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Inovação Uniemp

versión impresa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.6 Campinas dic. 2007

 

 

Inovação na telecomunicação: a convergência de serviços

 

 

LUIZ SÉRGIO DUTRA

 

 

Associados com razão à inovação, serviços de telecomunicação passaram por enormes transformações ao longo dos tempos. Poucos produtos são tão onipresentes e causam tanto impacto, a ponto da inclusão digital ser um tópico considerado condição sine qua non para a competição e sobrevivência no cenário atual, seja como indivíduo, seja como empresa.

Por outro lado, igualmente importante é a lista de promessas de produtos de "última geração" que substituiriam as "velhas tecnologias" mas que, por variados motivos, não chegam a materializar-se em serviços. Apesar disso, cada novo lançamento tenta se apropriar de rótulos como "estado da arte da tecnologia", entre outros auto-elogios. Hoje, a maior dessas promessas diz respeito à "convergência de serviços" que permitiria a comunicação em qualquer lugar, em qualquer tempo, com quaisquer terminais.

A pergunta básica que pretendo discutir neste artigo é porque os serviços continuam, em sua essência, como estão hoje, apesar de, pelo menos em teoria, existirem as tecnologias necessárias para a convergência e o assunto estar em discussão há anos? De fato, empresas e indivíduos ainda mantêm seus números de telefonia fixa e telefonia celular, os serviços de TV aberta e assinatura, fax, Skipe, entre outros. A resposta se encontra, a meu ver, em dois fatores que são tão importantes quanto novas tecnologias na criação de inovações: os modelos de negócio adotados pelas empresas de telecom e o sistema regulatório.

Há fortes razões para que serviços de telecomunicação terem se desenvolvido como silos estanques, centrados na sua própria tecnologia. No cenário tecnológico existente no nascimento dessas empresas, não havia nenhuma possibilidade de se utilizar a rede de telefonia fixa para, por exemplo, rádio-novelas. Em conseqüência, os modelos de negócio fundiram serviços com redes físicas: empresas de televisão produzem conteúdo, mas também são as proprietárias das antenas de difusão e, não menos importante, das faixas de freqüência utilizadas. Se por um lado, se compreende como as empresas chegaram nessa posição, não há suporte tecnológico para explicar os modelos de negócio completamente verticais adotados por muitas delas. É notório o caso da AT&T, monopolista de fato da telefonia fixa nos Estados Unidos por décadas, e que implementou uma política que proibia a conexão de terminais que não fossem produzidos por ela mesma. Muitas inovações de terceiros deixaram de ser lançadas até que o governo americano forçou a companhia a alterar essa posição. Caso semelhante ainda acontece com operadoras de telefonia móvel que restringem a conexão à rede de celulares exclusivamente comercializados por ela mesma, além de barrar funcionalidades que não estão alinhadas com seus interesses. Por exemplo, uma rede americana desabilita a funcionalidade Wi-Fi dos celulares porque essa facilidade interfere com seu serviço de distribuição de músicas.

 

SOBREPOSIÇÃO DE SERVIÇOS

Dado esse cenário, poderíamos dizer que as operadoras de serviços de telecomunicação adotam estratégias de inovação defensivas na medida em que a convergência de serviços deve acontecer pela implantação de serviços incrementais derivados da plataforma tecnológica existente. Unânimes, todas querem a convergência, desde que sob seu comando. Redes de telefonia implantam serviços de TV, redes móveis oferecem "números fixos" e assim por diante. O resultado é ineficiência e redundância. É como se tivéssemos diversas redes de distribuição de energia elétrica em uma mesma cidade, cada uma com uma tecnologia diferente, competindo pelos mesmos serviços e usuários.

A constituição de infra-estruturas básicas com tal nível de redundância e ineficiência parece não fazer sentido. Por que faria para telecomunicação? Uma solução seria, como acontece com a energia elétrica, adotar uma infra-estrutura única para a transmissão de informação? Como isso poderia ser aceito, se a situação anterior de monopólio foi apontada como uma das razões da baixa inovação e da ineficiência dos serviços por muitos anos? Não foi justamente a concorrência que estabeleceu um ciclo de inovação em setores estagnados por anos de jugo monopolista? Essas questões, entretanto, escondem um erro de pressuposto. Como os modelos de negócio, derivados de cenários tecnológicos já superados, fundiram serviços às infra-estruturas, o monopólio da infra-estrutura implicava no monopólio do serviço. O cenário tecnológico já disponível torna esse pressuposto errado. Existe a possibilidade de se separar serviços da infra-estrutura que os suportam. O monopólio territorial de um prestador de infra-estrutura, análogo ao fornecedor de redes elétricas, obteria escala, eficiência e o retorno econômico suficiente para manter seus sistemas em sintonia com as necessidades dos usuários. A concorrência ocorreria agora nos prestadores de serviço que poderiam dispor de uma infra-estrutura padronizada e de alta capacidade. Essa discussão, incipiente no Brasil, já ocorre nos Estados Unidos sob o tema "neutralidade de redes (network neutrality). Claro que um modelo que separe a infra-estrutura dos serviços altera radicalmente os modelos de negócios atuais. Não se advoga aqui a pura e simples revisão dos modelos estabelecidos, mas me parece fundamental repensar o assunto para evitar que, após a encarniçada luta que estamos presenciando hoje, surja um novo monopólio vertical, com as conseqüências já conhecidas.

O segundo fator que influencia diretamente a inovação do setor diz respeito às instituições e normas que regulamentam os serviços de telecomunicação. Criado para proteger os usuários, o sistema regulatório é lento e complexo pela própria natureza de seu processo, público e "neutro". Apesar disso, verdadeiros embates ocorrem nesses organismos entre representantes interessados em transformar suas próprias tecnologias nos padrões que serão adotados. Além disso, o sistema acaba sendo um fator impeditivo para a inovação ao obstar o lançamento de quaisquer novas tecnologias sem o prévio regulamento.

 

 

Brechas, porém, existem. Um exemplo do descompasso entre mercado e regulação diz respeito à tecnologia VoIP (voz sobre IP). Vários dos serviços que a utilizam sobrevivem em um limbo regulatório que cria oportunidades para a montagem de serviços que causam prejuízos significativos para as operadoras legalmente estabelecidas e que podem causar fortes decepções nos usuários. Outra questão, também com forte impacto na inovação, é a manutenção de uma distribuição de espectro segundo parâmetros definidos há décadas. Hoje existem condições para uma profunda reforma nessa distribuição, mas em função de toda a infra-estrutura existente, quaisquer modificações serão muito difíceis. A grande repercussão do leilão de freqüências em curso nos Estados Unidos, que vai abrir a faixa de 700 MHz (hoje ocupada pela televisão aberta) para a construção de redes digitais de difusão, é uma pequena amostra do que tal revisão pode resultar em inovação e aumento da concorrência. Basta lembrar que um dos grandes pretendentes declarados ao leilão é a Google. Como no caso anterior, é vital que uma discussão isenta seja iniciada para evitar que, pela dificuldade da modificação, esses importantes e necessários mecanismos continuem sendo barreiras à inovação.

Recapitulando, tão ou mais importantes que as próprias inovações tecnológicas, as limitações impostas pelos modelos de negócio e o sistema regulatório vigentes impactam fortemente as inovações nas telecomunicações. Revisões que permitissem a separação completa entre infra-estrutura e serviço, a normalização dos serviços (e não da tecnologia de suporte) e a atualização da ocupação do espectro terão desdobramentos muito fortes. Verifica-se que o tema "inovação em serviços de telecomunicação" é complexo, multifacetado e não se resume ao marketing tecnológico que, à revelia da realidade, trombeteia diariamente a solução definitiva para todos os problemas.

 

 

Luiz Sérgio Dutra é especialista em sistemas digitais. Trabalhou como executivo sênior de marketing e produtos em operadoras e pesquisador em instituto de pesquisas federais. Hoje é gerente de P&D no Instituto Eldorado e professor no IBTA. Co-autor do livro ATM, o futuro das redes.