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Inovação Uniemp

versão impressa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.5 Campinas set./out. 2007

 

 

Irradiação: tecnologia boa para aumentar exportações de frutas

 

 

por MARIANA PEROZZZI

 

 

O Brasil é um dos três maiores produtores mundiais de frutas, superando 39 milhões de toneladas produzidas em 2005. E tem ampliado suas exportações a cada ano. Segundo o Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf), de janeiro a junho de 2007 foram exportadas 372 mil toneladas, contra 326 mil no mesmo período do ano anterior, representando um crescimento de 14% em volume. Quanto ao valor, as exportações dos seis primeiros meses do ano representaram US$ 203 milhões, 30% a mais que em 2006 — US$ 156 milhões.

Com vistas a ampliar cada vez mais o mercado externo, produtores e exportadores buscam medidas que aumentem a segurança e a vida útil das frutas, como o sistema de irradiação. É uma tecnologia que, porém, enfrenta críticas de algumas ONGs.

A tecnologia amplia a vida útil dos alimentos ao retardar a maturação de frutas e legumes e inibir o brotamento de bulbos e tubérculos. Desta forma, diminui as perdas pós-colheita e facilita a distribuição e comercialização de gêneros alimentícios. A técnica também elimina ou reduz a presença de parasitas, fungos, bactérias e leveduras nocivos ao homem, tornando os alimentos mais seguros sob o ponto de vista microbiológico. O processo consiste em submeter os alimentos, já embalados ou a granel, a uma quantidade controlada de radiações ionizantes (alfa, beta, gama, raios X e nêutrons), por um tempo pré-fixado e com objetivos bem determinados.

 

 

A irradiação de frutas é utilizada por países que concorrem com o Brasil no mercado internacional, como Tailândia e Índia e pode ganhar impulso por causa das restrições que estão sendo impostas a tratamentos quarentenários mais comuns, como a fumigação por brometo de metila ou por óxido de etileno, e a submersão da fruta em água quente que, embora eficiente, requer que a colheita seja realizada antes do período de maturação ideal, prejudicando o sabor e as características sensoriais do produto. "Já a irradiação pouco altera as características químicas e sensoriais dos alimentos quando respeitada a dose máxima estabelecida para cada produto", afirma Julio Marcos Walder, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP).

O processo de irradiação, quando bem conduzido, não implica em danos ambientais ou à saúde humana, sendo apoiado por instituições como a Organização Mundial de Saúde (OMS), Food and Agricultural Organization (FAO), U.S. Food and Drugs Administration e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — sempre embasados em trabalhos científicos que atestam a tecnologia como eficiente e segura.

Fausto Carvalho Pinto, do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), acredita que a legislação na América do Sul facilita a irradiação de produtos alimentares. No Brasil, a regulamentação em vigor é a estabelecida pela Anvisa em 2001 (Resolução RDC nº 21, de 26/01/2001). Segundo esta norma os alimentos podem ser tratados por radiação desde que a dose mínima absorvida seja suficiente para alcançar a finalidade pretendida e a dose máxima seja inferior à que comprometeria as propriedades funcionais ou atributos sensoriais do alimento. O órgão exige que na rotulagem conste a inscrição "alimento tratado por processo de irradiação" no painel principal. No caso de condimentos ou temperos irradiados, esta informação deve ser apresentada na lista de ingredientes. Tal resolução estabelece ainda que as instalações devem ser autorizadas e inspecionadas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen).

 

MERCADO POTENCIAL

Calcula-se que no Brasil as perdas no processo de comercialização de frutas e hortaliças ultrapassem 30% do total produzido. "Isso significa que, a cada ano, o volume cultivado em mais de 200 mil hectares é desperdiçado no país durante as etapas de pré-colheita, colheita, beneficiamento e comercialização", dizem pesquisadores do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/ Esalq/USP). Para eles, técnicas que minimizem perdas e prolonguem a vida útil dos hortifrutícolas depois da colheita são cada vez mais importantes para reverter essa situação.

 

 

 

 

Tendo isso em vista, há alguns anos, exportadoras nacionais começaram a considerar a irradiação como uma alternativa para incrementar o comércio de alimentos. O CDTN, que é ligado ao Cnen, mantém convênio com duas grandes empresas privadas brasileiras e com a Embrapa Agroindústria Tropical (Fortaleza/CE) para o estudo de frutas e pescados irradiados para exportação, ainda em fase de testes, de acordo com Márcio Tadeu Pereira, chefe do setor de irradiações do CDTN.

Já o Ipen deve concluir este ano estudos sobre a viabilidade comercial da irradiação de frutas no Vale do São Francisco, em parceria com uma exportadora local, segundo o pesquisador Paulo Rela, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), vinculado ao Cnen e à USP.

"No Brasil, o uso da irradiação ainda não começou porque o empresário não quer", diz Carvalho Pinto. Para ele, a falta de informações sobre o tema é um dos grandes entraves para a difusão da tecnologia. Outro fator seria o elevado custo inicial. "O irradiador é muito caro. Para o caso das frutas, o equipamento importado custa entre US$ 3 e US$ 5 milhões", completa.

 

EXPERIÊNCIA NACIONAL

Mas já houve tentativas locais de irradiar frutas em escala comercial em duas empresas, a Tech Ion, de Manaus (AM), e a Surebeam, norte-americana que instalou uma subsidiária no Rio de Janeiro (RJ). A planta da Surebeam se localizava perto de um dos mercados atacadistas da Ceasa, o que representou uma falha estratégica, pois as frutas já chegavam parcialmente degradadas para serem irradiadas (para minimizar as perdas pós-colheita, as unidades de irradiação devem se instalar próximo a centros produtores de frutas). Similar "equívoco geográfico" aconteceu com a Tech Ion em Manaus (AM), onde a oferta de frutas para exportação é restrita.

É possível que esses exemplos tenham provocado um atraso no processo de irradiação de alimentos no país, mas não afugentaram de vez os investidores. O passo mais recente dado nessa direção foi da também norte-americana SecureFoods. A empresa planeja instalar no Brasil cinco unidades de irradiação de frutas para exportação com destino aos Estados Unidos. Formada em 2001, a companhia ainda depende de aprovações de órgãos governamentais brasileiros e norte-americanos para começar a operar. Na área tecnológica, aguarda o parecer da consultoria jurídica da Universidade de São Paulo (USP) para assinar um protocolo de intenções com o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP). O convênio prevê a transferência de tecnologia do Cena para a Secure Foods, através da orientação prática e da execução de novos projetos. Como cada novo projeto — estudos específicos sobre a irradiação de frutas — será negociado separadamente, o valor de financiamento não está estipulado. De qualquer forma, a empresa gastará milhões de dólares para montar e operar irradiadores próprios no Brasil, que serão importados do Canadá.

Mamão papaia e manga encabeçam a lista das frutas que devem ser irradiadas para serem exportadas para os Estados Unidos. Segundo a empresa, as unidades de irradiação devem ser instaladas próximo a regiões produtoras, no Nordeste. "A irradiação será usada como tratamento quarentenário, para evitar que a mosca-das-frutas, entre outras pragas e parasitas, infestem áreas livres nos Estados Unidos. Servirá também para aumentar a vida útil da fruta, o que traz duas vantagens: permite o transporte por navio, que é mais barato que o transporte aéreo empregado normalmente; e faz com que o produto tenha melhor colocação no mercado internacional", afirma Julio Marcos Walder, professor do Cena e um dos integrantes do convênio com a Secure Foods.

Ele afirma que, atualmente, no Brasil, não são comercializados alimentos "inteiros" irradiados, como frutas ou carnes. O que existe são ingredientes irradiados, como temperos e condimentos, que podem ser encontrados em produtos industrializados como embutidos e salgadinhos. "A indústria tem medo, o consumidor não", afirma o professor do Cena. Ele cita estudos realizados pela Universidade Federal de Minas Gerais que indicam que mais de 80% dos entrevistados são favoráveis ao consumo de produtos irradiados, desde que informados sobre isso. "Aliás, hoje o consumidor quer ser informado sobre tudo o que está comendo. Isso não é uma postura exclusiva frente ao produto irradiado", diz.

 

CONTROVÉRSIAS

A tecnologia ainda gera controvérsias sobretudo perante as organizações não governamentais. Destacam-se como opositores a ONG Public Citizen (EUA), a Stop Food Irradiation Alliance (SFIA - Austrália) e, no Brasil, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Um documento produzido pelo Idec em 2002, afirma que a norma que regulamenta a irradiação de alimentos no Brasil possui "conceitos vagos, questionáveis sob o ponto de vista técnico e excessivamente flexíveis às resoluções que vierem a ser tomadas no âmbito internacional". Dentre os argumentos, está o fato de a Portaria não definir com números as doses máxima e mínima permitidas.

Outros críticos citam como principais problemas, verificados em pesquisas, a diminuição do peso e da sobrevivência (inclusive intra-uterina) de animais de laboratório, maior incidência de certos tipos de câncer, distúrbios imunológicos, queda na fertilidade e níveis consideráveis de radioatividade em órgãos de ratos tratados com sacarose irradiada. Quando alimentos contendo gorduras foram irradiados, os pesquisadores notaram alterações nas células e no material genético. Falam ainda de acidentes ambientais ocorridos em plantas irradiadoras de alimentos e problemas decorrentes da má operacionalização das máquinas.

Outra preocupação é que a irradiação não substitua as boas práticas de produção, manipulação e fabricação de alimentos (agrícolas e industriais), uma vez que o processo pode eliminar microrganismos, mas não retira sujidades e matérias estranhas dos alimentos.

Porém, os especialistas consultados foram enfáticos ao garantir a segurança dos alimentos irradiados para os consumidores, para os manipuladores do produto e dos equipamentos e para o meio ambiente, desde que obedecidos os limites máximos de irradiação (específicos para cada produto) e as normas básicas de segurança operacional. "O alimento irradiado não se torna radioativo", garante Paulo Rela, do Ipen.