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Conhecimento & Inovação

 ISSN 1984-4395

     

 

MERCADO EDITORIAL

 

O impacto da digitalização na indústria cultural

 

 

Enio R. Barbosa Silva

 

 

Há dez anos nascia o Napster. Atordoados, os executivos das grandes gravadoras responderam rapidamente com processos jurídicos, tentando enterrar a ideia que ganhava adeptos em progressão geométrica. Mas não adiantou. Para horror das gravadoras, o Napster gerou filhotes e deu origem à plataforma atual de venda de músicas, como o modelo de comercialização feito via iTunes (irmão siamês do iPod) e ao programa de compartilhamento online de arquivos MP3 criado pelo estudante norte-americano Shawn Fanning. Foi o começo do fim para a indústria fonográfica como se conhecia. A indústria editorial viu, ao longe, a tempestade se formar e já está alerta.

"Aprendemos muito com a crise da indústria fonográfica. Especialmente o que não fazer" brinca Lula Vieira, diretor de marketing corporativo do grupo Ediouro. "A crise na indústria fonográfica foi avassaladora. Diante do tamanho do problema acho que o setor editorial foi até muito lento em assimilar e responder ao desafio" aponta Breno Lerner, diretor geral da editora Melhoramentos. Ainda assim, a resposta das editoras, de investir em novas plataformas de circulação e comercialização, parece que está dando resultados positivos. A aposta é na formação de novos leitores através das tecnologias de informática e comunicação. Rosely Boschini, presidente da Câmara Brasileira do Livro, acredita que, cada vez mais gente, especialmente os jovens, descobrem a leitura por intermédio dos artefatos eletrônicos. "Daí em diante, apresentado a esse universo de prazer único que é a literatura, é difícil parar" diz Rosely. Porém, existe um problema maior ainda sem solução: "como os autores vão ser remunerados e o que vai ser feito para proteger os direitos intelectuais das obras", ressalta .

 

 

A primeira lição apreendida na crise da indústria fonográfica foi a questão da pirataria. Para diminuir o custo de produção dos CDs, no final dos anos 1990, estes passaram a ser produzidos a um custo muito menor na China e, posteriormente, em outros países do sudeste asiático, e era desses mesmos países onde, por conta de diversos fatores, saíam as cópias piratas que chegavam a países como o Brasil por preços infinitamente menores que os originais. Já para indústria editorial, o grande vilão sempre foi a máquina fotocopiadora. Estudantes que precisavam de capítulos específicos de livros começaram a deixar de comprar a obra inteira. "Essa situação é muito evidente para nosso setor: o número de estudantes no Brasil só aumenta e a vendagem de livros técnicos ou científicos continua em declínio" diz Lerner. Para o executivo da Melhoramentos esse foi o segmento que mais sinalizou o início da crise no modelo de mercado editorial. E foi nesse setor que algumas alternativas se desenharam. Primeiro houve uma pressão por parte das editoras em fazer valer a Lei do Direito Autoral, de 1998, que restringe a reprodução das obras. Na sequência, gerar alternativas positivas e justas, para ambos os lados, do que é conhecido por "livro fracionado". "É possível agora o professor de uma determinada disciplina, por exemplo, montar uma apostila com os capítulos que vai usar em aula e deixá-la disponível na internet para o aluno imprimir, pagando proporcionalmente pelos direitos autorais" exemplifica Lerner. O modelo gera alternativas para os professores, não onera o aluno, garante a legalidade e remunera os serviços da editora e do autor. Exemplo disso é a Biblioteca Virtual Universitária, plataforma de livros virtuais da Pearson Education editada pela Artmed (http://www.bvirtual.com.br/cont/login/Index_Piloto.jsp?ID=pear) . "Isso, de certa forma, é um desdobramento de uma das tendências no mercado editorial atualmente, que é o self publisher", pondera Vieira. O termo é usado para denominar um modelo de negócio onde o autor compra um pacote de serviços de uma editora e essa se disponibiliza a criar canais de distribuição. Sites como o quase famoso Lulu (lulu.com) oferecem templates (padrões pré-formatados) de capa e diagramação, por exemplo, e comercializam em sua loja virtual. O leitor potencial pode baixar o livro ou encomendar uma cópia física (dependendo do serviço contratado), e o site fica com uma percentagem no valor das vendas. "No Brasil esse tipo de serviço ainda vai ter que ser pensado. Não temos um sistema de divulgação de literatura muito socializado, que aqui é feito via editora" diz Lerner, indicando que aqui as editoras tradicionais poderiam entrar como chancela de qualidade tanto das obras quanto dos canais de distribuição. "É uma garantia para o leitor, que vai poder ter uma prévia da qualidade do que está comprando, e do autor, que vai ter seus direitos garantidos", acrescenta Lerner e lembra "afinal é isso que fazemos de melhor, comercializamos conteúdo".

 

 

EDITORAS CADA VEZ MAIS DIGITAIS

As editoras, aliás, migram na direção de se tornarem cada vez mais "armazéns digitais". O avanço das tecnologias de impressão em baixa tiragem é a vedete, do lado das editoras. Na contabilidade do livro físico leva-se em conta um acúmulo de custos: primeiro a impressão, que quanto maior a tiragem, menor o custo unitário. Soma-se a isso o transporte, estocagem em lugar adequado e mesmo assim correndo riscos de degradação (umidade, insetos e diversos outros fatores que podem comprometer o objeto de venda) e, no pior dos casos, encalhe. "Com exceção dos best-sellers ou obras de oportunidade - que valem o investimento - agora é possível um internauta entrar no site e encomendar uma única unidade de um livro pelo mesmo valor da livraria e melhor, a editora e autor ainda lucram", diz Vieira, da Ediouro, com ganho para o meio ambiente, livre do desperdício de papel.

 

NO EMBALO DOS AUDIOBOOKS

"O carro-chefe da nossa editora não é dicionário, é a área de línguas. Não vendemos um objeto específico, comercializamos um banco de dados de conhecimento em uma determinada área. Agora, esse banco de dados pode ter muitas formas" define Lerner. Adaptado até para sistemas online, o Michaellis ganhou uma versão para o iPhone. Os celulares são outra peça importante que podem ser plataformas de distribuição de conteúdo editorial. Michael Hart, um dos pais do ebook, em entrevista recente à revista ComCiência, aposta nessa direção. O motivo é simples: celulares estão se tornando potentes computadores pessoais. E se o futuro de tudo passa pela internet, o futuro da internet passa pelos celulares. Além do exemplo do Michaellis, e de iniciativas relativas a ebooks e downloads de arquivos, outro caminho que pode render frutos às editoras são os audiobooks.

O mercado de audiobooks, já maduro nos EUA e Europa, começa agora a ser explorado no Brasil. O público é promissor, formado tanto por pessoas e profissionais com pouco tempo, que podem ouvi-los no carro entre os afazeres diários, ou a geração multitask, a juventude multitarefa que ouve enquanto conversa e navega na internet. Aqui, volta-se às lições aprendidas com a crise da indústria fonográfica, que sofreu com a troca de arquivos mp3, nascidos gratuitos e imediatamente demonizados pelas gravadoras, que nada fizeram para diminuir os preços das cópias físicas e valorizar a posse de um objeto original. "Apostamos nos preços baixos para revalorizar a posse" afirma Cristina Albuquerque, diretora do selo Plugme que comercializa os audiolivros na forma física (CD) e em arquivos de MP3 para download. Cristina exemplifica que os ringtones (chamadas de aviso do celular, febre entre os jovens) custam em média R$ 4, por arquivos de no máximo três minutos, e "nossos audiobooks para download podem chegar a R$ 9,90 por várias horas ou mais de leitura". É o caso de Vale tudo, biografia de Tim Maia narrado pelo próprio autor, o escritor Nelson Motta. Os CDs têm um preço maior, mas muitos são narrados por grande atores, como Irene Ravache ou Paulo Betti. O formato abre novas possibilidades para outras áreas da indústria cultural e tem impacto sobre os escritores também. Alguns, chegam a repensar sua maneira de escrever ao se depararem com a versão oral da própria obra, diz Cristina.