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Conhecimento & Inovação

Print version ISSN 1984-4395

Conhecimento & Inovação vol.5 no.3 Campinas July/Sept. 2009

 

UNIVERSIDADE/EMPRESA

 

USP São Carlos desenvolve o primeiro óleo vegetal de corte

 

 

Fábio Reynol

 

 

Um desafio apresentando pela indústria mecânica resultou no desenvolvimento do primeiro óleo de origem vegetal a ser usado nos modernos processos de usinagem. O produto nasceu de pesquisas realizadas no campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e já está sendo comercializado. Mais econômico, eficiente e ambientalmente correto, por ser biodegradável e menos agressivo à saúde do trabalhador, o óleo de corte oriundo da mamona não encontra similares no setor industrial, no qual os fluídos minerais ainda imperam.

A usinagem de várias peças metálicas exige a utilização de um líquido de arrefecimento a fim de preservar a ferramenta e o produto trabalhado de danos causados pelo calor. Esse fluído pode ser óleo ou a sua mistura com água numa emulsão. No caso das retíficas, máquinas que utilizam êmbolos (discos abrasivos) para desbastar peças, quanto maior a precisão das medidas, mais duro deve ser o material usinado e, por consequência, também o êmbolo. Nessas situações, os discos são feitos de nitrato cúbico de boro (CBN, na sigla em inglês), um material extremamente duro que exige óleo mineral puro para seu resfriamento. O calor gerado nesse processo faz o óleo evaporar criando uma névoa tóxica que pode atacar a pele, as mucosas e o sistema respiratório do operador da máquina.

Focada nesse problema e também nos custos, a equipe do engenheiro mecânico João Fernando Gomes de Oliveira, da USP São Carlos, começou a procurar substitutos para os fluídos minerais. Por ironia, a inovação surgiu de um produto bastante antigo, o óleo de mamona. "Os óleos vegetais, como o de mamona, foram os primeiros lubrificantes da humanidade", conta Oliveira que atualmente é diretor presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo. Porém, o advento dos óleos minerais com a sua facilidade de processamento varreu os similares vegetais da indústria mecânica. Para desenvolver o fluído de mamona, Oliveira escolheu a retífica com discos de CBN, um processo que exige óleo mineral integral. Os investimentos envolvidos nesse sistema são elevados. Um disco de nitrato cúbico de boro chega a custar cerca de R$ 10 mil, vinte vezes mais que similares de outras ligas.

A pesquisa, no entanto, ainda dependia de uma troca de conhecimento entre disciplinas. "O engenheiro mecânico, que domina o processo de usinagem, não se aventura a mexer no óleo e o engenheiro químico, que consegue trabalhar nas propriedades do fluído, não entende de mecânica", diz Oliveira, lembrando do drama vivido no início da pesquisa. A questão foi resolvida quando a engenheira química Salete Martins Alves veio fazer seu doutorado na USP São Carlos sob a orientação de Oliveira. O trabalho durou de 2002 a 2005, período em que Salete também levou o óleo vegetal para ensaios na universidade técnica de Hochschule-Aachen, na Alemanha. Lá, a pesquisadora realizou testes com condições extremas de pressão e teve uma boa resposta do produto. "Descobrimos que o óleo de mamona mantém sua lubricidade em alta pressão ao formar uma micropelícula sobre o metal sem precisar de aditivos", ressalta Salete Alves, que hoje é professora da Sociedade Educacional de Santa Catarina, em Joinville.

 

DILUIÇÃO EM ÁGUA

Outra vantagem apresentada pelo óleo de mamona foi a conservação de suas propriedades básicas mesmo quando diluído em água. Emulsões em que o óleo está presente na proporção de apenas 20% foram bem sucedidas em retíficas, feito jamais alcançado pelos fluídos minerais, especialmente com os rebolos de CBN. A diluição aumenta o rendimento e, consequentemente, a competitividade econômica do novo óleo.

 

 

A apresentação ao mercado do óleo de corte à base de mamona foi feita pela Agência USP de Inovação, que saiu à procura de interessados começando por empresas que fabricavam óleos industriais. Foi quando a Forward Química, de Ponta Grossa (PR) soube da inovação pela agência e demonstrou interesse. Dona de um vasto portifólio de produtos primários, a empresa paranaense viu no fluído de mamona a solução para vários problemas enfrentados pelos seus clientes, como o descarte do óleo usado, por exemplo. Por degradar rapidamente na natureza, o lubrificante de mamona não polui o ambiente como os derivados de petróleo, por isso, o seu descarte também é mais barato. "A indústria tem que contratar empresas especializadas para descartar o óleo usado de maneira limpa, por isso, a diluição em água e a degradabilidade no ambiente tornam o óleo de mamona mais econômico", explica Otto Ferreira Neto que calcula uma economia na faixa dos 30% em relação ao descarte dos fluídos convencionais. A Forward licenciou o produto e deve lançá-lo no mercado nos próximos meses.

 

LUBRIFICANTE NATURAL

O licenciamento da patente em caráter não exclusivo permitiu também o surgimento de uma spin-off - empresa nascida a partir de uma inovação. A Notox, anagrama para no toxic (não tóxico, em inglês), surgiu quando o dentista Gustavo Lucchesi procurou a Agência USP de Inovação e descobriu o recém-desenvolvido óleo de corte. Lucchesi não só adquiriu a licença para fabricar o óleo, como contratou Salete Alves como consultora, a fim de expandir as aplicações do produto. Através da utilização de aditivos, a Notox criou versões do fluído vegetal destinadas a outros processos de usinagem como torneamento, serralheria e furação. A mamona também entrou como matéria-prima de lubrificantes de componentes das máquinas, fator crucial para aumentar a eficiência ambiental do fluído de corte. "Os lubrificantes minerais das máquinas acabam contaminando o óleo de corte de mamona que tem de ser limpo para o descarte", conta Lucchesi. Por isso, a meta do empresário é expandir a linha de produtos verdes para ter máquinas funcionando somente com óleos vegetais e assim reduzir os custos com limpezas para o descarte.

A saúde dos trabalhadores também tem servido como um bom apelo de vendas. "Temos empresas que compram o óleo de mamona porque os operadores pararam de reclamar de irritações nos olhos e na pele", afirma Lucchesi. A jovem Notox, com apenas um ano de atividade, já vislumbra andar com as próprias pernas e, dentro de pouco tempo, poder sair da incubadora na qual se encontra, a Esalq TEC, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, em Piracicaba (SP). A incubadora, focada em empresas ligadas ao agronegócio, é mantida por uma parceria entre a universidade e o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado de São Paulo (Sebrae-SP).

Com maior eficiência, rendimento e economia, além de ser menos agressivo à saúde humana e não tóxico ao meio ambiente, o óleo de mamona tem o seu lugar entre os produtos mais promissores nascidos nos laboratórios das universidades e, como os biocombustíveis, segue a tendência de substituir matérias primas fósseis por fontes renováveis. Desse modo, a onda verde começa a invadir a indústria metalúrgica e mantém o Brasil entre os principais criadores de tecnologias ecologicamente viáveis.