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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.4 Campinas July/Aug. 2007

 

 

Para combater mosquitos, mais mosquitos

 

 

por PATRICIA MARIUZZO

 

 

Quem tem o privilégio de comer uma fruta colhida no pé, do fundo do quintal, corre o risco de encontrar aquela larva branca escondida no meio da goiaba, da manga, da laranja, da maçã ou de qualquer outra, na qual a chamada mosca-da-fruta consiga depositar seus ovos. Mas, se no quintal, a presença do popular bicho da goiaba, não passa de uma pequena decepção depois do esforço de colher a fruta no galho mais alto, sempre a mais apetitosa, para os fruticultores de todo o mundo ele representa prejuízos da ordem de US$ 2 bilhões ao ano. Só no Brasil são cerca de US$ 120 milhões literalmente devorados pelo aparentemente inofensivo bichinho. Com o objetivo de aumentar a produtividade dos pomares e tornar as frutas brasileiras mais competitivas no exigente mercado internacional, foi criada a Moscamed Brasil, biofábrica de mosquitos que funciona, desde março de 2006, em Juazeiro do Norte, na Bahia.

A idéia nasceu há dois anos, quando a Embrapa buscava uma solução para a praga da mosca-das-frutas que atingia os pomares brasileiros. Hoje a biofábrica produz cinco milhões de mosquitos estéreis por semana e a previsão é de chegar a 120 milhões até o fim do ano, segundo Aldo Malavasi, professor aposentado do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da USP, coordenador do projeto estrategicamente instalado no centro da maior região produtora e exportadora de frutas tropicais do país, o Vale do São Francisco. A técnica do inseto estéril, TIE, já difundida em outros países produtores no mundo, consiste em fabricar machos estéreis e soltá-los nos pomares para cruzarem com fêmeas selvagens. Isso porque é a fêmea que deposita os ovos dentro dos frutos. As larvas desenvolvem- se e alimentam-se da polpa, inviabilizando a comercialização. Ao cruzar com machos estéreis, as fêmeas não deixam descendentes, isto é, quando depositam os ovos nas frutas eles não se transformam em larvas, preservando, assim, o fruto. O controle biológico da população, em que se baseia a técnica, conta com ajuda da natureza, já que a Ceratitis capitata, nome científico da mosca-das-frutas, cruza apenas com um macho, ou poucos, durante seu ciclo reprodutivo, aumentando as chances dela encontrar um macho vindo da biofábrica e não outro, selvagem como ela.

 

 

SEGURANÇA ALIMENTAR

Para produzir os machos estéreis os técnicos da Moscamed partem de uma linhagem de fêmeas geneticamente modificadas. Elas têm o gene, responsável pela síntese de uma proteína de resistência ao calor, desativado. Os ovos vindos dessa linhagem ficam imersos em água aquecida a 34 graus, por 12 horas. Os embriões fêmeas não resistem ao tratamento térmico e morrem, sobrando apenas os machos. Estes, por sua vez, são irradiados com uma fonte de cobalto e se tornam estéreis. A TIE é uma tecnologia ambientalmente segura que permite diminuir o uso de inseticidas químicos e aumentar a produtividade do pomar. Ao mesmo tempo, ela adequa a fruta brasileira aos padrões de segurança alimentar preconizados pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e exigidos pelo consumidor europeu e norte-americano, principais compradores da produção de frutas do Brasil.

"Substituímos o inseticida pelo macho estéril. Num tratamento combinado, primeiro abaixamos a população de moscas com inseticidas orgânicos e, em seguida, mantemos a população muito baixa usando macho estéril", explica o professor. Com isso, frutas como manga, uva e goiaba, que são normalmente consumidas in natura, se tornam mais seguras, sem outra contaminação, por resíduos de inseticidas. "Um dos nossos objetivos é a segurança alimentar", afirma Malavasi.

 

 

O emprego da técnica do macho estéril permitiu que a fruta brasileira atendesse às exigências do EurepGap - European Retailer Produce Working Group, Good Agricultural Practices. Trata-se de um protocolo de boas práticas agrícolas que devem ser seguidas pelos produtores para obtenção e manutenção da certificação para exportação. A participação é voluntária, mas garante a boa aceitação do produto brasileiro no competitivo mercado internacional, onde reduzir custos é necessário, mas não suficiente. O diferencial está em proporcionar ao comprador e ao usuário final um produto seguro. Por isso as certificações internacionais são tão importantes, mobilizando tanto o setor privado quanto as políticas públicas.

Os ganhos obtidos refletem-se no preço final. O maior aproveitamento da produção implica em custos menores na seleção e separação das frutas, além de maior vida útil na prateleira. Quando Malavasi ainda estava na USP, ele e sua equipe desenvolveram alguns processos que permitiram abrir o mercado externo para algumas frutas — melão, manga e papaya. Tais processos envolvem tratamentos pós-colheita aplicados diretamente sobre o produto, com o objetivo de aumentar a durabilidade. Entretanto, segundo o professor, são processos que encarecem a produção e comprometem o sabor.

A manga exportada para os Estados Unidos, por exemplo, fica imersa em água quente, a 45 graus, por uma hora e meia. "Isso altera o sabor. Eu costumo dizer que o consumidor americano só come manga fervida", comenta Malavasi. Além disso, o tratamento é oneroso porque consome muita energia elétrica e ainda exige a presença de inspetores americanos na supervisão do processo. Já no caso da uva o tratamento é a frio. Ela tem que ficar por 14 dias a zero grau e o produtor tem que alugar um contêiner no porto de saída ou na chegada ao país de destino, para a fruta não perder a temperatura até chegar no varejo. "Eliminando esse custo poderíamos aumentar bastante a competitividade dos nossos produtos. Além disso, sem nenhum tipo de tratamento pós-colheita, teríamos um produto muito mais natural para exportar. Este é nosso objetivo para os próximos três ou quatro anos", promete.

 

MODELO E GESTÃO INOVADOR

Além da técnica propriamente dita, a Moscamed Brasil é inovadora também no modo de organização e gestão. A empresa é uma organização social, OS, conceito relativamente novo na legislação brasileira. Está formalmente ligada ao Ministério da Agricultura, mas também recebe apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia e do Ministério da Integração Social. Uma OS pode receber fundos governamentais, mas não pode ter lucro, ou melhor, todo o lucro obtido deve ser reinvestido na própria empresa. "Somos uma instituição que vende produtos e serviços, nosso objetivo principal é auxiliar o setor privado, fazendo com que ele possa aumentar sua competitividade no mercado externo", explica Malavasi. "A vantagem é que temos uma flexibilidade administrativa muito maior, sem as amarras do setor público. O modelo de funcionamento é de uma empresa, que contrata e demite sem concurso. Conseguimos ter a eficiência do setor privado, mesmo sem ter o lucro como objetivo final do negócio", completa.

 

 

O fato de não ter lucro não significa não crescer, até porque, além do Brasil existe um mercado internacional para as moscas estéreis. Já foram acertadas vendas para o Marrocos e para Valença, na Espanha. A importância dos negócios internacionais está na possibilidade de reduzir o preço da TIE para o produtor nacional. Como a Moscamed tem que reinvestir seu lucro e como os preços de exportação são maiores, a parcela a mais que é exportada pode ser deduzida do valor cobrado do fruticultor brasileiro.

A empresa tem um conselho administrativo formado por representantes do setor privado e da comunidade científica, composição que, segundo Malavasi, equilibra a administração. Enquanto os pesquisadores se dedicam a aperfeiçoar a tecnologia ou a desenvolver novos projetos, os empresários ficam de olho nos resultados. Na área de pesquisa o principal parceiro é a Embrapa, mas há também uma importante ligação com a Universidade do Vale do São Francisco (Univasf) que desenvolveu um aeromodelo usado na liberação dos mosquitos (veja box). "A Moscamed Brasil se encaixa no conceito de centro de pesquisa aplicada. O macho estéril é fruto de pesquisa científica. Ao ser comercializado e aplicado na agricultura, torna-se inovação", acredita o coordenador do projeto.

 

 

INCLUSÃO SANITÁRIA

Embora seja possível mensurar o preço do mosquito fabricado na Moscamed — no Brasil são US$ 180 por milhão e no exterior US$ 230 — o produtor não paga pelo mosquito. Ele compra na verdade um pacote de serviços que inclui o monitoramento e o controle da presença da mosca na região onde está a sua propriedade. Primeiro a presença das moscas é detectada por meio de um sistema de armadilhas com feronômio (substância química usada na comunicação entre indivíduos da mesma espécie) ou com atrativos alimentares. Um refinado sistema GPS informa o risco para outras áreas e, em seguida, entram as medidas corretivas propriamente ditas: liberação de insetos de acordo com o número de mosquitos encontrados na primeira fase do trabalho.

 

 

O monitoramento feito pela Moscamed é chamado controle em área ampla porque sempre compreende toda uma região e nunca uma propriedade isolada. "Nesse sentido, eu gosto de dizer que essa é uma técnica muito elegante, na verdade ela faz uma espécie de inclusão sanitária", conta Malavasi. Segundo ele, mesmo que os mosquitos estéreis sejam liberados numa grande propriedade exportadora, esses machos podem encontrar fêmeas fora dali, em pequenos pomares também, propiciando um controle de todo o entorno. "Não é como um inseticida que fica depositado onde você o aplica", esclarece. A técnica do macho estéril pode ser usada em toda fruticultura que seja alvo da mosca-da-fruta. O grupo Votorantim, por exemplo, cujos negócios envolvem citricultura na região sul do estado de São Paulo entrou em contato com a fábrica para aplicar a técnica em seus pomares.

Uma demanda do setor pecuário fez com que a empresa iniciasse uma pesquisa para controle da mosca-dos-chifres, problema importante para os criadores de gado no Brasil. Conforme dados da Embrapa, a mosca-dos-chifres (Haematobia irritans) foi identificada no Brasil em 1983 e em 1991 já estava presente em todo território brasileiro. Considerada uma praga em vários países do mundo, a mosca tem sido um entrave ao desenvolvimento da pecuária brasileira. Ela parasita os animais para sugar seu sangue. A irritação causada pelas picadas comprometem a alimentação e a digestão dos bovinos diminuindo a produtividade de carne e leite. Para desenvolver nova tecnologia de controle da população dessas moscas a Moscamed receberá auxílio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com recursos do Fundo Tecnológico (Funtec), que destina-se a apoiar financeiramente projetos de estímulo ao desenvolvimento tecnológico e à inovação que sejam de interesse estratégico para o país.