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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.5 Campinas Sept./Oct. 2007

 

 

Eficácia de um sistema de inovação depende de profissionais altamente qualificados

 

 

por SABINE RIGHETTI

 

 

ESPECIALISTAS IDENTIFICAM A NECESSIDADE DE FORMULAR UMA AGENDA NACIONAL PARA INTENSIFICAR O INVESTIMENTO EM RECURSOS HUMANOS VOLTADOS À PESQUISA, PRINCIPALMENTE NO SETOR PRIVADO

O discurso da inovação tecnológica começa a sair do âmbito das legislações, das formas de financiamento e das metodologias para mensurar a capacidade inovativa das empresas, e atinge um ponto nevrálgico: a formação de recursos humanos. Agora, a demanda por profissionais qualificados em todos os níveis — de cientistas e engenheiros, a técnicos e pessoal de apoio — é o gargalo mais identificado na instalação de um verdadeiro ambiente de pesquisa e desenvolvimento nas empresas. Em números gerais, o país vai bem: forma anualmente 10 mil doutores e 35 mil mestres, capacitados nos mais de 2 mil programas de pós-graduação vigentes, a maioria mantidos por verbas oficiais. Mas, nos corredores, as empresas reclamam a falta de profissionais aptos às suas necessidades tecnológicas, e a academia se ressente da não absorção pelo setor privado dos doutores recém-formados. Para os especialistas, é preciso focar em políticas de formação de pesquisadores, ajustados às carências de inovações tecnológicas do mercado.

 

 

Apesar do crescimento no número de programas, há problemas no tipo de aperfeiçoamento dos recursos humanos. Um dos aspectos principais é o perfil dessa formação: cerca de 70% dos doutores formados no país estão na área das humanidades, profissionais dificilmente absorvidos diretamente no setor produtivo privado. De acordo com dados do IBGE, coletados na Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec) de 2003, do total do pessoal ocupado em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) no Brasil, 31,9% eram de nível médio; 48,5% tinham nível de graduação; e apenas 8,1% tinham nível superior naquele ano.

Na opinião de Guilherme Ari Plonski, do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica (PGT) da Universidade de São Paulo (USP), a absorção de doutores não originários das áreas de engenharia e de exatas nos setores é possível fora da concepção clássica do que seja o setor industrial. "Nas indústrias criativas, por exemplo, há inovação em segmentos que também precisam de outros tipos de doutores". Plosnki exemplifica com o desenvolvimento de software, onde é preciso profissionais qualificados em diversas áreas do conhecimento, como linguística, comunicação e computação.

Plonski coordena trabalho sobre recursos humanos para ciência e tecnologia em um dos comitês temáticos da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), o que demonstra que a temática já ganhou atenção inclusive nas entidades de classe. Em estudo apresentado na reunião anual da Anpei, em junho, em Salvador (BA), foram identificadas alguns problemas no quesito recursos humanos para P&D no país, dentre elas: gargalos na parceria entre centros de pesquisa, desenvolvimento, inovação e universidades; falta de treinamento específico para P,D&I; e necessidade da definição de um percurso de carreira especial ao profissional que trabalha em pesquisa e desenvolvimento (o que pode desestimular o trabalho em pesquisa). Para ele, a necessidade de formação de uma agenda nacional voltada para RH é clara.

 

SEM PARTIR DO ZERO

A idéia, de acordo com os especialistas, é articular os movimentos que já existem na agenda política atual para construir uma política forte. Entre os movimentos atuais estão as novas legislações, como a Lei de Inovação, de 2004, que possibilita um ressarcimento de aproximadamente 40% dos encargos sociais de um doutor contratado por uma empresa — o que acaba funcionando como um desconto nos impostos — e a Lei do Bem, de 2005, que concede benefícios fiscais principalmente no setor de software.

Plonski lembra ainda que o governo tem feito um excelente papel em gerar pessoas qualificadas. Mas, como lembra a pesquisadora Léa Strin Velho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências da Unicamp, é necessário que a política de formação de pesquisadores seja uma componente da política de inovação. "O que existe atualmente é um sistema de formação de pesquisadores que não privilegia áreas do conhecimento e que responde a critérios estritamente acadêmicos"

A receita para formar recursos humanos altamente qualificados se baseia principalmente no investimento para que mais jovens tenham acesso à educação superior, na criação de programas de pós-graduação de qualidade e no estímulo de um ambiente favorável à pesquisa, tanto pública quanto privada, por exemplo, com auxílios (bolsas) atrativos.

A receita funciona bem em países como Estados Unidos e europeus. Já no Brasil, o cenário não é o mesmo. Há um evidente descompasso entre o número crescente de titulados em pós-graduação e sua absorção pelo setor privado. Segundo dados do IBGE, aproximadamente 70% da pesquisa nacional está concentrada no setor público. Nos EUA esse perfil é inverso: são 70% no setor privado e quase 20% no setor público. O padrão europeu acompanha essa tendência: países como a Alemanha, por exemplo, tem cerca de 65% da pesquisa no setor privado, 18% no setor público e 15% nos institutos públicos. "Isso não ocorre no Brasil porque os vínculos com o setor produtivo ainda são fracos", considera Léa Velho.

Para Marco Antonio Zago, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o impulsionador principal na política de aumento da contratação de pesquisadores pelo setor privado deve ser o governo. Nesse sentido, é necessária a criação e articulação de mais programas como o RHAE-Inovação, inicialmente criado no Ministério da Ciência e Tecnologia, há dez anos sob a coordenação do CNPq. O programa absorve 12% dos recursos do CNPq e tem como objetivo oferecer bolsas de estudo para treinar pesquisadores, engenheiros e técnicos de nível médio qualificados a desenvolver projetos em empresas e realizar pesquisa estratégica em universidades. No último edital de 2006, foram aprovados 41 projetos para uma demanda bruta de cerca de 500 propostas.

 

 

"A criação do RHAE representou o reconhecimento pelo Sistema Nacional de C&T da necessidade de implementação de mecanismos voltados para a capacitação tecnológica de recursos humanos em apoio ao desenvolvimento tecnológico", explica. Para submeter um projeto, é preciso que a empresa indique que o bolsista possa ser incorporado à empresa ao término da bolsa.

Para Zago, o problema está na consolidação da pesquisa no Brasil, que nasceu e se fortaleceu nas universidades e alguns institutos, enquanto o setor privado ficou em segundo plano. "O país sempre foi carente de políticas que estimulassem e subsidiassem o desenvolvimento de pesquisa nas indústrias e empresas", afirma. De acordo com os especialistas, a demanda crescente por profissionais qualificados no setor privado, que absorve atualmente cerca de 20% da pesquisa nacional, deve ser crescente nos próximos anos.

 

AÇÕES NA INICIATIVA PRIVADA

Algumas empresas têm tomado iniciativas particulares no sentido de atrair pesquisa e de se aproximar das universidades. É o caso da Petrobras, que apoiou a criação do Centro de Estudos do Petróleo (Cepetro) na Unicamp. Atuando há 20 anos, o Cepetro tem hoje um programa de mestrado e doutorado em ciências e engenharia petróleo, além de cursos de extensão de engenharia do gás natural e regulação no setor de petróleo. "A Petrobras é uma grande empresa hoje por causa dos seus recursos humanos", avalia Plonski, do PGT-USP, para quem a iniciativa da empresa no sentido de capacitar seus profissionais tem dado certo.

Seguindo outra estratégia, a empresa de cosméticos Natura busca, por meio do programa Natura Campus, atingir a meta de que 50% de seus projetos sejam realizados em parceria com universidades. O programa surgiu em 2003 na forma de um edital lançado junto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), dentro do programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite). Em uma das modalidades do programa, denominado Vivência Empresarial, o estudante de pós-graduação realiza sua pesquisa em parceria com a Natura, de modo que tenha contato com o dia-a-dia de um departamento de P&D empresarial.

Para Sonia Tuccori, gerente de redes da Natura, as universidades, assim como as empresas, estão aprendendo a trabalhar em parceria. "Trata-se de um processo ainda não completamente maduro no Brasil. A receptividade tem sido boa, mas claro que uma iniciativa pioneira como esta gera dúvidas e questionamentos, que vamos esclarecendo aos poucos", conclui. A Natura tem hoje 230 pesquisadores, sendo 51% deles com pós-graduação. A meta é chegar a 350 pesquisadores em 2010.

Assim como a Natura, outras empresas também têm apostado em parcerias com universidades. É o caso da Santista Têxtil, que trabalha em conjunto com a USP de São Carlos desde 2005 para a produção de aditivos nanoestruturados para melhorar produtos da indústria de tecidos — por exemplo eliminando a necessidade de passar a roupa ou contendo produtos antialérgicos ou antibacterianos.

A parceria da Santista Têxtil com a USP de São Carlos também contou com apoio governamental: ela segue normas do Edital de Fomento Tecnológico do CNPq e prevê, do total investido em dois anos, aproximadamente 2/3 do valor em bolsas do CNPq e 1/3 em recursos da empresa. A coordenação desse trabalho é do professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, Osvaldo Novais de Oliveira Junior. O Grupo de Polímeros do IFSC pesquisa materiais para os aditivos e a interação com as fibras dos tecidos, e o trabalho também envolve diretamente funcionários da Santista Têxtil.

Para o gerente de desenvolvimento da Santista, Rogério Segura, a parceria é positiva porque possibilita o contato com os recursos humanos e materiais disponíveis nas universidades e institutos. "Isso nos possibilita adquirir conhecimento externo e aplicá-los em nossos produtos", afirma.

 

 

O setor químico, onde se inserem Natura e Santista, concentra a maior quantidade de recursos humanos qualificados. De acordo com dados do projeto Índice Brasil de Inovação (IBI), dentre as empresas declaradas inovadoras para a Pintec-2003, os setores da indústria de transformação que mais empregam doutores em atividades de P&D são o químico (217 doutores), o de produção e refino de petróleo (86) e o de máquinas e equipamentos para informática (66). Os três setores também lideram o número de mestres e de graduados. O IBI é um trabalho realizado pela Unicamp, com apoio da Fapesp, cuja iniciativa editorial é da revista Inovação Uniemp. No IBI, o quesito recursos humanos é um dos quinze indicadores usados para cálculo da capacidade inovativa das empresas.

 

PROJETO DETECTA FALHAS

A escassez de mão-de-obra qualificada, tanto em qualidade quanto em quantidade, tem sido bastante destacada no setor privado. Foi esse o cenário que um grupo de pesquisadores da Unicamp, USP de Ribeirão Preto, Unesp de Araraquara e da PUC-MG encontrou em um projeto, realizado entre 2005 e 2007, com o objetivo de sinalizar os principais entraves à atração de filiais de empresas ao Brasil. Os resultados, divulgados em agosto, revelam que 81,7% das empresas consultadas consideram que mão-de-obra qualificada será um fator crítico ou muito importante nos próximos 5 anos. Nessa parte da pesquisa, foram consultadas 88 empresas instaladas no país.

Em outra frente do mesmo projeto, realizado por meio de entrevistas pessoais em 47 empresas, o problema da escassez de profissionais qualificados em quantidade foi destacado por 58,7% das empresas. A falta mão-de-obra de qualidade foi apontada por um número menor de empresas: 34,8%.

 

 

De acordo com Simone Galina, professora da Faculdade de Economia e Administração da USP de Ribeirão Preto, que integra o trabalho, quando se trata de mão-de-obra qualificada, o Brasil tem cada vez mais competido com países desenvolvidos e menos com os países do BRICs — Rússia, Índia e China, que têm mão-de-obra mais barata e menos qualificada. "Os países desenvolvidos apresentam mão-de-obra com qualidade bastante próxima da brasileira, mas com custos muito superiores", conclui Galina. Para a pesquisadora, a mão-de-obra é a linha mestra nos fatores de atração de investimento direto externo para pesquisa e desenvolvimento no Brasil.

Também na Pintec 2003, a falta de pessoal qualificado apareceu entre os quatro principais obstáculos à inovação no país. Para 47,5% das empresas consultadas na pesquisa, a carência de RH foi considerado um problema significativo, junto com elevados custos para inovar, riscos e falta de fontes de financiamento.

A possível escassez de profissionais em alguns setores já está causando "importação de cérebros". Segundo o Conselho Federal de Engenharia (Confea), que concede autorização para engenheiros estrangeiros exercerem a profissão no Brasil. os pedidos de autorização passaram de 34, em 2005, para 79 no ano passado, o que representa um crescimento de 132%. Já o número de concessões passou de 19 para 37, com elevação de 94%. A maior carência de profissionais, de acordo com o Confea, é nas áreas de siderurgia e petroquímica.

"Não se prepara pessoas para trabalhar em inovação de um dia para o outro", afirma Plonski. "Em quase nenhum lugar do mundo há pessoas prontas. Não dá para ficar sentado esperando que as universidades formem os doutores que as empresas precisam", conclui. Ou, quem sabe, ainda seja preciso aplicar uma receita nova: "talvez nós tenhamos que entender melhor o que está acontecendo", conclui Léa Velho.