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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.4 Campinas July/Aug. 2007

 

 

Design e novos materiais

 

 

RICARDO SCURA

 

 

Como designer, sou um profissional curioso e, diante da proposta de escrever um artigo sobre inovação, a idéia que me ocorreu foi que, talvez, fosse mais apropriado falar sobre o uso de materiais tecnológicos para criar projetos inovadores, ao invés de projetos inovadores de materiais. Mesmo sem dados consolidados para confirmar minha convicção, praticamente toda pesquisa de ponta no desenvolvimento e aperfeiçoamento de materiais é motivada pelos interesses de grandes corporações que financiam pesquisas avançadas buscando soluções de grande impacto econômico.

Isso nos remete a setores com características globais e consumos elevados de determinados materiais como, por exemplo e para ficar apenas com dois, os setores de construção civil e vestuário. Ou seja, é muito mais provável que nos próximos anos surja um novo material criado especialmente para revestir fachadas de edifícios do que um outro para produzir cadeiras, e digo cadeiras não por acaso já que nenhum designer encerra a carreira sem ter esboçado ao menos uma.

Está aí a primeira sugestão: beba da fonte de outros setores produtivos diferentes daquele do produto que você está projetando, pesquise, principalmente nos mais dinâmicos. Para concretizar essa concepção, cito o caso da DuPont, que produz um tipo de papel denominado Nomex, feito de um polímero poliamida aromático (conhecido como aramida). O papel é obtido por mistura de duas fórmulas de aramida, pequenas partículas fibrosas aglutinantes (fibrids) e fibras curtas (flocs). Após a mistura ser transformada numa estrutura contínua em folha, por meio de uma papeleira, são realizadas as etapas de densificação e adesão interna por meio de calandragem a alta temperatura, da qual resulta um papel robusto, flexível, de excelente resistência à ruptura e abrasão e com notáveis propriedades elétricas.

O Nomex suporta sobrecargas elétricas de pequena duração e temperaturas até 200 graus produzem pouco ou nenhum efeito nas propriedades elétricas e mecânicas. Por não serem digeríveis, não são atacados por insetos, fungos ou bolores. Sob uma umidade relativa de 95%, preservam 90% da rigidez dielétrica observada em secura total, não produzem reações tóxicas, não se fundem e não suportam combustão sob um índice de oxigênio a 220 graus C superior a 20,8. Por todas essas características, quase a totalidade de Nomex fabricada é usada como isolante em motores elétricos e geradores.

Se o tal papel não rasga, não pega fogo nem derrete, não conduz eletricidade, não é tóxico, não embolora e não deforma com a umidade, além de ter o aspecto parecido com pergaminho, por que não utilizá-lo como defletor ou cúpula para luminárias? Foi o que pensou o designer Christian Ullmann quando convidado a desenvolver uma peça para o catálogo de "novos materiais, componentes e processos" elaborado pelo Centro São Paulo Design. Outra abordagem para projetos inovadores é o rompimento de paradigmas: projetar o inusitado, a partir da utilização dos materiais que revertem a lógica estabelecida em sua produção original, ou existente no consciente de cada um de nós.

A alemã Tecnaro desenvolve e distribui a Arboform, resina vegetal obtida a partir da lignina, subproduto do processamento da polpa de celulose. Trata-se de uma resina biodegradável, cuja composição permite a moldagem de peças por injeção, ou seja, com os moldes em que se produzem o gabinete de um telefone ou um teclado de computador, pode-se obter as mesmas peças com aparência e algumas outras propriedades da madeira e com características formais que acreditávamos possível apenas para os plásticos. A indústria gaúcha de produtos de plástico Coza, já colocou no mercado peças com formas idênticas, injetadas em plástico e em resina.

O Corian, fabricado pela já citada DuPont, existe há mais de 30 anos e está disponível no mercado nacional há mais de 20. Contudo, seu uso nesse tempo todo tem sido praticamente restrito para a confecção de tampos de balcões, bancadas de cozinhas e laboratoriais, além de cubas. Composto por 1/3 de acrílico e 2/3 de minerais naturais, pode ter aparência de granito, inclusive apresentando a mesma sensação de textura e temperatura. Devido à presença do acrílico, pode ser termomoldado e colado com emendas imperceptíveis, permitindo formas arrojadas, impossíveis para uma placa de granito.

Mas a surpresa não está sempre nas propriedades inesperadas da matéria-prima. Em 2005, o escritório Chelles & Haiashi venceu o Prêmio Abiplast Design com o projeto de um tanque de lavar roupas encomendado pela Tigre. Sempre que olho para o produto, imagino que o que deve ter sensibilizado mais o júri não foi o valor estético da peça, o mais popular entre os requisitos julgados em projetos de autoria de designers, até porque a aparência do tanque não difere em muito de qualquer tanque doméstico mas, sim, a quebra de paradigma ao utilizar o plástico, muito mais leve, no lugar da cerâmica.

 

NOVAS FRONTEIRAS PARA A CRIAÇÃO

De tempos em tempos, o desenvolvimento de novas tecnologias amplia o horizonte dos designers que ganham campo para criar produtos inovadores, seja na forma ou na função. Desde que Edson, em 1879, fabricou a primeira lâmpada incandescente, até poucos anos atrás, os designers que projetavam luminárias invariavelmente tinham que partir da lâmpada, limitados por sua forma (há tempos, um ícone!), dimensões e emissão de calor. Não importava quanto o designer desejasse ser inventivo, qualquer criança não precisaria olhar duas vezes para dizer o que era aquele objeto.

Essa condição mudou um pouco de alguns anos para cá com o surgimento das lâmpadas alógenas e das lâmpadas frias. Mas só recentemente as fronteiras se expandiram para os designers. O desenvolvimento dos minúsculos LEDs de baixa tensão, com suas dimensões reduzidas, vida útil de 40 a 50 anos e desempenho que hoje se equivale ao das lâmpadas incandescentes e a mais nova tecnologia em desenvolvimento nesse campo: os O-LED (diodos orgânicos emissores de luz) películas flexíveis e transparentes essencialmente constituídos por camadas de folhas de plástico extremamente finas, que contêm materiais fosforescentes em sanduíche entre os eletrodos, mudarão radicalmente o repertório formal dos desenhos de luminárias.

A inovação no uso de materiais, permite a elevação de status de alguns deles: materiais antes tidos como de qualidade inferior ou até mesmo lixo, passam a ser virtuosos, por sua contribuição à preservação ambiental. Alguns casos: o couro de tambaqui ou casca de côco como elemento de jóias, laminados de bambu usados na fabricação de móveis.

Ainda com foco na sustentabilidade, fala-se muito em reuso e reciclagem. Quem tem mais de 40 anos, com certeza se lembra do tempo em que se guardavam em casa engradados de garrafas vazias de cerveja ou refrigerante para serem trocadas por cheias nos estabelecimentos comerciais. Caso o consumidor não tivesse a mão os "cascos" vazios, devia pagar um "depósito" e reaver o dinheiro quando devolvesse as garrafas. Isso antes das garrafas one way ou não retornáveis chegarem ao mercado. As garrafas, que na época eram lavadas e reutilizadas, hoje são recolhidas para a reciclagem do vidro e reuso como matéria-prima na fabricação de novas garrafas ou outros produtos desse material.

 

 

Pessoalmente, não no caso das garrafas mas de maneira geral, não simpatizo muito com o reuso que analisado, de modo simplista, promove a diminuição da produção de bens de consumo. Para que fabricar menos cadeiras de madeira e sentar em poltronas de pneus usados se podemos gerar empregos e renda produzindo móveis em madeira originária de florestas de manejo sustentável em fábricas de produção mais limpa? Já pneus velhos podem ser reciclados e voltar como matéria-prima para outros fins, como os solados de tênis produzidos por meio da parceria de gigantes como Adidas, de artigos esportivos, com a Goodyer, fabricante de pneus.

Quanto às garrafas, será que a quantidade de água utilizada no processo de lavagem, seja para o reuso ou para a reciclagem, não causa um prejuízo maior ao meio ambiente do que a fabricação de produtos com o material "virgem"? E quanto à energia necessária para reciclar o copinho de café, até onde compensa?

Respostas para perguntas como essas podem ser obtidas a partir de estudos comparativos entre produtos similares que podem ser fabricados com processos e materiais diferentes chamados Análises do Ciclo de Vida (ACV). A ACV é uma ferramenta da qual, em breve, todo o setor produtivo se tornará dependente. Novas exigências na legislação internacional, como a rotulagem dos produtos para exportação (ISO 14025), controles das emissões de CO2, entre outras, devem dificultar as coisas para as empresas que não estiverem preparadas. Por outro lado, quem conhecer o custo para o meio ambiente da fabricação de seus produtos, e a ACV promete apresentar esta conta, poderá, rapidamente, vislumbrar oportunidades seja por meio de substituição de materiais, troca de processos, mudança de fornecedores entre outras atitudes que trarão vantagem competitiva junto à concorrência, alem de colaborar nos esforços para salvar o planeta. Mas isso é assunto para outra conversa.

 

Ricardo Scura é coordenador do Núcleo de Materiais do Centro São Paulo Design.