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Conhecimento & Inovação

versão impressa ISSN 1984-4395

Conhecimento & Inovação v.5 n.3 Campinas jul./set. 2009

 

AEROESPACIAL

 

Satélites nacionais alavancam parcerias e inovações no setor privado

 

 

Bruno Buys

 

 

PROGRAMA BRASILEIRO RESPONDE POR UMA VARIEDADE DE SERVIÇOS E O ACESSO GRATUITO ÀS IMAGENS ALIMENTA A ABERTURA DE NOVOS NEGÓCIOS

O Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) é responsável por uma gama tão variada de serviços, que fica até difícil pensar em nossa vida cotidiana atual sem ele: meteorologia, previsão do tempo e clima, com informações para agricultura, turismo, negócios, viagens; observação da Terra, que fornece imagens e mapas para subsidiar estudos e decisões em urbanismo, administração pública, uso da terra. Além dessas tradicionais aplicações, existem as de telecomunicações, como internet e TV, que têm tido crescimento explosivo no Brasil. Os sistemas de sensoriamento remoto, capazes de avaliar queimadas e desmatamentos, se transformaram, ainda, em forte aliado para a conservação da biodiversidade.

Criado em 1961, junto com a Comissão Nacional de Atividades Espaciais, o PNAE atua desde então buscando o domínio do ciclo completo de atividades ligadas à tecnologia espacial, em três grandes áreas: as bases de lançamento, de onde são lançados e monitorados os foguetes que irão colocar os satélites em órbita; a tecnologia de construção de foguetes; e a tecnologia de construção e operação de satélites. Existe grande diversidade de tipos de satélites: de observação da superfície terrestre, de telecomunicações (recebem e transmitem sinais de TV, rádio, internet), de defesa, de posicionamento global (GPS), e satélites científicos, que estudam o sistema solar e o universo.

No campo do desenvolvimento e operação de bases de lançamento de veículos, o programa espacial brasileiro tem a base de Barreira do Inferno, perto de Natal (RN), e a de Alcântara, no Maranhão. Mais antiga, Barreira do Inferno tornou-se perigosamente próxima de Natal, devido ao crescimento urbano, sendo usada atualmente para lançamento de pequenos veículos sub-orbitais. Com isso, os lançamentos de maior porte são feitos a partir do Centro de Lançamentos de Alcântara.

Na área de construção de foguetes, o país avança com dificuldades: o foguete brasileiro VLS (de Veículo Lançador de Satélites) ainda não teve uma operação bem-sucedida. A última tentativa, em agosto de 2003, foi frustrada por um acidente que destruiu o lançador, a torre de controle em Alcântara, e matou 21 técnicos e engenheiros que trabalhavam na operação. Um relatório produzido pelo Ministério da Defesa diagnosticou que o acionamento prematuro de um dos motores do foguete causou o incêndio que gerou o acidente. Mas a causa da ignição prematura do motor não foi descoberta.

 

ACORDO COM A UCRÂNIA

Em 2003 o Brasil assinou com a Ucrânia um acordo de longo prazo para cooperação na área espacial. Tentativas anteriores de abrir a base para uso comercial através de um acordo com os Estados Unidos não avançaram. O acordo com a Ucrânia, depois de longas negociações, deu origem à Companhia Binacional Alcântara Cyclone Space, ACS, que irá gerenciar o lançamento do foguete ucraniano Cyclone-4 a partir da base no Maranhão. Feito com condições mais favoráveis ao Brasil do que a proposta anterior dos EUA, o acordo com a Ucrânia permite transferência de tecnologias que beneficiem o desenvolvimento do VLS. O acordo possibilitará a modernização do centro de Alcântara, para se adequar ao lançamento do Cyclone-4, ao mesmo tempo em que abrirá o centro para o uso comercial, com a oferta de serviços de lançamento de satélites.

Segundo Himilcon de Castro Carvalho, diretor de política espacial e investimentos estratégicos da Agência Espacial Brasileira, o avanço do VLS brasileiro esbarra em uma questão estratégica, em relação a tecnologias de duplo uso. "Não é algo explícito, como um documento onde se recrimina o desenvolvimento de foguetes pelo Brasil, mas o que nós enfrentamos de fato é a dificuldade em importar certas tecnologias e componentes. Os dispositivos usados em um foguete para fins pacíficos são parecidos com os usados em artefatos militares, como mísseis balísticos. Portanto, não só em relação ao Brasil, mas também com outros países em desenvolvimento, a pesquisa e construção de foguetes são acompanhadas com preocupação geopolítica pelas grandes potências. "Nós contornamos esses problemas via investimento em desenvolvimento aqui mesmo no Brasil", diz Carvalho.

 

 

SCD, CBERS E O AMAZÔNIA-1

A área de construção e operação de satélites talvez seja a mais consolidada das três áreas, dentro do PNAE. Desde a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), temos avançado na construção de satélites de coleta de dados, os SCD's, de observação da Terra, com a série dos CBERS e que futuramente ganhará a adição do Amazônia-1. Os satélites de coleta de dados, inteiramente nacionais, são dispositivos de apoio ao trabalho em meteorologia: eles coletam e retransmitem sinais de diversos equipamentos de meteorologia localizados no solo, em diversos pontos do país. Tais equipamentos são estações meteorológicas que registram dados como temperatura do ar e umidade, e transmitem para o SCD que, por sua vez o reenvia de volta à Terra, para uma antena em Cuiabá. Dos três SCD's lançados, dois continuam em atividade.

Uma parceria com a China, que já completa 21 anos, gerou a série CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite), de satélites de observação da Terra. Os CBERS 1 e 2 foram lançados, respectivamente, em janeiro de 1999, e em outubro de 2003. Tecnicamente idênticos, sua agenda de lançamentos buscava manter a continuidade no envio de imagens sobre a Terra. Em novembro de 2002, movidos pelo sucesso da primeira série de satélites, os dois países decidiram por uma nova série, mais avançada. A segunda série, dos CBERS 3 e 4, representa um avanço em relação à primeira, com câmeras e sistemas mais desenvolvidos, a bordo. E também um aumento na participação brasileira na construção dos sistemas, para 50%, o que coloca os dois parceiros em igualdade. Em setembro de 2007 foi lançado o CBERS-2, para que não houvesse descontinuidade no envio de imagens: o CBERS-2 já estava próximo de seu fim de vida previsto, e a agenda de lançamentos da série 3 e 4 sugeria uma possível lacuna de informação, antes que o CBERS-3 estivesse pronto.

 

 

DEMOCRATIZAÇÃO DAS IMAGENS

O catálogo de imagens geradas pelos CBERS está disponível gratuitamente no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Segundo o pesquisador José Carlos Neves Epiphanio, coordenador do Programa de Aplicações do CBERS, "quando olhamos o perfil de usuários das imagens do CBERS, vemos uma grande variedade de profissionais, espalhados no território nacional, usando imagens de satélite com muita criatividade, em áreas de pesquisa e trabalho desde as mais tradicionais, como agronomia e uso da terra, até setores como urbanismo, meio ambiente, políticas públicas". Em 2007, o Inpe fez uma pesquisa para conhecer o perfil dos usuários do CBERS, e descobriu que a disponibilização de imagens gratuitas na internet havia facilitado enormemente a apropriação do conhecimento gerado no projeto pela sociedade. "No formulário da pesquisa nós pedimos que o usuário respondesse se as imagens do CBERS haviam gerado empregos na sua empresa ou organização. Quando fomos contar os postos gerados, chegamos a mais de mil", conta o coordenador.

"Existem casos de pessoas com perfil de empreendedores, que iniciam negócios baseados em fornecer consultoria ambiental, de uso da terra, para prefeituras, órgãos públicos e cooperativas agrícolas, que baseiam seus negócios na livre disponibilidade de imagens do CBERS", diz Epiphanio. Em outros casos, órgãos como o Ibama baseiam grande parte de suas operações de fiscalização ambiental em dados de mapas gerados pelo CBERS. "Por esses motivos, é possível concluir que o projeto do CBERS já retornou seu custo em benefício para a sociedade", completa o coordenador do Inpe.

Ainda dentro do Programa Nacional de Atividades Espaciais, estão sendo planejados outros dois satélites de suporte à meteorologia e monitoramento do clima, cuja previsão é estarem prontos a partir de 2015 . "um deles seria para monitorar chuvas, em estágio mais avançado de planejamento, e o outro, geoestacionário, capaz de gerar imagens muito rapidamente (uma a cada quinze minutos), o que o torna adequado para alertar sobre eventos climáticos. O ciclone extratropical que atingiu o sul do país em maio de 2008 seria um típico caso de alerta por meio deste equipamento", exemplifica Carlos Frederico de Angelis, pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, do Inpe.

 

 

PÚBLICO - PRIVADA

Para a nova série do CBERS, a empresa Opto Eletrônica, vencedora da licitação executada em 2004, está preparando duas câmeras que equiparão as versões 3 e 4 do satélite, além da câmera que equipará também o Amazônia-1. "É importante dizer que estamos criando essas tecnologias porque não há referência externa. Ninguém nos dá essas receitas, ao mesmo tempo em que encontramos dificuldades de importação. Estamos, portanto, encontrando nosso caminho", diz Mário Stefani, Gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa.

 

 

A participação no programa espacial se reflete nos demais campos de atuação da Opto. "Como uma empresa do campo da ótica de precisão, nós produzimos equipamentos principalmente para as áreas de defesa e médica. A qualificação que obtivemos através do projeto das câmeras para os satélites CBERS, nos permitiu aperfeiçoar pessoal e aprimorar nossa infra-estrutura, o que não teria sido possível, na escala em que aconteceu, sem o projeto. Por exemplo, nós competimos com grandes empresas como a Zeiss e a Canon na área de equipamentos para oftalmologia. Sempre ficávamos admirados de ver como a Zeiss conseguia colocar tanta qualidade nos seus produtos, mesmo sem ter uma escala tão grande. Depois de estudar esse caso, percebemos que a capacitação e a infra-estrutura da Zeiss vinham de participações anteriores em projetos aeroespaciais e militares. Com a participação no programa espacial brasileiro, nós finalmente conseguimos contratar pessoal capacitado e obter um interferômetro, equipamento necessário para a fabricação de retinógrafos, o que nos permitiu aprimorar nossos retinógrafos a um custo viável", explica Mário Stefani.

Para o Amazônia-1, satélite designado especificamente para os problemas ambientais da Amazônia, a Opto está preparando a câmera homônima Amazônia-1 AWFI (Advanced Wide Field Imager). Essa câmera combina características das câmeras anteriores, feitas para o CBERS, mas pode captar imagens de amplas áreas com baixo tempo de retorno ao mesmo ponto (resolução temporal alta), "esse tempo de revisita rápido é necessário no caso da Amazônia, para pegar o pessoal no flagra", brinca Mário Stefani, referindo-se às aplicações em fiscalização de desmatamento e queimadas.