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Conhecimento & Inovação

Print version ISSN 1984-4395

Conhecimento & Inovação vol.5 no.3 Campinas July/Sept. 2009

 

CIDADANIA

 

Transformando lixo em sonhos

 

 

Patrícia Mariuzzo

 

 

 

PROJETO DE FÁBRICA DE PIJAMAS LOCALIZADA NO RIO DE JANEIRO UNE RECICLAGEM, REUTILIZAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL

Giselle de Araujo Barroso cresceu entre tecidos, agulhas, linhas e a máquina de costura de sua mãe, que costurava para fora e costumava presentear as filhas com bonecas feitas de retalhos. Inspirada em sua própria história, Giselle, hoje proprietária da fábrica de roupas para dormir Encanto de La Luna, que fica em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, teve a ideia de aproveitar as sobras de tecido da fabricação de pijamas e camisolas para confeccionar bonecos de pano e vendê-los junto com as roupas. Assim surgiu a boneca Luna, a primeira de uma série de personagens que compõem hoje o projeto de responsabilidade social da empresa, que une reciclagem e inclusão social.

Nova Friburgo, maior produtor de lingerie do país, gera cerca de cem toneladas de resíduos por mês. Segundo Giselle Barroso, a fabricação de camisolas e pijamas gera uma perda considerável de tecidos, algo em torno de 30%. "Como as roupas são grandes, esse desperdício é inevitável", diz ela. Com a fabricação dos bonecos, a empresa recicla 80% do lixo gerado. "Os bonecos se tornaram um diferencial, agregando valor aos meus produtos", conta Giselle. Eles podem ser vendidos separadamente, mas o carro-chefe da empresa são kits que incluem pijamas ou camisolas, uma bolsa e os bonecos. "Nosso público é muito variado. Vendemos para lojas de lingerie, papelarias, escolas etc. Com a fabricação dos bonecos, aumentamos nossa grade de opções de produtos", diz ela.

 

 

PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL

Na opinião de Giselle Barroso, na maioria das vezes o desperdício ocorre por falta de conhecimento. Para incentivar outras iniciativas como a da Encanto de La Luna, a empresária fez uma parceria com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), para implantar o Centro de Valorização de Resíduos em Nova Friburgo. O lançamento do projeto foi feito em julho durante a Feira Brasileira de Moda Íntima, Praia, Fitness e Matéria Prima (Fevest). O objetivo do novo projeto é destinar 80% dos resíduos para reciclagem e 20% para reutilização, com capacitação de mão-de-obra para fabricação de bonecos, bijuterias, estopas e artesanato em cooperativas de trabalho. "Nossa intenção é organizar as ações já existentes de maneira articulada, de modo a trazer benefícios para todo o pólo de Nova Friburgo, tornando-o uma referência no Brasil em aproveitamento de resíduos", afirma.

 

INCLUSÃO

Além da questão do impacto ambiental, o projeto criado pela Encanto de La Luna, busca promover inclusão social. Isso porque os bonecos desenvolvidos se diferenciam do padrão de brinquedos no mercado. Kadu foi o primeiro boneco de pano brasileiro que representa uma criança com síndrome de Down. Ele também foi inspirado na história pessoal de Giselle, que tem na família uma pessoa portadora da síndrome. Para executar a ideia ela fez uma parceria com uma escola especializada no atendimento de crianças com síndrome de Down em Nova Friburgo. A confecção das bonecas se tornou uma das oficinas de terapia ocupacional para as crianças da escola. No início eram produzidas cerca de 100 bonecas por mês. Como a demanda pelos bonecos cresceu, Giselle resolveu profissionalizar a produção, passando a confeccionar os bonecos na fábrica de roupas. Hoje, segundo ela, são produzidas de três a quatro mil unidades. Além do Kadu, a Encanto fabrica Vivi, que retrata uma menina obesa, um índio e uma boneca negra. Esses personagens, juntamente com a boneca Luna, formam o Clubinho da Luna, um site na internet onde as crianças podem interagir com os bonecos. O personagem Kadu é o campeão de mensagens, muitas delas de pessoas com síndrome de Down. "Os únicos tecidos que eu compro são os para a pele da Malu, a boneca negra e do índio Apoena, pois não produzo pijamas nessas cores. Todo o resto vem da reutilização de resíduos", explica Giselle.

 

 

 

 

ERA UMA VEZ

O projeto também originou O diário de Luna, livro que conta a história dos bonecos. A obra, que já vendeu mais de duas mil cópias, foi adotada em algumas escolas de Nova Friburgo, onde Giselle faz palestras sobre reciclagem e inclusão social. "Por meio dos bonecos, conto minha experiência pessoal e sobre como arranjei uma solução para não poluir. As crianças e os professores são muito receptivos, temos tido um bom retorno desse trabalho", conta. Um deles é a adoção do livro em diversas escolas. No Colégio Veríssimo, na cidade do Rio de Janeiro, a história de Luna e seus amigos é lida pelos alunos da educação infantil até o sexto ano do ensino fundamental. Segundo a psicóloga Glória Marques, que coordena os projetos com o livro no Colégio, o conteúdo é aproveitado em várias disciplinas, como geografia e ciências. A escola também utiliza os bonecos nas aulas. "O lúdico é muito importante nesse trabalho. Para as crianças é importante ir além da imaginação e os bonecos trazem a história para o concreto", diz ela. Ainda segundo ela, ao trazer temas como a síndrome de Down, o negro, da criança que trabalha (o personagem Zeca trabalha e estuda) ou a obesidade, os alunos têm a chance de aprender que ser diferente não é necessariamente ser limitado. "Temos que mostrar o potencial de cada pessoa e valorizar isso. É preciso quebrar o estigma da penalização e acionar a mobilização", acredita a psicóloga.

Este ano devem ser lançados mais dois personagens: a cadeirante Funny e Mané, um menino que não vai à escola. "Nossa intenção é mostrar que as diferenças têm que ser aceitas com naturalidade, daí a ideia de oferecer às crianças brinquedos que retratem várias maneiras de ser", afirma a proprietária da confecção.