SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 issue5PRTrade forma rede segura para crescer author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Article

Indicators

  • Have no cited articlesCited by SciELO

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Bookmark

Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.5 Campinas Sept./Oct. 2007

 

 

David King

 

Ciência britânica de olho no Brasil

 

 

por YURIJ CASTELFRANCHI

 

 

Professor de físico-química na Universidade de Cambridge (Reino Unido), David King é uma figura importante no panorama intelectual e político internacional. Nem tanto pelos seus 450 artigos científicos publicados (que lhe valeram 11 diplomas honoris causa, a prestigiada Medalha Rumford e o título de Sir, cavalheiro da Rainha), mas, sobretudo, por sua influência na política britânica e por sua atuação em prol de ações firmes para encarar as mudanças climáticas. Em 2000, foi nomeado Conselheiro Científico Chefe do governo britânico e diretor da Agência de Ciência e Inovação, entidade que norteia as políticas de C&T no Reino Unido.

Desde então, não parou de articular projetos de cooperação internacional e de criticar a inércia política internacional em enfrentar o aquecimento global. O cientista é famoso por ter declarado que a mudança climática representa uma emergência "muito mais grave que o terrorismo" e por ter atacado George Bush por minimizar o problema. Seus alertas levaram o Reino Unido a formular uma política que vai além dos acordos internacionais. Em contraste com o tratado de Kyoto — que impõe cortes às emissões de carbono da ordem de 5% com respeito às de 1990 — o governo britânico se comprometeu a cortar as emissões em 60% até 2050. O país já conseguiu diminuir essas emissões em 14%, sem afetar seu crescimento econômico.

 

 

Em março deste ano, uma equipe liderada por King esteve no Brasil para lançar o "Ano Brasileiro-Britânico de Ciência e Inovação". Na agenda, foi dada particular ênfase à cooperação na área de biocombustíveis e biodiversidade. O grupo passou por Brasília, Manaus, São Paulo e assinou acordos entre a britânica Rothamsted Research e instituições brasileiras como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar). Outras parcerias foram acertadas entre o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron e o Diamond Light Source, entre a Royal Society of Chemistry e a Sociedade Brasileira de Química, entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Rutherford Appleton Laboratory.

Para ele, a interação entre empresas e institutos de pesquisa públicos é fundamental: "há três décadas não havia empresas num raio de cinco quilômetros da Universidade de Cam-bridge. Atualmente, existem mais de mil delas, dando emprego a 45 mil pessoas", diz King.

Uma área que o senhor enfatizou como prioritária para a colaboração Brasil-Reino Unido é a de biocombustível. Qual o interesse de cooperação nesse setor?

David King O Brasil, por ser um importante produtor há muitos anos, tem várias vantagens competitivas se comparado com outras nações. As vantagens atuais derivam, principalmente, mas não só, do clima tropical, de uma terra fértil e de uma densidade populacional baixa. São fatores que, certamente, não vão diminuir no curto e médio prazo. Tal disponibilidade [brasileira] de biocombustíveis constitui, sem dúvida, uma atração ainda maior na medida em que a globalização impulsiona o crescimento da demanda energética. A experiência brasileira oferece possibilidades interessantes para a colaboração com outros países ou regiões, como, por exemplo, com a África do Sul.

O senhor diz que o governo e os cientistas britânicos estão interessados em "agregar valor à biodiversidade amazônica". Que vantagens teriam ambos os países com tal colaboração?

King Uma parte consistente do território do Brasil está coberta pela floresta amazônica. Sucessivos governos brasileiros têm falado em extrair o potencial da região como fonte de descobertas farmacêuticas, mas o progresso é lento. Graças às forças da base científica britânica (seja pública, seja privada) nessa área, existem oportunidades para colaborarmos nesse sentido.

 

 

O Reino Unido tem forte infra-estrutura e recursos humanos em bancos de dados biológicos. A colaboração se basearia em colocar à disposição esse tipo de recurso?

King Não só. Durante minha visita, por exemplo, tive discussões úteis com CBA [Centro de Biotecnologia da Amazônia], sobre o potencial de uma parceria Brasil-Reino Unido para criação de riqueza a partir da Amazônia. Estamos ainda numa fase inicial, e devemos trabalhar mais para explorar as opções sobre estruturas da cooperação e sobre alguns tópicos-chave, como acesso à biodiversidade e direitos de propriedade intelectual.

O intercâmbio em diversas frentes já ocorre entre Brasil e Reino Unido. O que o Ano Brasileiro-Britânico acrescenta de novo, concretamente?

King O Brasil está atento à necessidade de internacionalizar suas atividades em C&T para poder competir de forma eficaz na arena global. Nossa intenção é fazer com que o Reino Unido se torne seu parceiro preferencial entre os países europeus. Desde minha visita anterior ao Brasil, em junho de 2005, acompanhei um desenvolvimento significativo nas relações com o Reino Unido, particularmente nas áreas de ciência e inovação. Houve várias oportunidades para um ulterior envolvimento bilateral, como a visita oficial do presidente Lula ao Reino Unido, em março de 2006, que impulsionou uma cooperação mais abrangente, envolvendo um grande número de departamentos governamentais britânicos.

O que surgiu, de novo, a partir daí?

King Dentre outros, um comitê sobre economia e comércio (Joint Economic and Trade Committee, JETCO), uma mesa de diálogo sobre desenvolvimento sustentável (High Level Dialogue on Sustainable Development), um grupo de trabalho sobre mudanças climáticas, uma interação de alto nível sobre defesa nacional (High Level Defence Staff Talks), um plano de ação sobre ciência, tecnologia e inovação (Science, Technology and Innovation Action Plan), e vários "memorandos de intenções" (MoU, Memoranda of Understandings), por exemplo sobre saúde e educação. Eu assinei também, com o ministro de Ciência e Tecnologia brasileiro [Sérgio] Rezende, um Plano de Ação conjunta para ciência, tecnologia e inovação. Neste acordo foi incluída uma série de iniciativas específicas. Por exemplo, um Brazil Day enfocando as áreas de nanotecnologia, saúde animal, mudança climática, biotecnologia aplicada à descoberta de remédios. Em abril, houve um evento multilateral, em rede, sobre biocombustíveis de segunda geração, com a participação de cientistas britânicos, brasileiros, indianos e sul-africanos, compartilhando pesquisas e desenvolvendo colaborações. O Ano da Ciência e Inovação foi lançado durante minha visita ao Brasil em março. O intuito é levar para um novo nível as relações de pesquisa e desenvolvimento entre Brasil e Reino Unido, focando nas áreas identificadas pelo Plano de Ação Conjunta: saúde, agricultura, mudanças climáticas, energia, nanotecnologia e práticas de gestão em C&T. A operação permite exibir a pesquisa mais inovadora produzida pela base científica britânica e estimular a colaboração entre comunidades acadêmicas, trocando as melhores práticas com organizações brasileiras correspondentes. Quatro organizações britânicas estão envolvidas em cinco memorandos de intenções que mencionei, nas áreas de tecnologia espacial, pesquisa agrícola, pesquisa em química e investigação com radiação de síncrotron. É apenas o começo: esperamos que sejam estabelecidas mais interações até o final do ano.

Em 2004, o senhor publicou um artigo, na revista Nature, sobre o "impacto científico das nações". No ranking construído pelo senhor, baseado nas publicações científicas mais citadas, o Brasil se colocava à frente de Portugal e África do Sul, mas depois de Índia e China. Em sua recente visita ao Brasil, que impressão o senhor teve de nosso sistema de C&T?

King O Brasil possui umas das mais fortes bases científicas fora da OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Entre os países emergentes, seus cientistas contribuem mais do os de que qualquer outro país — exceto China e Índia — para a lista dos artigos de pesquisa mais citados. Existem claramente, em nível federal e estadual, muitas áreas de pesquisa de excelência. Além disso, o país possui as maiores reservas de floresta tropical do mundo, bem como um dos maiores estoques de biodiversidade e os maiores fluxos de água doce (cerca de 25% do total mundial). O Brasil é uma das principais fontes de minérios e produtos agrícolas, e tem também o potencial para tornar-se um dos principais fornecedores de produtos baseados em biociências, tais como biocombustíveis

 

 

Países diversos dão peso diferente à pesquisa básica e aplicada, ou têm diferente distribuição entre recursos públicos e privados para P&D. Qual é a melhor mistura?

King Eu hesitaria em afirmar com força que existe um mix distintamente melhor para todos os países, embora a experiência e uma boa prática possam sugerir uma mistura ótima em determinadas circunstâncias. Brasil e Reino Unido podem ter algumas características em comum, mas as condições geográficas, de tamanho, de população, bem como a história e a estrutura econômica e política são diferentes, influenciando essa mistura ideal. Baseado na experiência britânica, em nossa história e nossas estruturas, eu poderia sugerir que, por um lado, é essencial uma forte base em ciência, tecnologia e engenharia (o Reino Unido aumentou bastante seus recursos para C&T, nos últimos anos). Por outro lado, em comparação com o passado parece que deve ser posta mais ênfase na transferência de conhecimento para o mercado, como também para encarar as grandes questões sociais e suas potenciais soluções políticas. O governo tem também um papel importante na criação das melhores condições para o desenvolvimento de um leque significativo de bens públicos essenciais para uma economia dinâmica e inovadora, tais como a base de ciência, tecnologia e engenharia, incentivos para a transferência de conhecimento e um padrão elevado na qualidade da educação. A inovação depende do conhecimento, das habilidades e da criatividade das pessoas que trabalham nela. O Brasil tem, como o Reino Unido, algumas vantagens evidentes.

 

 

Quanto à relação entre financiamento público e privado, alguns acham que o crescente interesse de instituições privadas na pesquisa seja perigoso para o avanço da ciência, enquanto outros acreditam que o futuro do sistema acadêmico dependa da capacidade de desenvolver um novo "contrato social" entre ciência, governos, empresas....

King Eu acredito que, para uma performance ótima da base de ciência, tecnologia e engenharia, é preciso fortalecer a transferência de conhecimento para a sociedade por meio de uma multiplicidade de mecanismos. O mundo dos negócios é, sem dúvida, um alvo importante, e tem uma influência considerável. Mas também é importante uma profunda interação entre o sistema de C&T e diversos organismos públicos, ligados ao mundo político e à sociedade civil, especialmente com respeito aos grandes temas hoje encarados por todos os países.

Qual é o papel dos direitos de propriedade intelectual nessa interação entre sistema de C&T e mercado?

King No contexto das economias baseadas no conhecimento, os direitos de propriedade intelectual (IPR) funcionam como pilares para a inovação, fornecendo um instrumento para que o mundo dos negócios, os pesquisadores e indivíduos em geral ganhem alguma vantagem a partir de seus investimentos ou da geração de idéias. Para muitos inovadores, o acesso ao financiamento é impossível a não ser a partir da proteção dos IPR. Além disso, um regime de direitos de propriedade intelectual ajuda a difundir conhecimentos tecnológicos ou de outro tipo, porque os requerentes têm o dever de revelar a informação completa sobre suas invenções ou idéias. As leis sobre IPR precisam buscar o equilíbrio certo entre proteger novos desenvolvimentos e estimular a competição. O Reino Unido trabalha para assegurar que tanto suas próprias leis quanto o esquema legal internacional consigam equilibrar esses dois objetivos.

O aquecimento global é uma de suas grandes preocupações. O senhor declarou que já passamos do ponto em que era possível evitar efeitos perigosos da mudança climática. Quais são as ações mais urgentes? Em que a parceria com o Brasil pode contribuir?

King Dois elementos são fundamentais: uma regulamentação para o período pós-Kyoto [após 2012] e um acordo dos países que pertencem ao grupo G8+5 [os 7 países mais ricos, mais a Rússia e mais os 5 emergentes: China, Índia, Brasil, México e África do Sul]. Qualquer tratado precisa conter quatro elementos: um acordo sobre o nível de estabilização [na concentração global de gases estufa]; um acordo sobre objetivos nacionais; o comércio de carbono; transferência de tecnologias e estratégias de adaptação para países em desenvolvimento. O Reino Unido declarou unilateralmente que reduzirá suas emissões de CO2 em 60% até o ano de 2050. Uma posição convergente dos membros do G8 significaria concordar sobre os quatro pontos acima e deveria ser acompanhada, se possível, por declarações unilaterais que demonstrem um compromisso pleno. Brasil e Reino Unido já estão envolvidos numa cooperação bilateral através da mesa de diálogo sobre desenvolvimento sustentável que já mencionei e do Grupo de Trabalho sobre Mudança Climática. Já estamos demonstrando uma liderança conjunta em ações que enfrentam o aquecimento global.