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Conhecimento & Inovação

Print version ISSN 1984-4395

Conhecimento & Inovação vol.5 no.3 Campinas July/Sept. 2009

 

EDUCAÇÃO

 

Estímulo às engenharias chega às escolas do ensino médio

 

 

Flávia Gouveia e Sabine Righetti

 

 

BUSCANDO AUMENTAR A PROCURA POR CURSO DE ENGENHARIA, POLÍTICAS PÚBLICAS JÁ ATINGEM JOVENS PRÉ-VESTIBULANDOS

Certa vez, ainda na década de 1990, um grupo de teóricos do Escritório Nacional de Pesquisa Econômica (NBER, da sigla em inglês), localizado nos EUA, publicou um artigo afirmando que um país será tão desenvolvido quanto mais engenheiros e menos advogados formar. Independente da polêmica sobre os advogados, a necessidade de se formar engenheiros - e a ligação dos mesmos com o desenvolvimento do país - tem sido cada vez mais destacada em trabalhos acadêmicos, em políticas públicas voltadas ao ensino superior e, mais recentemente, em políticas voltadas também para estudantes do ensino médio. Isso porque, de acordo com alguns especialistas, os jovens estão cada vez menos interessados em fazer os cursos de engenharia - que formam profissionais capazes de gerar inovações em áreas chave para o desenvolvimento econômico nacional.

O Brasil tinha, em 2006, 371,5 mil estudantes cursando engenharia, o que representa cerca de 8% do total de 4,7 milhões de alunos do ensino superior, de acordo com dados do Sistema Integrado de Informações em Ensino Superior (Siesp). Em números absolutos, houve um aumento de cerca de 58% no total de matriculados em seis anos - em 2000, eram 234,5 mil alunos nas engenharias. Mas o aumento médio das matrículas no ensino superior no Brasil foi bem maior: 74% no mesmo período (já que em 2000, havia 2,7 milhões de matriculados).

 

 

A suposta falta de estímulos para os cursos de engenharia levou Roberto Baginski Santos, professor adjunto do Centro Universitário da FEI (Fundação Educacional Inaciana), a trabalhar com o desenvolvimento de atividades com professores e alunos do ensino médio. Ele acredita que, antes de abrir novas vagas ou criar novos cursos de engenharia, é preciso "convencer" os alunos a cursar engenharia. Caso contrário, serão vagas ociosas. E a melhor forma de fazer isso é criando oportunidades para que os estudantes de ensino médio (e até do fundamental) conheçam as atividades dos engenheiros. "Por trás da tecnologia com a qual nos acostumamos, há o trabalho de milhares de engenheiros e engenheiras. Em uma economia cada vez mais movida a conhecimento, a falta de engenheiros impede que o país saia do papel de fornecedor de commodities e avance para a criação de tecnologia de alto valor agregado", argumenta.

Sob essa perspectiva, a FEI criou o projeto FEI Jovem, que está entre os 42 projetos aprovados (de 91 apresentados) no primeiro edital do Promove, do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O Promove visou estimular iniciativas do ensino médio voltadas para as engenharias, e disponibilizou R$ 16,3 milhões para os projetos escolhidos.

 

BIODIESEL E CARRINHOS-ROBÔS

Durante mais de seis meses em 2008, cerca de 150 estudantes do ensino médio de quatro escolas da Grande São Paulo, públicas e privadas, estiveram empenhados na produção de biodiesel e no desenvolvimento de robôs e de carrinhos motorizados. A experiência trouxe resultados: "Eu pude reafirmar a minha decisão de fazer engenharia de computação porque tive a oportunidade de mexer com a programação do carrinho-robô", contou o estudante Pablo Galleti Vieira, que hoje está no 2º ano do ensino médio do colégio São Luis, localizado em São Paulo. Ele participou da equipe que desenvolveu o carrinho-robô El Toro, cujas cores lembram a bandeira da Espanha (país das touradas), e que participou da competição de robôs realizada em setembro de 2008, na FEI. O carrinho El Toro, desenvolvido com a orientação de professores da própria FEI, tinha um sistema óptico que identificava e seguia a pista branca, sendo capaz até de fazer curvas e retornos.

 

 

Em outra equipe, o estudante Fernando Sampaio Guedes focou seu trabalho na sustentabilidade, já que pretende estudar engenharia ambiental, tendo preferência pelo curso da USP de São Carlos. "Tentamos usar pilhas recarregáveis, mas não deu certo. Acabamos optando pelas pilhas conhecidas pelo bom desempenho", conta. "Foi bom ver que o quê estamos aprendendo tem importância prática", completa.

 

DA ABSTRAÇÃO À PRÁTICA

Impulsionar o aprendizado na prática, como menciona Fernando, é um dos objetivos do Promove/Finep. Para Emmanoel de Oliveira Boff, da Finep, a baixa procura no vestibular das engenharias está relacionado ao pouco interesse relativo às disciplinas abstratas, associadas à engenharia, como a química, a física e a matemática. O professor William Jacques Ribeiro, do colégio São Luis (que participou do FEI Jovem), concorda: "Ninguém se apaixona por uma prova de exatas", brinca. Ele conta que o São Luis, assim como outras escolas particulares de ensino médio, já tinha muitas atividades extra-curriculares como produção de jornais e teatro, o que estimulava grande parte dos alunos para as humanas. Mas faltavam iniciativas nas exatas.

No entanto, enquanto alguns alunos se aproximaram das engenharias aprendendo na prática, outros chegaram à decisão de que esta não seria a melhor opção para si, o que pode ser positivo, reduzindo a evasão nas universidades. É o caso de Daniela Chiaradia, que pretendia fazer engenharia química antes de desenvolver seu trabalho no FEI Jovem. "Agora quero fazer medicina veterinária", conta a aluna.

 

 

 

 

As atividades desenvolvidas no FEI Jovem também contemplam outras habilidades ligadas direta ou indiretamente à engenharia e ao desenvolvimento de produtos, como o design. Mariana Lopes Fogo, que no ano passado cursou o último ano do ensino médio, desenvolveu seu trabalho nessa área. Na sua equipe, ela se manteve focada no desenho, com base no centenário da imigração japonesa, do carrinho-robô chamado de Yune. Seu objetivo não é se tornar engenheira, mas sim cursar artes plásticas.

 

MENINAS ENGENHEIRAS

Assim como Daniela e Mariana que, ao que tudo indica, não seguirão as engenharias, muitas meninas escapam das exatas, na maioria das vezes devido à falta de estímulos durante toda a sua formação escolar. Justamente por isso, o professor Baginski Santos, da FEI, destaca a importância de projetos voltados principalmente para despertar a atenção das meninas. "O FEI Jovem acaba sendo mais importante para as meninas. As estudantes tiveram a oportunidade e o incentivo para entrar em um mundo considerado exclusivamente masculino e se saíram excepcionalmente bem. Nós percebemos que as meninas estavam descobrindo que também podiam ser engenheiras e vimos que gostaram disso", relata.

No entanto, Baginski Santos ressalta a necessidade de uma política mais ampla, que incentive desde cedo as meninas a enveredar por atividades e profissões tidas como masculinas. "Deveria haver tanto uma valorização na mídia das mulheres nessas atividades, quanto incentivos nas escolas para a participação das meninas em atividades deste tipo", diz.

 

POUCOS CURSOS, BAIXA DEMANDA

Para os especialistas, há um razoável equilíbrio entre as vagas oferecidas e o número de jovens que querem cursar engenharia porque a demanda dos estudantes é baixa. No entanto, do ponto de vista da demanda do mercado de trabalho, o sinal é que deveria existir mais vagas e mais cursos de engenharia. E a discussão sobre a falta de engenheiros não é exclusiva do Brasil: países como a Alemanha, que tem uma média de 20% de seus estudantes de ensino superior matriculados nas engenharias, também falam de falta de engenheiros. Na última Feira Industrial de Hannover - uma das mais famosas da Alemanha e do mundo - o Instituto da Economia Alemã (IW) divulgou um estudo que indicava a falta de 95 mil engenheiros naquele país.

No meio dos argumentos pró-engenharias, há controvérsias. Um estudo do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), divulgado em julho de 2008, evidencia que o mercado de trabalho para as engenharias pode ser considerado estreito e fortemente dependente de um pequeno número de empresas que emprega uma grande quantidade de engenheiros. As empresas que empregam até cinco engenheiros representam pouco mais de 60% do mercado brasileiro, enquanto as grandes empregadoras, que empregam mais de 100 engenheiros, são apenas 2,8% do total de empresas.

No mesmo sentido, dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais/IBGE) mostram que, em 2006, cerca de 43 mil engenheiros trabalhavam no setor de transformação no país, um número pouco maior do que os 40,3 mil do ano anterior (2005). Considerando-se que 41,5 mil engenheiros se formaram em 2006, a absorção do mercado pode ser considerada pequena.

Independente da discussão oportuna e necessária sobre a falta - ou não - de engenheiros no mercado, a valorização das ciências exatas juntos aos jovens estudantes parece primordial para a construção de uma sociedade capaz de compreender os artefatos a seu redor e de tomar decisões nas questões contemporâneas permeadas de argumentos científicos e tecnológicos. "Valorizar as engenharias é uma maneira de se realizar essa aspiração democrática de cidadania", conclui o professor Baginski Santos.