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Inovação Uniemp

versión impresa ISSN 1808-2394

Inovação Uniemp v.3 n.6 Campinas dic. 2007

 

 

A TV digital que vem aí

 

 

por GABRIELA DI GIULIO

 

 

DESAFIOS SÃO MUITOS: MARCO REGULATÓRIO, MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA, PRODUÇÃO DE CONTEÚDO, INTERATIIDADE E CONQUISTA DO TELESPECTADOR

Imagem com alta definição e áudio de melhor qualidade. É com essa expectativa que a TV digital chega ao Brasil a partir de 2 de dezembro, inicialmente apenas para quem mora na cidade de São Paulo. Para quem reside em outras cidades brasileiras, esse prazo deve se estender entre 2009 e 2013. A nova tecnologia de transmissão de sinais deve permitir entregar ao telespectador uma imagem sem fantasmas ou chuviscos, com um som comparável ao de um CD. Essa tecnologia digital exige como principal equipamento de recepção o conversor, também chamado de set-top-box, que capta o sinal digital, faz a seleção dos canais e o converte para televisores convencionais, compatíveis com a TV analógica atual. Há, porém, a possibilidade de o usuário adquirir um novo televisor com o conversor já embutido — idéia que deverá agradar, principalmente, aos fanáticos por tecnologia. Estes devem estar avisados que a TV digital não chega com todos os seus potenciais atrativos: de imediato, dificilmente contará com sua maior vantagem — a interatividade — principal diferencial da TV digital em relação à analógica.

 

 

A implantação desse novo sistema digital de TV não é unanimidade. "Com pouca tecnologia, restrição à multiprogramação e sem interatividade, será a mesma TV analógica que conhecemos hoje", diz Gustavo Gindré, membro do comitê gestor de internet e da ONG Coletivo Intervozes. Gindré critica as mudanças prometidas que, no entanto, não têm prazo para acontecer. "Seriam em três escalas: questão tecnológica, com padrão novo de transmissão; multiplicação de emissoras; e interatividade. Em nenhuma delas, porém, o Brasil tem conseguido sucesso." No caso da interatividade, exemplifica Gindré, o alto custo do conversor — estimado entre R$ 700 e R$ 800 — será um entrave para as pessoas de menor renda. "A TV digital poderia ser o começo do fim da televisão, já que assume elementos que eram exclusivos da internet. Só que o set-top-box vai custar caro, e o telespectador ainda precisa de um terminal para ter interatividade, com modem e saída de banda larga. Quem pode pagar por isso, já tem internet de banda larga em casa", critica.

Apesar de começar em dezembro, a nova tecnologia terá muitos desafios pela frente. Por isso mesmo, as estimativas apontam que os próximos dois anos serão de experimentação e que o grande ano da TV digital será 2010, quando ela estará massificada. O ano não foi pensado à toa: "em 2010 teremos carnaval, Copa do Mundo e eleições presidenciais", lembra Tadao Takahashi, presidente do conselho de administração da TVE-Brasil e um dos responsáveis pela implantação da internet no Brasil.

Para cumprir o compromisso de fornecer ao mercado os equipamentos necessários para a era digital, os fabricantes de televisão têm investido pesado. O governo fixou um prazo de implantação e, para cumpri-lo, os fabricantes de televisores tiveram, após a definição das especificações, apenas seis meses para desenvolverem e lançarem seus produtos. Prazo extremamente curto, na opinião do setor, que esperava ter pelo menos 15 meses para aprontar seus produtos. O presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Lourival Kiçula, garante que a disposição é atender as metas estabelecidas e oferecer "a melhor TV digital do mundo". "É preciso uma sincronização de intenções e ações de todos os envolvidos na TV digital", destaca Carlos Ferraz, pesquisador do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco e diretor do Centro de Estudos e Sistemas Avançados de Recife (Cesar). Na prática, isso significa que emissoras, fabricantes de equipamentos e produtores de softwares precisam caminhar juntos para que, mais do que uma imagem melhor com um som de qualidade, a TV digital seja interativa.

 

 

FACILIDADE DE ACESSO À INTERNET

A interatividade deverá permitir serviços parecidos com a internet na televisão, como compras, serviços bancários, correio eletrônico, informações sob demanda e bate-papo. "A interatividade em TV pode ter papel fundamental no fomento da inclusão digital no Brasil. Para muitas pessoas, será mais fácil entrar na internet via TV digital do que por computadores ou qualquer outro meio", afirma Takahashi. A interatividade real, no entanto, depende de quais conversores estarão disponíveis no mercado — preços e tecnologias pesam na garantia da viabilidade desse atrativo, pelo menos nos próximos meses.

O que vai permitir que os usuários possam interagir com a TV e através dela interagir com outras pessoas é um software de interatividade — um middleware, conhecido pelo nome de Ginga e desenvolvido em parceria entre pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da PUC-RJ. Aliás, é graças ao Ginga que o padrão de TV digital no Brasil já é chamado por alguns como padrão "nipo-brasileiro", já que o Brasil adotou o padrão japonês de TV digital e o software parece ser a única criação brasileira. "A concepção do Ginga é resultado de quase 20 anos de trabalho de um grupo que começou a pesquisar aplicações e documentos voltados para multimídia", explica Guido Lemos, pesquisador do Departamento de Informática da UFPB e um dos responsáveis pela criação do software. "Quando soubemos da chamada para a TV digital no Brasil, fizemos um consórcio entre as duas universidades e juntamos esforços para fazer o Ginga".

Projetado para executar aplicações que usam a TV e outros dispositivos, como celular, computador e internet, o Ginga é comparado ao Windows do computador. Portanto, a interatividade efetiva depende da instalação desse software nos conversores ou nos novos aparelhos integrados de televisores. O problema é que o Ginga não está totalmente finalizado, e ainda busca a certificação do sistema. "Pode ser que algum fabricante tenha conhecimento do Ginga, mas ele ainda não foi totalmente divulgado. Se a TV digital vai começar em dezembro, as finalizações desse software teriam que estar mais avançadas", argumenta Ferraz, do Cesar.

O pesquisador Lemos, no entanto, afirma que o software estará pronto e que alguns fabricantes já o colocarão nos seus equipamentos ainda este ano. Para isso, ele destaca a criação da empresa Mopa Embedded Systems, formada por pesquisadores que participaram do desenvolvimento do software e que, agora, querem transformar o Ginga em produto. A empresa conta com cerca de 30 pessoas que atuam em duas sedes: uma localizada em João Pessoa a outra em Natal.

 

 

CONVERSORES: DIVERSAS OPÇÕES

O consumidor brasileiro deverá encontrar algumas opções diferentes de equipamentos no mercado, desde modelos mais simples de conversores, com custos mais baixos, até conversores mais sofisticados e complexos, que já venham com o Ginga e que possam estar, inclusive, embutidos nos aparelhos televisores. Os fabricantes ainda analisam as condições do mercado e discutem o que e quando disponibilizar. É o caso, por exemplo, da Panasonic, uma das sete empresas associadas à Eletros — além dela, a associação inclui também LG Electronics, Philips, Samsung, Semp Toshiba, Sony e Tectoy. "Estamos estudando duas vertentes: se comercializamos o conversor que já produzimos ou televisores que venham com o sintonizador", diz Daniel Kawano, analista de produtos da Panasonic do Brasil. As dúvidas ainda são muitas: "nossa preocupação maior é com o middleware, que ainda não foi totalmente desenvolvido. Como será de fato? O consumidor que comprar o conversor sem o software, comprará um novo conversor que virá com o Ginga?", questiona.

Na incerteza, a empresa opta por esperar, mas revela que, em 2008, novos aparelhos televisivos estarão disponíveis para o consumidor. Hoje, a empresa produz na sua sede em Manaus conversores diferenciados, comercializados exclusivamente no Japão. Além de gravador interno, esses conversores utilizam um middleware específico para atender a demanda japonesa, que já foi maior no início da implementação da TV digital. Por isso mesmo, a empresa já anuncia que, se colocar conversores no mercado, eles terão um valor bem maior do que o anunciado pelo governo.

 

 

Já a Samsung lançará, a partir do final de novembro deste ano, na região metropolitana de São Paulo, dois modelos de TV LCD, um de 40 polegadas e outro de 52 polegadas, com decodificador de sinal digital integrado. No primeiro momento, segundo Eduardo Mello, diretor da área de eletrônicos de consumo da Samsung, a companhia não comercializará aparelhos set-top-box. Os preços das novas TVs devem ser de 10% a 15% maiores do que os dos atuais modelos da mesma categoria. Segundo o diretor, a empresa acredita que, a princípio, a demanda por televisores com conversor será pequena, pois as transmissões digitais acontecerão somente na região metropolitana de São Paulo. Mas, com o tempo e a chegada a outros estados, a previsão é de que esse mercado cresça consideravelmente.

Aliás, esse é um dos desafios da TV digital, pelo menos no início. Os fabricantes estimam, em geral, que os preços dos conversores girem em torno de R$ 700 a R$ 800, mas o governo brasileiro havia anunciado que o custo desses produtos seria cerca de R$ 200. "A comercialização dos conversores será o primeiro passo para difundir a TV Digital. A migração para os aparelhos digitais será um processo de longo prazo", pontua o presidente da Eletros. Ele garante que a indústria de televisores vai trabalhar para reduzir os preços dos produtos digitais. "O aumento gradual da demanda por conversores e televisores integrados permitirá ampliar a escala de produção e reduzir os preços, assim como ocorreu com outras novas tecnologias, como telefone celular, DVDs, MP3 Player. Com a TV digital acontecerá o mesmo, no médio prazo", diz. Lourival Kiçula observa ainda que o sistema brasileiro introduziu uma série de inovações tecnológicas, demandando componentes (semicondutores) específicos, que ainda não são produzidos em larga escala no mercado mundial. "À medida que esses componentes começarem a ser produzidos em escala, os preços deverão começar a cair". Há também a expectativa de que o governo brasileiro possa oferecer subsídios a esses fabricantes para que os preços, pelo menos dos conversores, sejam reduzidos. Por enquanto, isso ainda não acontece. Por conta dessas mudanças de produção e preços, a Eletros não tem uma estimativa de faturamento do setor para os próximos anos.

 

 

Para ganhar o consumidor, outra estratégia, destacada pelo pesquisador Carlos Ferraz, está relacionada a possíveis acordos entre fabricantes e redes de varejo para oferecer a possibilidade de financiamento na compra dos equipamentos. "Aquele velho modelo brasileiro de que o consumidor pode pagar em dez vezes sem juros vai funcionar", ressalta. Na corrida para convencer o público brasileiro a comprar esses novos equipamentos, há ainda expectativas de acordos entre as emissoras de TV e as grandes redes de varejo para exibição de propagandas televisivas com custo menor ou a custo zero.

 

O QUE MUDA PARA O TELESPECTADOR

A partir de dezembro, as emissoras terão de transmitir sua programação através das duas freqüências: a analógica e a digital. Por isso, pelo menos por enquanto, a programação terá de ser a mesma. Isso significa que o telespectador que não optar por adquirir um conversor ou televisor integrado assistirá aos mesmos programas que aquele telespectador que se render à nova tecnologia. Já em relação aos conteúdos, as emissoras terão de produzir seus programas em alta definição. "Por isso, a qualidade da maquiagem usada pelos atores de uma novela terá de ser de maior qualidade, pois os defeitos também aparecerão mais", compara Juliano Dall'Antonia, diretor de TV digital do CpqD.

Na prática, o telejornal, a novela e o futebol serão exibidos da mesma forma tanto no sinal analógico quanto no digital. As mudanças referem-se às outras funcionalidades da TV digital: a interatividade e a multiprogramação. Esta última está relacionada à possibilidade de as emissoras transmitirem mais de um programa simultaneamente ou diferentes tomadas da mesma cena de forma que o telespectador escolha a que mais gostar. Explica-se: cada emissora, pelo sistema analógico, ocupa um canal de televisão. No modelo digital, há possibilidade de várias programações simultâneas no mesmo espaço, já que um canal permite quatro programas simultâneos. No futuro, a TV digital oferecerá ao telespectador a possibilidade, por exemplo, de acompanhar uma novela com mais trilhas paralelas. As emissoras também deverão produzir programas especiais, utilizando recursos que a multiprogramação oferece. "Vamos pensar no Big Brother Brasil. Esse é um bom protótipo do que será um programa interativo de êxito no futuro, com a participação do público através de ligação telefônica ou da internet", aponta Tadao Takahashi.

Ainda no caso da interatividade, a expectativa é que as emissoras poderão disponibilizar ao telespectador informações adicionais sobre a programação, como dados sobre atores do filme a ser apresentado, resumo do que aconteceu na novela até o capítulo anterior, notas sobre o time de futebol que está jogando. Para ver essas informações, o telespectador interagirá com seu conversor digital ou com seu televisor já integrado. Ainda através desses equipamentos, integrados a uma rede de telecomunicações (de banda larga ou não), o telespectador poderá votar em enquetes e participar de games. Há ainda a possibilidade de acessar o guia de programação eletrônico (EPG - Eletronic Program Guide), como já acontece hoje nos sistemas de TV por assinatura. O telespectador poderá obter dados sobre a programação dos vários canais, nome e gênero do programa atual e do próximo programa. A idéia é que essa última ferramenta já seja oferecida desde a entrada no ar da TV digital.

Na oportunidade dos benefícios da interatividade da TV digital, a Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo está lançando o Programa de Expansão de Vagas no Ensino Superior Paulista "Universidade Virtual do Estado de São Paulo - Univesp". A novidade deverá oferecer programas-aula a um grande público espalhado por todo o estado, usando meios de comunicação de ampla absorção pela sociedade, como a internet e o serviço telefônico gratuito 0800, e também a TV. Ao iniciar suas transmissões digitais, a TV Cultura destinará um de seus canais de baixa definição à educação, pelo qual a Univesp poderá transmitir seus cursos. O objetivo é ampliar substancialmente o número de vagas para suprir a demanda crescente por elas no ensino superior.

 

DESAFIOS EM VÁRIAS ESCALAS ATÉ 2016

Depois da primeira transmissão HDTV (Televisão de Alta Definição) da cidade de São Paulo, prevista para 02 de dezembro, a expectativa é que a TV digital esteja disponível em outras capitais até dezembro de 2009. Ainda segundo estimativas apontadas por Roberto Franco, diretor de tecnologia do SBT e presidente do Fórum Nacional de TV Digital e da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão, a nova tecnologia deve estar disponível em todos os municípios brasileiros até dezembro de 2013. Em dezembro de 2016 está previsto o desligamento da TV analógica.

Até lá as expectativas e os desafios são muitos. Otimista quanto à chegada e consolidação da TV digital no Brasil, Takahashi faz algumas projeções, como a de que em 2015 a televisão terá dois tipos de telespectador: aquele mais passivo, que continuará a assistir aos programas como hoje; e o mais interativo. "Acredito que esses telespectadores interativos serão formados por dois grupos principais, os mais jovens e os que eu chamo de ferramenteiros, aquelas pessoas que trabalham com computadores. A sacada será saber qual será a porcentagem de telespectadores de cada grupo", diz.

Ainda pensando no futuro, Takahashi afirma que, se tudo funcionar bem, o preço do conversor em 2016 — quando está decretado o fim da TV analógica — será bem baixo e todos estarão convencidos de que vale a pena a TV digital. Até lá, cada emissora ocupará uma faixa analógica e uma digital. Em 2016, as emissoras devolverão para o governo a faixa analógica, que poderá ser usada, por exemplo, para canais comunitários. "Seria a reforma agrária da radiodifusão", compara.

Mais do que uma mudança tecnológica, o presidente do conselho de administração da TVE-Brasil acredita que a difusão da TV digital no Brasil representa, sobretudo, uma mudança cultural. "Ao olhar para as experiências internacionais, é possível ver que a entrada e consolidação da TV digital é sempre demorada e complicada". Segundo Juliano Dall'Antonia, do CPqD, o desligamento total da transmissão analógica ainda não aconteceu no mundo. Nos Estados Unidos, a projeção é desligar em 2008 e um leilão deverá ser feito com as freqüências devolvidas.

É preciso considerar ainda que, pelo menos por enquanto, o Brasil não conta com um marco regulatório específico para esta nova área, caracterizada pela interação de diferentes meios comunicativos.