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Conhecimento & Inovação

versión impresa ISSN 1984-4395

Conhecimento & Inovação v.5 n.3 Campinas jul./sept. 2009

 

PESQUISA

 

As armas da ciência frente às mudanças climáticas na agricultura

 

 

Fabio Reynol

 

 

A maior empresa produtora de maçãs do Brasil anunciou que está levando seus pomares serra acima. As plantações, que hoje ocupam o oeste catarinense, vão migrar para São Joaquim, na região serrana do estado. O motivo são os invernos cada vez mais quentes. Entre 1960 e 2009, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) registrou um aumento de 1,3º C na média mensal de janeiro. A migração das maçãs é somente um exemplo de como as mudanças climáticas já estão afetando a agricultura brasileira, e as projeções indicam impactos cada vez maiores. No caso da soja, por exemplo, a estimativa é que, até 2050, as melhores áreas para o plantio no país sejam reduzidas em quase 30%, o que representaria um prejuízo de R$ 5,47 bilhões.

O cenário se desenha diante da possibilidade de a temperatura média do planeta subir por volta de 1º C até o fim deste século, conforme prevêem os relatórios mais otimistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Essas estimativas foram feitas por equipes da Unidade de Informática Agropecuária da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas (Cepagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Diante de tal horizonte preocupante, a pesquisa agrícola brasileira tem intensificado seus esforços em torno do problema.

 

 

As mudanças climáticas foram inseridas pela Embrapa em seu Macroprograma 1 de pesquisas intitulado "Grandes Desafios Nacionais na Agricultura." A plataforma de pesquisas que trata do tema é dividida em quatro pontos: cenários futuros, pragas e doenças, sistema produtivo e adaptação genética. Uma boa notícia é que o Brasil não parte do zero nessa luta para adaptar a produção agrícola aos novos climas.

Traçar cenários futuros consolidou-se, na década de 1990, como atividade destinada a avaliar riscos para instituições financeiras estatais na concessão de créditos e seguros agrícolas. Para isso, o Ministério da Agricultura encomendou à Embrapa um mapeamento de riscos para plantações. O resultado foi o Sistema de Monitoramento Agrometeorológico, ou Agritempo. Disponível ao público pela internet, ele informa as áreas e o período do ano de maior e menor risco para plantar diversas espécies, considerando cada microrregião dentro dos estados. Agora, esse detalhamento serve também na previsão de cenários provocados pelas mudanças climáticas. "Adotamos o mesmo modelo de zoneamento com os cenários do IPCC, o que é bem mais eficiente do que usar um prognóstico homogêneo para todo o Brasil", informa Giampaolo Queiroz Pellegrino, coordenador do grupo de Simulação de Cenários Agrícolas Futuros (SCAF) da Embrapa Informática Agropecuária.

Um sistema similar ao Agritempo envolvendo as mudanças climáticas mundiais já existe e está sendo aperfeiçoado pela equipe de Pellegrino. A ideia é aumentar o número de culturas analisadas e de modelos matemáticos a serem aplicados, para maior alcance e precisão das projeções. Os próprios modelos sofrem aperfeiçoamento, se antes só eram considerados o aumento de temperatura e o déficit hídrico, agora outras variáveis também entram na equação, como a incidência de pragas e doenças, o aumento da frequência de eventos extremos (geada, enchentes, granizo, secas, etc), entre outras.

 

CONTROLE FITOSSANITÁRIO

"Mudar o clima também significa que as lavouras poderão ser submetidas a novas pragas, doenças e plantas daninhas, só para citar alguns exemplos", explica Emília Hamada, da Embrapa Meio Ambiente. A pesquisadora coordena um grupo que analisa a mudança climática sobre a distribuição geográfica e temporal de pragas e doenças nas plantações. A equipe de Emília é parte do projeto Climapest - Impacto das Mudanças Climáticas Globais sobre Problemas Fitossanitários - da Embrapa. O estudo engloba projetos que avaliam consequências do aumento de dióxido de carbono na atmosfera, da radiação ultravioleta e da temperatura sobre a ocorrência de doenças, pragas e plantas invasoras. O Climapest envolve não somente plantações agrícolas, mas também espécies forrageiras e florestais.

 

 

Os trabalhos de aprimoramento genético feitos há quase meio século em instituições como Embrapa e Instituto Agronônico de Campinas (IAC) não só aumentaram a produtividade de muitas espécies como ampliaram o período de cultivo e estenderam as fronteiras agrícolas. O IAC desenvolveu espécies de cana-de-açúcar aptas para o clima do cerrado brasileiro, que são plantadas em Goiás e na Bahia. A Embrapa levou a soja, planta típica de países temperados, a se desenvolver no clima do Centro-Oeste brasileiro. Esse conhecimento está sendo aplicado para que as plantas resistam a grandes mudanças ambientais.

Trata-se de um trabalho que exige tempo e paciência. Sucessivos cruzamentos são feitos tentando reproduzir descendentes com as qualidades desejadas presentes nos genitores. Desenvolver um indivíduo resistente ao estresse hídrico e a pragas, por exemplo, não significa que ele será tão produtivo quanto as espécies atuais. O ciclo de vida da planta influi no tempo dos resultados. "Fazer melhoramento genético de uma espécie arbórea que leva 12 anos para ficar adulta pode consumir a vida inteira de um pesquisador", ressalta Maurício Lopes, da unidade de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa. Plantas como soja, por sua vez, podem ter uma espécie nova desenvolvida num espaço de sete anos. O principal recurso para esse tipo de pesquisa é uma ampla fonte de material genético, explica Lopes. "É importante manter um banco de germoplasma o mais diversificado possível", acrescenta. Quanto maior a variabilidade, mais caracteres podem ser trabalhados e maiores as chances de sucesso. Os avanços da genômica também contribuem para contornar os desafios climáticos. "Não se trata somente de transferir genes de um organismo para outro (os famosos transgênicos); sequenciar e entender o genoma de espécies já é uma ferramenta importante nesse trabalho", diz Lopes.

 

SOLUÇÕES SIMPLES

Tecnologias simples e baratas também são armas para mitigar o calor crescente na agricultura. Pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) estão difundindo a técnica de plantio arborizado de café. Com árvores sombreando os cafezais, a planta fica mais próxima ao microclima de seu habitat original. A técnica chega a baixar cerca de 2ºC a temperatura média e ainda protege a planta do vento. O adensamento de plantio é outra técnica preconizada. Quando as plantas estão mais próximas, cada uma produz menos, mas o rendimento por hectare é maior. Além disso, o número de folhas aumenta, amenizando a temperatura no interior da planta. O manejo do mato e a irrigação adequada são outras técnicas de mitigação do calor que a maioria dos cafezais brasileiros ainda não adota. O IAC também desenvolve melhoramento genético no café, tentando transferir para a espécie arábica a resistência a pragas e ao calor presente na espécie robusta.

Para o agrônomo Luiz Carlos Fazuolli, diretor do Centro de Café Alcides Carvalho, do IAC, as ameaças de mudanças climáticas na cultura do café não devem ter grande impacto. Segundo ele, a faixa ideal de temperatura para o café arábica é de 18ºC a 23ºC e a grande parte das plantações no Brasil está na faixa dos 19ºC: "se a temperatura média aumentar 2ºC, o que já é muito, o café ainda estará dentro dessa amplitude". Inclusive, diz Fazuolli, o IAC vem acompanhando cafezais arábica com boa produtividade em temperaturas médias de 24ºC. Trata-se de uma ótima notícia, uma vez que, ao contrário da maçã catarinense, as mudas de café não teriam para onde fugir do aquecimento. "É um equívoco pensar que o café pode migrar para o sul", afirma o climatologista Marcelo Bento Paes de Camargo, também do IAC. "O inverno úmido daquela região é impróprio para o cultivo, por isso o café desce no máximo até o norte do Paraná, onde ele já está hoje."