnico que hoje os enólogos possuem é, também, responsável pela maior qualidade", acrescenta.

Biologia molecular e tecnologias de informação estão presentes, hoje, na pesquisa e na inovação realizadas nos países de maior desenvolvimento vitivinícola, assim como no Brasil. Jorge Tonietto afirma que a produção de uvas e vinhos brasileiros conta com estudos que usam tecnologias de ponta, como recursos de sensoriamento remoto, geoprocessamento, zoneamento, qualidade sanitária e ambiental. Ele destaca, porém, que nem todos os modelos tecnológicos adotados por países produtores vizinhos são a melhor estratégia para o Brasil. "No Chile, por exemplo, que é um dos grandes produtores mundiais da bebida, o foco é investir na produção voltada para o mercado internacional; no caso do Brasil, o foco deve ser o mercado interno, que tem grande potencial para crescer."

 

 

INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS

A fim de servir como um instrumento de estruturação da base produtiva e de promoção de um vinho de melhor qualidade, a Embrapa Uva e Vinho tem estimulado o setor vitivinícola brasileiro, desde o início da década passada, para a implementação e desenvolvimento de indicações geográficas de vinhos. A idéia é delimitar e proteger regiões com produções mais específicas, baseadas em conhecimentos historicamente construídos ou nas características naturais. Em 1994, por exemplo, a Embrapa conseguiu sensibilizar os produtores de uma região do Rio Grande do Sul para essa necessidade. O resultado foi o reconhecimento da primeira indicação geográfica (IG) do Brasil — o Vale dos Vinhedos. Para o presidente da Associação dos Produtores de Vinhos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), Luiz Henrique Zanini, a implementação de tais indicações — que ganharam força com o advento da Lei de Propriedade Industrial — é uma ferramenta estratégica para o setor. A valorização de pequenas regiões pode, segundo ele, ser decisiva para enfrentar a produção desmedida de vinhos padronizados que visam única e exclusivamente atender a uma demanda de mercado emergente. "Vender o clima, o solo e a mão-de-obra humana de uma determinada região é um diferencial importantíssimo", compara.

A criação da IG Vale dos Vinhedos — hoje com um grupo de 375 viticultores e 32 vinícolas, espalhados em 600 hectares de vinhedos — trouxe resultados positivos para a região. O reconhecimento nacional e internacional dos vinhos ali produzidos e a expansão do enoturismo são algumas das conquistas, além da valorização imobiliária e da agregação de valor aos produtos feitos na região.

Em parceria com as associações de produtores, a Embrapa Uva e Vinho vem desenvolvendo projetos para consolidação de indicações geográficas em diversas regiões brasileiras. Monte Belo do Sul, Pinto Bandeira, Flores da Cunha, Nova Pádua, Farroupilha e Vale do Submédio São Francisco são alguns exemplos. Para isso, conta com o apoio de instituições de pesquisa e desenvolvimento tais como a Universidade de Caxias do Sul, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Embrapa Clima Temperado, Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep) e Embrapa Semi-Árido e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Segundo Tonietto, essas iniciativas visam criar âncoras, formatadas em regiões de excelência na produção de vinhos de qualidade de regiões delimitadas. "Além de organizar a produção com foco na qualidade e originalidade, tal iniciativa acarretará no reconhecimento da competência vitivinícola brasileira, melhorando a competitividade no mercado interno e criando oportunidades internacionalmente", diz. Para o pesquisador da Embrapa, o reconhecimento da IG Vale dos Vinhedos pela União Européia, ocorrido em janeiro último, é um exemplo concreto do trabalho sério que o Brasil vem fazendo.

 

RESGATE DA VINICULTURA PAULISTA

Não é só no Sul e na região do Vale Submédio São Francisco, no Nordeste brasileiro, que as oportunidades para vitivinicultura ganham reforços. No estado de São Paulo existe, atualmente, um esforço para resgatar a cultura da produção de uvas e vinhos. Parte das ações vem da Embrapa Informática Agropecuária, que tem procurado qualificar os vinhos produzidos em solos paulistas, de acordo com as condições climáticas de cada local. O pesquisador Fábio Marin informa que o projeto dessa Embrapa é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a idéia é agrupar três áreas do conhecimento para definir as melhores zonas paulistas para o cultivo de uva. "Trabalhamos com indicações geográficas, condições climáticas e com conhecimentos de especialistas na área de uva e vinho", diz. Os resultados colhidos até o momento têm mostrado que São Paulo tem bom potencial para a produção de vinho. "Tem condições de solo e clima e há investimentos e esforços dos gestores públicos para que isso aconteça."

 

 

Entre algumas áreas paulistas de destaque para a cadeia vitivinícola, Marin destaca Campinas, Campos de Jordão, Ilha Solteira e Jales. Mas ressalta que, para a produção de vinhos finos, é preciso que os produtores desses locais invistam na troca de variedades de uva — das chamadas americanas para as européias. Sobre São Roque e Jundiaí — tradicionais produtoras de uva e vinho até há alguns anos — Marin afirma que o estudo apontou um bom potencial para a produção de bebidas de qualidade, com ênfase para os brancos. "Quando a poda da videira é feita em março com colheita prevista para agosto, encontramos condições bioclimáticas semelhantes às encontradas na França, especialmente em Bordeaux, Toulouse, Cognac, Alsacia e Champagne."

Um outro projeto de revitalização da cadeia vitivinícola paulista, também apoiado pela Fapesp, é resultado de parceria entre a Agência Paulista de Tecnologias para o Agronegócio (APTA) e a prefeitura de São Roque, e tem apoio da Sociedade Paulista de Vitivinicultura (SPVinho), do Sindicato de Produtores de Vinho de São Roque (Sindusvinho), e de outras instituições e prefeituras da região. Nesse trabalho, os pesquisadores têm analisado o desempenho da cadeia produtiva do vinho e seus derivados, para formar uma base de dados que subsidie a definição de estratégias por parte dos agentes envolvidos e para ações de políticas públicas, sobretudo municipais.

Adriana Verdi, pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola e uma das responsáveis pelo projeto, diz que quatro municípios fazem parte do protocolo de intenções, responsável pelo planejamento e implementação do Programa Paulista de Desenvolvimento Vitivinícola - Pró-Vinho: São Roque, São Miguel Arcanjo, Jundiaí e Jarinu. "A vitivinicultura envolve uma fonte de novas perspectivas de desenvolvimento regional, com capacidade de articulação com o turismo, o que gera emprego e atrai investimentos", destaca Adriana.

 

 

GARGALOS

Entre os principais entraves à expansão do setor no país ainda está o baixo consumo per capita de vinho e a concorrência dos países vizinhos. De longe, os vinhos chilenos são os mais importados por aqui: só de janeiro a fevereiro de 2007 entraram no país quase dois milhões de litros de procedência chilena; em seguida, vêm os argentinos e os italianos. Outro gargalo é a insistente produção e comercialização de vinhos de baixa qualidade e menor preço. A produção brasileira ainda é desequilibrada: "dos vinhos que produzimos, 30% são bons e 70% são, digamos, 'menos bons'", avalia Guerra.

Outro gargalo é a falta de articulação do setor, abrindo espaço para a entrada de vinhos de qualidade duvidosa. Essa importação gera duas conseqüências graves, segundo o presidente da Aprovale. A primeira é acostumar o paladar do consumidor, que se rende facilmente a um vinho barato que "desce redondo". Segundo Zanini, não há critério técnico para a importação desses vinhos. "Mesmo estabelecendo cotas mínimas, em alguns casos, tal política é insuficiente para nos proteger de produtos que, em última análise, enganam o consumidor", diz. A segunda conseqüência é a cultura de supervalorizar os produtos importados. Há, também, a desinformação do consumidor e sua falta de hábito de ler rótulos, lembra Adriana Verdi. No caso da viticultura, ela destaca, ainda, a escassez de mão-de-obra especializada. "Na região de Jundiaí e São Roque, por exemplo, é cada vez mais difícil contratar pessoal capacitado, o que contribui para aumentar custos com a mão-de-obra e reduz a competitividade da uva regional", explica. O pesquisador Celito Guerra acrescenta que, no Brasil, ainda faltam formar mais enólogos e pesquisadores. "Na Espanha, há cerca de cinco anos, havia mais de 80 grupos de pesquisas trabalhando com uva e vinho", observa.

Danilo Cavagni, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), afirma que, em 2006, os vinhos comuns (elaborados com as variedades americanas ou híbridas) venderam 10% menos que no ano anterior e o volume do comércio de vinhos finos cresceu 2%. No entanto, a importação de vinhos que concorrem com os finos nacionais aumentou 26%, destaca Cavagni que considera que "o baixo poder aquisitivo do brasileiro, aliado à alta carga tributária, aos altos juros que se agregam aos custos, em razão dos longos períodos de estocagem dos vinhos, são os problemas a serem enfrentados". Quanto à conquista do mercado exterior, para Cavagni "restam pequenos nichos que vêm sendo explorados, porém, ainda com volumes pequenos."