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Inovação Uniemp

Print version ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp vol.3 no.5 Campinas Sept./Oct. 2007

 

 

Inovação na indústria automotiva: necessidade de aprender a gastar de forma inteligente

 

 

LETÍCIA COSTA

 

 

Resultados de um recente estudo, realizado pela Booz Allen Hamilton, sobre inovação sugerem que fatores não monetários podem ser, de fato, os mais importantes determinantes do retorno sobre os investimentos realizados em P&D. Esse estudo baseou-se na análise das 1.000 empresas de capital aberto que mais gastaram com P&D no ano de 2005, e traz à tona alguns fatos importantes sobre o tema inovação. Dentre os vários findings, um dos mais interessantes é a inexistência de correlação entre gastos em P&D e resultados para as empresas em termos de crescimento, rentabilidade e retorno para o acionista. Ou seja, "dinheiro não compra resultados". É importante, porém, salientar que há um efeito escala importante nos gastos com P&D: organizações de maior porte podem investir uma proporção menor de suas receitas que empresas de menor porte; e sem, aparentemente, sofrerem com isso. É interessante também observar que gastar mais não necessariamente melhora o desempenho, mas investir muito pouco é claramente prejudicial ao processo de inovação.

O estudo também sugere que desempenhos superiores ocorrem, na maioria dos casos, em função da qualidade da organização e do processo de inovação, e não do total gasto. Além disso, o estudo mostra que as empresas ainda têm dificuldades em criar — interna e externamente — um ambiente colaborativo para desenvolvimento, que prejudica o desempenho do processo como um todo: a correlação entre gasto e desempenho tende a ser mais forte naquelas áreas diretamente sob controle de P&D, tais como design, e mais fraca em áreas nas quais a colaboração multifuncional é mais difícil como, por exemplo, comercialização.

Os resultados desse estudo são altamente relevantes para a indústria automobilística, uma das que mais investe em P&D, conforme mostrado no Quadro I a seguir. As empresas da indústria automotiva, entre as 1.000 maiores investidoras em P&D, gastaram cerca de US$ 70 bilhões em inovação no ano de 2005. Utilizando uma estimativa conservadora para a extrapolação desses investimentos para a indústria como um todo, chegamos a um total de cerca de US$ 130 a 150 bilhões.

 

 

Interessante também é observar que seis montadoras (Ford, Toyota, DaimlerChrysler, General Motors, Volkswagen e Honda) estão entre as vinte empresas com maior investimento em inovação, sendo que a lista é liderada pela Ford, que investiu cerca de US$ 8 bilhões em 2005.

Apesar de liderar nos gastos com P&D, a Ford não é considerada como modelo nos processos de inovação. A posição de empresa Classe Mundial em termos de inovação pertence hoje à Toyota, cujo desempenho é, de fato, impressionante: no período entre 1994 e 2007, ela dobrou o número de modelos em produção, mantendo seus gastos em P&D em torno de 4% da receita e reduzindo o número de engenheiros por veículo, mesmo tendo que melhorar a qualidade e a funcionalidade dos veículos e reduzir o time-to-market.

Qual seria então o segredo da Toyota? Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que a empresa vem trabalhando na melhoria desses processos há décadas. Devemos também reconhecer que não há um fator único que possa explicar esse desempenho. Na realidade, o desempenho excepcional da Toyota nessa área resulta da combinação de quatro fatores principais: dois bastante visíveis, os demais nem tanto. A saber: (a) organização e processo; (b) conceito de empresa estendida; (c) desenvolvimento de pessoas; e (d) cultura. Cada um desses fatores é elaborado a seguir.

O primeiro ponto a destacar em termos de organização e processo na Toyota é o equilíbrio alcançado pelos times de desenvolvimento entre as visões de programa e funcional. O engenheiro chefe (Shusa) é responsável pelo programa, conta com um staff bastante reduzido e não tem autoridade direta sobre os times funcionais (ex. chassis, powertrain, etc.). Os chefes de departamento (Bucho) são responsáveis pelos times funcionais. O processo decisório, que demanda resolver os conflitos inerentes entre as visões de programa e função, não depende de autoridade posicional, e sim da cultura da empresa, com um conjunto de objetivos — de forma geral, bastante agressivo — compartilhados para o sucesso do programa.

Outro ponto de destaque é o processo de desenvolvimento per se, que incorpora várias das melhores práticas em inovação, tais como concurrent engineering (engenharia simultânea de produto e manufatura), early systems integration e verificações multifuncionais, visando garantir que os diferentes aspectos do veículo se integrarão adequadamente. O uso dessas práticas requer um alto grau de coordenação e permite que a Toyota persiga mais do que uma avenida de desenvolvimento simultaneamente, que a empresa possa realizar os trade-offs de engenharia, e que mantenha a flexibilidade do processo por maior tempo.

 

 

No que tange à empresa estendida, a Toyota consegue trabalhar em parceria com alguns de seus fornecedores de longo prazo no desenvolvimento de componentes críticos. Os fornecedores da Toyota têm desempenho financeiro superior à média do setor e são altamente motivados a participar no processo de desenvolvimento de novos produtos da empresa.

O desenvolvimento de pessoas é também um ponto de destaque no processo de inovação da Toyota. A empresa investe tempo e recursos para o desenvolvimento de seus profissionais de engenharia e na institucionalização do conhecimento.

O desenvolvimento dos profissionais se inicia com um período em outras áreas da empresa, tais como manufatura ou vendas, para abrir os horizontes dos futuros engenheiros. Além disso, o desenvolvimento desses profissionais é acompanhado por uma sistemática de mentoring bastante intensiva. Por fim, há uma grande valorização das habilidades técnicas e gerenciais desses profissionais em toda a empresa.

A institucionalização do conhecimento é também um fator de diferenciação da Toyota, e a empresa tem esforços sistemáticos para capturar o conhecimento e institucionalizá-lo, tornando-o disponível a todos, facilitando assim a sua assimilação e utilização.

Por fim, a cultura da Toyota é um dos grandes diferenciais da empresa como um todo, mas também de seu processo de inovação. Os traços mais marcantes dessa cultura são personal accountability, melhoria contínua, colaboração e eliminação de desperdício.

A Toyota demorou 60 anos para atingir o seu patamar atual de desempenho no processo de desenvolvimento de novos produtos, que é hoje considerado Classe Mundial. O grande desafio para as outras empresas do setor é alcançar e superar a Toyota. Não acreditamos que isto signifique emular a Toyota, muito pelo contrário. Significa, porém, que as demais empresas devem procurar o seu caminho próprio para atingir os mesmos resultados: um processo de inovação que contorna os custos e restrições da abordagem mais tradicional de P&D, que reinveste o dinheiro economizado em aprofundar as melhorias do processo de inovação. Um desafio significativo!!!

 

Letícia Costa é presidente da Booz Allen Hamilton no Brasil e Líder da Prática de Indústrias na América do Sul