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Inovação Uniemp
versão impressa ISSN 1808-2394
Inovação Uniemp v.3 n.6 Campinas dez. 2007
Trem de levitação: quebra de paradigmas tecnológicos
por THIAGO ROMERO
Um meio de transporte não poluente, de pouco consumo energético e de baixo custo de implantação e manutenção. Esta é a proposta do trem de levitação magnética projetado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nomeado Maglev-Cobra, o veículo não depende do atrito entre rodas e trilhos e poderá percorrer, em breve, um trecho de pouco mais de cem metros na Ilha do Fundão, no campus da universidade fluminense.
"O Maglev-Cobra se destaca por ser ecológica, técnica e politicamente correto. E é uma iniciativa que trará novas oportunidades de crescimento industrial e científico para o país", diz Richard Stephan, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ. Ele acrescenta que o projeto tem, ainda, um cunho social forte, uma vez que deverá facilitar a mobilidade das pessoas nas grandes cidades.
A tecnologia, que começou a ser testada em 1998 nos laboratórios da Coppe, é baseada na formação de um campo magnético de repulsão entre os trilhos e os módulos de levitação, formados por pastilhas supercondutoras que substituem as rodas e são compostas de ítrio, bário e cobre. Para criar esse campo magnético que faz o trem levitar, os supercondutores são resfriados com nitrogênio líquido.
O trem de levitação foi desenhado para suprir as necessidades do transporte urbano e, para ser mais eficiente, era desejável um baixo consumo de energia elétrica. Os testes com um modelo reduzido do trem estimam 25 quilo-joules por passageiro-quilômetro (kJ/pkm), enquanto o consumo de um ônibus comum é de 400 kJ/pkm e o de um avião gira em torno de 1200 kJ/pkm.
Calcula-se, ainda, que uma viagem entre o Rio de Janeiro e São Paulo geraria apenas 2,6 quilos de dióxido de carbono (CO2) para cada passageiro, enquanto uma viagem de avião no mesmo trajeto produz, em média, 98 quilos por indivíduo do gás causador do efeito estufa. Outra vantagem é que o tempo gasto nos dois meios de transporte seria praticamente o mesmo: 1 hora e 30 minutos.
Orçada em R$ 4,1 milhões, a construção desse módulo do veículo em escala real integra a fase de testes do projeto, cujo pedido de financiamento foi apresentado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pelo coordenador dos trabalhos, Richard Stephan, e aguarda aprovação.
MERCADO PROMISSOR
Segundo o pesquisador do Laboratório de Estudos e Simulações de Sistemas Metroferroviários do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe, Eduardo Gonçalves David, a possível construção do Maglev-Cobra poderá criar um mercado inovador para o país, seguindo o exemplo de empresas bem sucedidas como a Embraer, que, em sua opinião, sabe pesquisar as tendências do mercado, aproveita a criatividade nacional no design, produz aviões de alta qualidade e compra de outros países o que a capacidade industrial local não tem escala para desenvolver.
"O terceiro milênio será formado pelos transportes sem rodas, baseados em levitação magnética. O Brasil não tem empresas nacionais fabricando equipamentos ferroviários, todas as existentes são multinacionais. Poderíamos dar um salto tecnológico nessa área porque somos capazes de suprir as demandas desse mercado", diz o pesquisador, que atua no setor ferroviário há 33 anos e já escreveu dois livros sobre o assunto.
Para o Maglev-Cobra ser construído em larga escala, o material indicado para sua fabricação seria o compósito, à base de fibra de carbono. "É o mesmo material, extremamente leve e resistente, que os mais modernos aviões utilizam. A entrada desse veículo no mercado estimularia as empresas nacionais a produzirem tais materiais", acredita.
TECNOLOGIA DE PONTA
David explica que existem três tecnologias de levitação no mercado: a eletromagética, utilizada desde 2003 na ligação do Aeroporto Internacional de Xangai, na China, com o centro da cidade, a eletrodinâmica, pesquisada pelos japoneses e que detém o recorde de velocidade de trens com a marca de 581 quilômetros por hora, e a magnética, pesquisada na Coppe.
"Essa tecnologia é a mais recente das três e só foi possível com o surgimento das pastilhas cerâmicas supercondutoras de alta temperatura crítica e dos super-ímãs comerciais, em meados da década de 1990. Sua grande vantagem é a redução de custo, uma vez que não exige controle eletrônico da levitação, que ocorre naturalmente", observa o pesquisador da Coppe.
Os pesquisadores acreditam, com base em estudos realizados em parceria com a Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP), que o sistema de levitação poderá ser implantado por aproximadamente R$ 33 milhões por quilômetro, um terço do valor de construção de uma linha de metrô subterrâneo com a mesma capacidade de passageiros/hora. As pesquisas indicam que, para o transporte urbano, o Maglev-Cobra também seria capaz de reduzir o custo operacional em até 50%.
Mas o que está faltando para que esse projeto saia do papel e seja implementado na Ilha do Fundão? Para David não se trata de falta de base tecnológica, que existe tanto na UFRJ como na USP e é comprovada em acordos internacionais mantidos pelas duas entidades, principalmente com centros de pesquisas da Alemanha, país que possui um trem de levitação magnética semelhante em operação.
"Acredito que o problema também não seja a falta de recursos financeiros. O que falta é interesse político e social. Esse é o ponto que precisa ser melhor trabalhado", afirma o engenheiro da Coppe. Para ele a receita do sucesso para esse projeto é unir a competência tecnológica existente com recursos empresariais e apoio político. "Essa é uma oportunidade rara de quebrarmos paradigmas na área dos transportes no país", acrescenta David.
De acordo com o professor Richard Stephan, o principal desafio é vencer o ceticismo do meio técnico e acadêmico diante da possibilidade da indústria brasileira liderar uma solução inovadora no setor de transportes. "A história recente tem comprovado que o Brasil foi bem sucedido quando conseguiu quebrar paradigmas", afirmou.
Stephan exemplificou com a liderança brasileira na exploração de petróleo em águas profundas, com a Embraer, que disputa o terceiro lugar entre as empresas globais fornecedoras de aeronaves e com a implantação do que ele considera o "maior programa de biocombustível do mundo", o Proálcool. "O Maglev-Cobra, enfrentando e vencendo desafios tecnológicos, reúne as condições necessárias para fazer parte dessa lista de sucessos", conclui.